A Inquietação Moderna
Em direcção a oeste, a movimentação moderna torna-se cada vez maior, de modo que, para os Americanos, os habitantes da Europa na sua totalidade se apresentam como seres que gostam do sossego e dele usufruem, quando estes mesmos, no entanto, voam em confusão como abelhas e vespas. Esta movimentação torna-se tão grande que a cultura superior já não pode madurar os seus frutos; é como se as estações do ano se seguissem umas às outras demasiado depressa. Por falta de sossego, a nossa civilização vai dar a uma nova barbárie. Em nenhuma época, os activos, ou seja, os irrequietos, foram tão considerados. Reforçar em grande medida o elemento contemplativo faz parte, por conseguinte, das necessárias correcções que se tem de efectuar no carácter da humanidade. No entanto, desde já, cada indivíduo, que seja calmo e constante de coração e de cabeça, tem o direito de crer que possui não só um bom temperamento, mas também uma virtude de utilidade geral e que, ao conservar essa atitude, até cumpre uma missão superior.
Textos sobre Calma de Friedrich Nietzsche
4 resultadosFelicidade e Cultura
A visão das imediações da nossa infância comove-nos: a casa de campo, a igreja com as sepulturas, a lagoa e o bosque… é sempre com padecimento que voltamos a ver isso. Apodera-se de nós a compaixão para com nós próprios, pois por que sofrimentos não passámos, desde então! E ali continua a estar tudo tão calmo, tão eterno: só nós estamos mudados, tão agitados; até tornamos a encontrar algumas pessoas, nas quais o tempo não meteu dente mais do que num carvalho: camponeses, pescadores, habitantes da floresta… são os mesmos. Comoção, compaixão consigo próprio, à vista da cultura inferior, é sinal de cultura superior; donde se conclui que, por intermédio desta, a felicidade, em todo o caso, não foi acrescida. Justamente, quem quiser colher da vida felicidade e deleite só tem que se desviar sempre da cultura superior.
Toda a Comunidade nos Torna Vulgares
Viver com uma imensa e orgulhosa calma; sempre para além. – Ter e não ter, arbitrariamente, os seus afectos, o seu pró e contra, condescender com eles por umas horas; montar sobre eles como em cavalos, frequentemente como em burros; – é que se deve saber aproveitar a sua estupidez tal como a sua fogosidade. Conservar os seus trezentos primeiros planos; também os óculos escuros; pois há casos em que ninguém nos deve olhar nos olhos e muito menos ainda nas nossas «razões». E escolher, para companhia, aquele vício matreiro e sereno, a cortesia. E ficar senhor das suas quatro virtudes, a coragem, a perspicácia, a simpatia, a solidão. Pois a solidão é entre nós uma virtude, como tendência e impulso sublimes do asseio que adivinha como, no contacto de homem para homem – «em sociedade» – tudo é, inevitavelmente, sujo, Toda a comunidade nos torna de qualquer modo, em qualquer parte, em qualquer altura – «vulgares».
Aprender a Ver
Aprender a ver – habituar os olhos à calma, à paciência, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós; aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é já quase o que o modo afilosófico de falar denomina vontade forte: o essencial nisto é, precisamente, o poder não «querer», o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — tem que se reagir, seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que é já doença, decadência, sintoma de esgotamento, — quase tudo o que a rudeza afilosófica designa com o nome de «vício» é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. — Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espécie deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mão. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o facto pequeno,