Estar Sozinho
Tornei-me um homem da multidĂŁo. Nunca confiei em mim prĂłprio o bastante para estar sozinho. Dia e noite caminhava lestamente atravĂ©s das multidões, acotovelando, agarrando-me ansioso a quem pudesse. Muitos pensavam que eu era ladrĂŁo. Mas comprimia o meu corpo contra o corpo dos outros como uma criança se agarra Ă mĂŁe durante uma tempestade. Procurava tapar os olhos Ă minha consciĂŞncia como uma criança procura nĂŁo avistar o relâmpago; esforçava-me por tapar os meus ouvidos mentais, como uma criança procura esconder-se no regaço da mĂŁe para nĂŁo ouvir o som dos trovões. E se houvesse uma clareira nessa multidĂŁo, apressava-me, corria, os braços esticados, ansioso pelo toque do corpo de alguĂ©m, o meu prĂłprio corpo ansioso pelo contacto fugaz. E sempre, sempre, entre a confusĂŁo e o ruĂdo das passadas, tremia a ouvir esses passos constantes, inexoráveis.
Textos sobre Braços de Fernando Pessoa
2 resultadosMeu Bebé para Dar Dentadas
Meu Bebé pequeno e rabino:
Cá estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que está pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chão!); e esse não conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela é muito má, excepto numa cousa, que é na arte de fingir, em que vejo que é mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas «nĂŁo estou pensando em ti». Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da «caça aos pombos»; e isto Ă© uma cousa, como tu sabes, com que tu nĂŁo tens nada…
Foi agradável hoje o nosso passeio — não foi? Tu estavas bem-disposta, e eu estava bem-disposto, e o dia estava bem-disposto também. (O meu amigo, Sr. A.A. Crosse está de saúde — uma libra de saúde por enquanto, o bastante para não estar constipado.)
NĂŁo te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. Há para isso duas razões. A primeira Ă© a de este papel (o Ăşnico acessĂvel agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda Ă© a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplĂŞndido,