A Ideia da Natureza
A ideia da Natureza é a ideia de um poder e de uma arte divinos inexprimíveis, sem comparação ou medida com o poder e a indústria do homem, que imprime nas suas obras um carácter próprio de majestade e graça, que opera todavia sob o domínio de condições necessárias, que tende fatal e inexoravelmente a um fim que nos ultrapassa, de maneira contudo que essa cadeia de finalidade misteriosa, da qual não podemos demonstrar cientificamente nem a origem, nem o termo, aparece a nós como um fio condutor com a ajuda do qual a ordem é introduzida nos factos observados e que nos coloca no rastro dos factos a pesquisar. A ideia da natureza, esclarecida assim tanto quanto pode ser, não passa da concentração de todos os clarões que a observação e a razão nos fornecem sobre o conjunto dos fenómenos da vida, sobre o sistema dos seres vivos.
Textos sobre Cadeia
20 resultadosAges Impelido por Mil Coisas
Dizes-te livre e todos os dias ages impelido por mil coisas. Vês uma mulher e ama-la, morres de amor por ela; serás livre de acalmar esse sangue que pulsa, de serenar essa cabeça ardente, de refrear esse coração, de aplacar esses ardores que te devoram? Serás livre de pensar? Mil cadeias te retêm, mil aguilhões te impelem, mil entraves te fazem parar. Vês um homem pela primeira vez, há um dos seus traços que te choca, e durante a tua vida sentes aversão por esse homem, que talvez tivesses amado se tivesse o nariz mais pequeno. Tens mau estômago, e és brutal para com aquele que terias acolhido com benevolência. E de todos estes factos derivam, ou neles se encadeiam, também fatalmente, outras séries de factos, de que outros derivam por sua vez.
O Homem de Carácter
Os homens de carácter são a consciência da sociedade a que pertencem. A medida natural dessa força é a resistência às circunstâncias. Os homens impuros julgam a vida pela versão reflectida nas opiniões, nos acontecimentos e nas pessoas. Não são capazes de prever a acção até que ela se concretize. Todavia, o elemento moral da acção preexistia no autor e a sua qualidade, boa ou má, era de fácil predição. Tudo na natureza é bipolar, ou tem um pólo positivo e um pólo negativo. Há um macho e uma fêmea, um espírito e um facto, um norte e um sul. O espírito é o positivo, o facto é o negativo. A vontade é o norte, a acção é o pólo sul. O carácter pode ser classificado como tendo o seu lugar natural no norte. Distribui as correntes magnéticas do sistema. Os espíritos fracos são atraídos para o pólo sul, ou pólo negativo. Só vêem na acção o lucro, ou o prejuízo que podem encerrar.
Não podem vislumbrar um princípio, a não ser que este se abrigue noutra pessoa. Não desejam ser amáveis mas amados. Os de carácter gostam de ouvir falar dos seus defeitos; aos outros aborrecem as faltas;
A Dor e o Prazer
A natureza colocou o género humano sob o domínio de dois senhores soberanos: a dor e o prazer. Somente a eles compete apontar o que devemos fazer, bem como determinar o que na realidade faremos. Ao trono desses dois senhores está vinculada, por uma parte, a norma que distingue o que é recto do que é errado, e, por outra, a cadeia das causas e dos efeitos.
Os dois senhores de que falamos governam-nos em tudo o que fazemos, em tudo o que dizemos, em tudo o que pensamos, sendo que qualquer tentativa que façamos para sacudir esse senhorio outra coisa não faz senão demonstrá-lo e confirmá-lo. Através das suas palavras, o homem pode pretender abjurar tal domínio, porém na realidade permanecerá sujeito a ele em todos os momentos da sua vida.
Amizade Correcta
O sábio, ainda que se baste a si mesmo, deseja ter um amigo, quanto mais não fosse para exercer a amizade, para não deixar definhar tão grande virtude. Ele não busca, como dizia Epicuro, «alguém que lhe vele à cabeceira em caso de doença, que o socorra quando esteja em grilhões ou na indigência». Busca alguém a cuja cabeceira de doente possa velar; alguém que, quando implicado numa contenda, ele possa salvar dos cárceres inimigos. Pensar em si próprio, e empenhar-se numa amizade com esse pensamento preconcebido, é cometer um erro de cálculo. A empresa terminará como começou. Fulano arranjou um amigo para dispor, um dia, de um libertador que o preserve dos grilhões. Ao primeiro tinido de cadeias, lá se vai o amigo.
