Conhecidos de Vista
Conhecem-se há meses de vista, do bairro onde vivem, de se verem na rua, no supermercado, no café, de passearem os cães no jardim. Ela mora dois prédios ao lado do dele, não sabe o seu nome, nem o que faz, mas conhece-lhe algumas rotinas, já ouviu a sua voz, aprecia a forma de ele se vestir. Acha-o atraente e fica atenta quando o vê.
Ele gosta de levar um livro consigo quando vai com o cĂŁo ao jardim. Senta-se num banco a ler, mas, se ela chega, nĂŁo consegue concentrar-se. Finge que lĂŞ, espreita-a por cima do livro, maravilhado com o seu jeito distraĂdo de caminhar num vaivĂ©m constante enquanto fala ao telemĂłvel, rodando o vestido numa volta graciosa ao fim de alguns passos casuais. Adora o seu sorriso encantador, o modo como inclina a cabeça para trás e lança um risinho espontâneo para o ar a meio da conversa.
É sábado, estĂŁo sentados numa esplanada do jardim, ambos sozinhos, em mesas prĂłximas, frente a frente. Ela pede um cafĂ©, deita o açúcar, mexe-o demoradamente com a colher, distraĂda a observá-lo a ler o jornal. Fantasia que ele vai erguer os olhos a qualquer instante e surpreendĂŞ-la a olhar,
Textos sobre Café de Tiago Rebelo
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Ela caminha já a tarde vai alta pelo passeio que segue paralelo ao mar, por cima das praias. Em baixo, a areia estende-se vazia até à água, acabando numa espuma branca, das ondas que rebentam com o fragor dos dias de Inverno. Vai sozinha. Cruza-se com jovens a passo de corrida, outros que deslizam em patins, um casal com o filho pequeno feliz na sua bicicleta de rodinhas, acompanhado por um cãozinho saltitante que corre para a frente e para trás em redor dele.
Leva na mĂŁo o telemĂłvel e nos olhos castanhos brilhantes uma esperança. Vai pensativa e sem horas, caminhando sem pressa, reparando nas pessoas, no mar desabrido que se atira Ă praia, no ar fresco que respira, no vento que se levanta com uma promessa de tempestade. Cruza o casaco grosso, azul-escuro, Ă frente do peito, sem apertar os botões. Cruza os braços. Uma folha de jornal passa por ela a esvoaçar, notĂcias antigas, pensa divertida, logo se concentrando no navio de carga iluminado que vem de Lisboa e ruma ao mar aberto com o vagar de quem tem um destino certo num dia certo.Acaba por apertar os botões do casaco e levantar a gola para se sentir mais protegida do vento,