Tais são as amizades que o mundo chama de «ligações temporárias». O homem a quem se escolhe para prestar serviços deixará de agradar no dia em que não sirva para mais nada. Daí a constelação de amigos ao redor das grandes fortunas. Vinda a ruína, faz-se, à volta, a solidão: os amigos esquivam-se dos lugares onde são postos à prova. Daí, todos esses escândalos: amigos abandonados, amigos traídos, sempre por medo! É inevitável que o fim concorde com o começo: o interesse fez de sicrano teu amigo;
A Sociedade é um Sistema de Egoísmos Maleáveis
A sociedade é um sistema de egoísmos maleáveis, de concorrências intermitentes. Como homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo, distingue-se de todos os outros homens; e, porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável, parece-se com todos os outros homens; e, porque se parece, agrega-se-lhes. A vida social do homem divide-se, pois, em duas partes: uma parte individual, em que é concorrente dos outros, e tem que estar na defensiva e na ofensiva perante eles; e uma parte social, em que é semelhante dos outros, e tem tão-somente que ser-lhes útil e agradável. Para estar na defensiva ou na ofensiva, tem ele que ver claramente o que os outros realmente são e o que realmente fazem, e não o que deveriam ser ou o que seria bom que fizessem. Para lhes ser útil ou agradável, tem que consultar simplesmente a sua mera natureza de homens.
A exacerbação, em qualquer homem, de um ou o outro destes elementos leva à ruína integral desse homem, e, portanto, à própria frustração do intuito do elemento predominante, que, como é parte do homem, cai com a queda dele. Um indivíduo que conduza a sua vida em linhas de uma moral altíssima e pura acabará por ser ultrajado por toda a gente –
Da Profundidade do Espírito
A profundeza é o termo da reflexão. Quem quer que tenha o espírito verdadeiramente profundo, deve ter a força de fixar o pensamento fugidio; de retê-lo sob os olhos para considerar-lhe o fundo, e reduzir a um ponto uma longa cadeia de ideias; é principalmente àqueles a quem esse espírito foi dado que a clareza e a justeza são necessárias. Quando lhes faltam essas vantagens, as suas vistas ficam embaraçadas com ilusões e cobertas de obscuridades. No entanto, como tais espíritos vêem sempre mais longe do que os outros nas coisas da sua alçada, julgam-se também mais próximos da verdade do que os demais homens; mas estes, não os podendo seguir nas suas sendas tenebrosas, nem remontar das consequências até a altura dos princípios, são frios e desdenhosos para com esse tipo de espírito que não podem mensurar.
E, mesmo entre as pessoas profundas, como algumas o são em relação às coisas do mundo e outras nas ciências ou numa arte particular, preferindo cada qual o objecto cujos usos melhor conhece, isso também é, de todos os lados, matéria de dissensão.
Finalmente, nota-se um ciúme ainda mais particular entre os espíritos vivazes e os espíritos profundos, que só possuem um na falta do outro;
Os Dias Ricos
É bom ter um dia complicado se formos nós a complicá-lo, à medida que vamos andando. São os dias ricos. Nunca sabemos o que vamos fazer a seguir mas fazemos sempre qualquer coisa a seguir, para não interromper a cadeia.
Em vez de jantarmos em casa ou jantarmos fora, entramos num restaurante onde costumamos jantar e comemos apenas um petisco, um aperitivo. Os anfitriões também apreciam a mudança. É como ir cumprimentá-los.
Metemos conversa com um casal que só nos parece japonês porque queremos que seja, para lhes perguntar como preparam a massa Shirataki, que tem zero calorias. Perguntamos de onde são? Da Holanda, respondem. Os preconceitos, no sentido de pré-juízos ou pensamentos já feitos (na verdade, substitutos e obstáculos do conhecimento), são cada vez mais inúteis.
Os hábitos são diferentes. Para celebrá-los, nem é preciso esquecê-los ou trocá-los por alternativas, felizes ou desagradáveis. O melhor é interrompê-los e acrescentar-lhes desvios espontaneamente decididos que enaltecem, através da diversão, a felicidade subjacente.
Os dias ricos levam outro dia inteiro a contar. Só fazer a lista do que se fez cansa tão bem como nadar um quilómetro, devagarinho, num oceano vivo que nos consente.
A Subjectividade do Amor-Próprio
Um mendigo dos arredores de Madrid esmolava nobremente. Disse-lhe um transeunte:
– O senhor não tem vergonha de se dedicar a mister tão infame, quando podia trabalhar?
– Senhor, – respondeu o pedinte – estou-lhe a pedir dinheiro e não conselhos. – E com toda a dignidade castelhana virou-lhe as costas.
Era um mendigo soberbo. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si mesmo, e por amor de si mesmo não suportava reprimendas.
Viajando pela Índia, topou um missionário com um faquir carregado de cadeias, nu como um macaco, deitado sobre o ventre e deixando-se chicotear em resgate dos pecados de seus patrícios hindus, que lhe davam algumas moedas do país.
– Que renúncia de si próprio! – dizia um dos espectadores.
– Renúncia de mim próprio? – retorquiu o faquir. – Ficai sabendo que não me deixo açoitar neste mundo senão para vos retribuir no outro. Quando fordes cavalo e eu cavaleiro.
Tiveram pois plena razão os que disseram ser o amor de nós mesmos a base de todos as nossas acções – na Índia, na Espanha como em toda a terra habitável. Supérfluo é provar aos homens que têm rosto.
A Subjectividade dos Comportamentos
Podemos ter para com as coisas que nos acontecem ou que fazemos uma atitude mais geral ou mais pessoal. Podemos sentir uma pancada não apenas como dor, mas também como ofensa, e neste caso ela torna-se cada vez mais insuportável; mas também aceitá-la desportivamente, como um obstáculo que não nos intimidará nem nos arrastará para uma ira cega, e então não é raro nem sequer darmos por ela. Neste segundo caso, porém, o que aconteceu foi apenas que integrámos essa pancada num contexto mais geral, o do combate, e em função disso a natureza do golpe revelou-se dependente da tarefa que tem de desempenhar. E precisamente este fenómeno, que leva a que um acontecimento receba o seu significado, e mesmo o seu conteúdo, mediante a sua inserção numa cadeia de acções consequentes, produz-se em todos os indivíduos que não o encaram apenas como acontecimento pessoal, mas como desafio à sua capacidade intelectual.
Também ele será mais superficialmente afectado nas suas emoções pelo que faz. Mas, estranhamente, aquilo que se vê como sinal de inteligência superior num pugilista é visto como frieza e insensibilidade em pessoas que não sabem de boxe e nas quais isso se deve à sua inclinação para uma determinada forma de vida intelectual.
A Doutrina Perfeita
Muitas vezes as pessoas dirigem-se a mim, dizendo: «você, que é independente». Não sou assim; continuamente devo ceder a pequenas fórmulas sofisticadas que corrompem, que dão um sentido inverso à nossa orientação, que fazem com que a transparência do coração se turve. Continuamente a nossa insegurança, o egoísmo, o espírito legalista, a mesquinhez, a vaidade, toda a espécie de circunstâncias que tomam o partido da vida como desfrute à sensação se sobrepõem à luz interior. Só a fé é independente. Só ela está para além do bem e do mal.
Estar para além do bem e do mal aplica-se a Cristo. «Perdoa ao teu inimigo, oferece a outra face» – disse Ele. Não é um conselho para humilhados, não é um preceito para mártires. Nisso aparece Cristo mal interpretado, a ponto de o cristianismo ter sido considerado uma religião de escravos. Mas esquecemos que Cristo, como Homem, teve a experiência-limite, uma visão do inconsciente absoluto, o que quer dizer que a sua consciência foi saturada, para além do bem e do mal. Esse homem que perdoa ao seu inimigo não o faz por contrariedade do seu instinto, por reparação dos seus pecados; mas porque não pode proceder de outra maneira.
Dificultar Equivale a Facilitar e Inversamente
Muita coisa, que em certas fases do homem lhe dificulta a vida, serve, numa fase superior, para lha facilitar, porque esses homens aprenderam a conhecer maiores complicações da vida. O inverso sucede igualmente: é assim, por exemplo, que a religião tem um duplo rosto, conforme uma pessoa ergue para ela o olhar, para que ela o livre da sua cruz e das suas penas, ou baixa para ela o olhar como para as cadeias que lhe foram postas, a fim de que não suba pelos ares demasiado alto.
O Belo é Necessário
Neste mundo o lindo é necessário. Há mui poucas funções tão importantes como esta de ser encantadora. Que desespero na floresta se não houvesse o colibri! Exalar alegrias, irradiar venturas, possuir no meio das coisas sombrias uma transmudação de luz, ser o dourado do destino, a harmonia, a gentileza, a graça, é favorecer-te. A beleza basta ser bela para fazer bem. Há criatura que tem consigo a magia de fascinar tudo quanto a rodeia; às vezes nem ela mesmo o sabe, e é quando o prestígio é mais poderoso; a sua presença ilumina, o seu contato aquece; se ela passa, ficas contente; se pára, és feliz; contemplá-la é viver; é a aurora com figura humana; não faz nada, nada que não seja estar presente, e é quanto basta para edenizar o lar doméstico; de todos os poros sai-lhe um paraíso; é um êxtase que ela distribui aos outros, sem mais trabalho que o de respirar ao pé deles. Ter um sorriso que – ninguém sabe a razão – diminui o peso da cadeia enorme arrastada em comum por todos os viventes, que queres que te diga? é divino.
Sem Medo nem Esperança
Li no nosso Hecatão que pôr termo aos desejos é proveitoso como remédio aos nossos temores. Diz ele: «deixarás de ter medo quando deixares de ter esperança». Perguntarás tu como é possível conciliar duas coisas tão diversas. Mas é assim mesmo, amigo Lucílio: embora pareçam dissociadas, elas estão interligadas. Assim como uma mesma cadeia acorrenta o guarda e o prisioneiro, assim aquelas, embora parecendo dissemelhantes, caminham lado a lado: à esperança segue-se sempre o medo. Nem é de admirar que assim seja: ambos caracterizam um espírito hesitante, preocupado na expectativa do futuro.
A causa principal de ambos é que não nos ligamos ao momento presente antes dirigimos o nosso pensamento para um momento distante e assim é que a capacidade de prever, o melhor bem da condição humana, se vem a transformar num mal. As feras fogem aos perigos que vêem mas assim que fugiram recobram a segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reactualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!
A Esquerda e a Direita
Os políticos que se dizem de esquerda, por ser o bom sítio de se ser político, estão sempre a afirmar que são de esquerda, não vá a gente esquecer-se ou julgar que mudaram de poiso. Mas dito isso, não é preciso ter de explicar de que sítio são os actos que a necessidade política os vai obrigando a praticar. Como os de direita, aliás, que é um lugar mais espinhoso. O que importa é dizerem onde instalaram a sua reputação, na ideia de que o nome é que dá a realidade às coisas. E se antes disso nos explicassem o que é isso de ser de esquerda ou de direita? Nós trabalhamos com papéis que não sabemos se têm cobertura, como no faz-de-conta infantil. Mas o que é curioso é que o comércio político funciona à mesma com os cheques sem cobertura. E ninguém tira a limpo esse abuso de confiança, para as cadeias existirem. Mas o homem é um ser fictício em todo o seu ser. E é precisa a morte para ele enfim ser verdadeiro.
Desigualdade Natural e Desigualdade Institucional
É fácil de ver que, entre as diferenças que distinguem os homens, muitas passam por naturais, quando são unicamente a obra do hábito e dos diversos géneros de vida adoptados pelos homens na sociedade. Assim, num temperamento robusto ou delicado, a força ou a fraqueza que disso dependem, vêm muitas vezes mais da maneira dura ou efeminada pela qual foi educado do que da constituição primitiva dos corpos. Acontece o mesmo com as forças do espírito, e a educação não só estabelece a diferença entre os espíritos cultivados e os que não o são, como aumenta a que se acha entre os primeiros à proporção da cultura; com efeito, quando um gigante e um anão marcham na mesma estrada, cada passo representa uma nova vantagem para o gigante. Ora, se se comparar a diversidade prodigiosa do estado civil com a simplicidade e a uniformidade da vida animal e selvagem, em que todos se nutrem dos mesmos alimentos, vivem da mesma maneira e fazem exactamente as mesmas coisas, compreender-se-á quanto a diferença de homem para homem deve ser menor no estado de natureza do que no de sociedade; e quanto a desigualdade natural deve aumentar na espécie humana pela desigualdade de instituição.
Produzimos uma Cultura de Devastação
Todos os anos exterminamos comunidades indígenas, milhares de hectares de florestas e até inúmeras palavras das nossas línguas. A cada minuto extinguimos uma espécie de aves e alguém em algum lugar recôndito contempla pela última vez na Terra uma determinada flor. Konrad Lorenz não se enganou ao dizer que somos o elo perdido entre o macaco e o ser humano. Somos isso, uma espécie que gira sem encontrar o seu horizonte, um projecto por concluir. Falou-se bastante ultimamente do genoma e, ao que parece, a única coisa que nos distancia na realidade dos animais é a nossa capacidade de esperança. Produzimos uma cultura de devastação baseada muitas vezes no engano da superioridade das raças, dos deuses, e sustentada pela desumanidade do poder económico. Sempre me pareceu incrível que uma sociedade tão pragmática como a ocidental tenha deificado coisas abstractas como esse papel chamado dinheiro e uma cadeia de imagens efémeras. Devemos fortalecer, como tantas vezes disse, a tribo da sensibilidade…
A Alegoria da Caverna
– Imagina agora o estado da natureza humana com respeito à ciência e à ignorância, conforme o quadro que dele vou esboçar. Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura uma abertura por onde entra livremente a luz e, nessa caverna, homens agrilhoados desde a infância, de tal modo que não possam mudar de lugar nem volver a cabeça devido às cadeias que lhes prendem as pernas e o tronco, podendo tão-só ver aquilo que se encontra diante deles. Nas suas costas, a certa distância e a certa altura, existe um fogo cujo fulgor os ilumina, e entre esse fogo e os prisioneiros depara-se um caminho dificilmente acessível. Ao lado desse caminho, imagina uma parede semelhante a esses tapumes que os charlatães de feita colocam entre si e os espectadores para esconder destes o jogo e os truques secretos das maravilhas que exibem.
– Estou a imaginar tudo isso.
– Imagina homens que passem para além da parede, carregando objectos de todas as espécies ou pedra, figuras de homens e animais de madeira ou de pedra, de tal modo que tudo isso apareça por cima do muro. Os que tal transportam, ou falam uns com os outros,
É Impossível Criar um Ser Livre
É impossível compreender a produção de um ser dotado de liberdade por uma operação física. Não se pode nem mesmo compreender como é possível Deus criar seres livres; de facto, parece que todas as suas acções futuras deveriam ser predeterminadas por esse primeiro acto e compreendidas na cadeia da necessidade natural e, consequentemente, elas não seriam livres.
O Valor Natural do Egoísmo
O egoísmo vale o que valer fisiologicamente quem o pratica: pode ser muito valioso, e pode carecer de valor e ser desprezível. E lícito submeter a exame todo o indivíduo para se determinar se representa a linha ascendente ou a linha descendente da vida. Quando se conclui a apreciação sobre este ponto possui-se também um cânone para medir o valor que tem o seu egoísmo. Se se encontra na linha ascendente, então o valor do seu egoísmo é efectivamente extraordinário, — e por amor à vida no seu conjunto, que com ele progride, é lícito que seja mesmo levada ao extremo a preocupação por conservar, por criar o seu optimum de condições vitais. O homem isolado, o «indivíduo», tal como o conceberam até hoje o povo e o filósofo, é, com efeito, um erro: nenhuma coisa existe por si, não é um átomo, um «elo da cadeia», não é algo simplesmente herdado do passado, — é sim a inteira e única linhagem do homem até chegar a ele mesmo… Se representa a evolução descendente, a decadência, a degeneração crónica, a doença (— as doenças são já, de um modo geral, sintoma da decadência, não causas desta), então o seu valor é fraco,