Amor Desmistificado
O sentimento de um homem apaixonado produz por vezes efeitos cómicos ou trágicos, porque em ambos os casos, é dominado pelo espírito da espécie que o domina ao ponto de o arrancar a si próprio; os seus actos não correspondem à sua individualidade. Isto explica, nos níveis superiores do amor, essa natureza tão poética e sublimadora que caracteriza os seus pensamentos, essa elevação transcendente e hiperfísica, que parece fazê-lo afastar da finalidade meramente física do seu amor. É porque o impelem então o génio da espécie e os seus interesses superiores.
Recebeu a missão de iniciar uma série indefinida de gerações dotadas de determinadas características e constituídas por certos elementos que só se podem encontrar num único pai e numa única mãe; só essa união pode dar existência à geração determinada que a objectivação da vontade expressamente exige. O sentimento que o amante tem de agir em circunstâncias de semelhantes transcendência, eleva-o de tal modo sobre as coisas terrestres e mesmo acima de si próprio, e tranforma-lhe os desejos físicos numa aparência de tal modo suprasensível, que o amor é um acontecimento poético, mesmo na existência do homem mais prosaico, o que o faz cair por vezes em ridículo.
Textos sobre Característicos de Arthur Schopenhauer
5 resultadosEntendimento Lúcido do Futuro
Uma diferença característica e muito frequente na vida diária entre as cabeças comuns e as sensatas é que as primeiras, na sua ponderação e avaliação sobre possíveis perigos, querem saber e levam em conta apenas o que de semelhante já terá acontecido. As outras, pelo contrário, ponderam o que possivelmente poderia acontecer. É como se tivessem em mente o provérbio espanhol: «O que não acontece num ano, acontece num instante». Decerto, a diferença em questão é natural, pois, para abarcar com a vista aquilo que pode acontecer, é preciso entendimento; já para ver aquilo que aconteceu, são suficientes os sentidos.
A nossa máxima, então, é: sacrifica-te aos demónios malignos. Por outras palavras, não se deve temer uma certa perda de esforço, tempo, desconforto, transtorno, dinheiro ou privação, para fechar as portas à possibilidade de uma desgraça. E quanto maior a desgraça, tanto menor, mais remota e improvável a sua possibilidade. O exemplo mais claro desta regra é o prémio do seguro. Ele é um sacrifício público oferecido por todos no altar dos demónios malignos.
Façam a Barba, Meus Senhores!
A barba, por ser quase uma máscara, deveria ser proibida pela polícia. Além disso, enquanto distintivo do sexo no meio do rosto, ela é obscena: por isso é apreciada pelas mulheres.
Dizem que a barba é natural ao homem: não há dúvida, e por isso ela é perfeitamente adequada ao homem no estado natural; do mesmo modo, porém, no estado civilizado é natural ao homem fazer a barba, uma vez que assim ele demonstra que a brutal violência animalesca – cujo emblema, percebido imediatamente por todos, é aquela excrescência de pêlos, característica do sexo masculino – teve de ceder à lei, à ordem e à civilização.
A barba aumenta a parte animalesca do rosto e ressalta-a. Por essa razão, confere-lhe um aspecto brutal tão evidente. Basta observar um homem barbudo de perfil enquanto ele come! Este pretende que a barba seja um ornamento. No entanto, há duzentos anos era comum ver esse ornamento apenas em judeus, cossacos, capuchinhos, prisioneiros e ladrões. A ferocidade e a atrocidade que a barba confere à fisionomia dependem do facto de que uma massa respectivamente sem vida ocupa metade do rosto, e justamente aquela que expressa a moral. Além disso, todo o tipo de pêlo é animalesco.
Tempo e Idade
A jovialidade e a coragem da vida, características da juventude, devem-se em parte ao facto de estarmos a subir a colina, sem ver a morte situada no sopé do outro lado. Porém, ao transpormos o cume, avistamos de facto a morte, até então conhecida só de ouvir dizer. Ora, como ao mesmo tempo a força vital começa a diminuir, a coragem também decresce, de modo que, nesse momento, uma seriedade sombria reprime a audácia juvenil e estampa-se no nosso rosto. Enquanto somos jovens, digam o que quiserem, consideramos a vida como sem fim e usamos o nosso tempo com prodigalidade. Contudo, quanto mais velhos ficamos, mais o economizamos. Na velhice, cada dia vivido desperta uma sensação semelhante à do delinquente ao dirigir-se ao julgamento.
Do ponto de vista da juventude, a vida é um futuro infinitamente longo; do da velhice, é um passado bastante breve. Desse modo, o começo apresenta-se-nos como as coisas ao serem vistas pela lente objectiva do binóculo de opera; o fim, entretanto, como se vistas pela ocular. É preciso ter envelhecido, portanto ter vivido muito, para reconhecer como a vida é breve. O próprio tempo, na juventude, dá passos bem mais lentos. Por conseguinte, o primeiro quartel da vida é não só o mais feliz,
Insultar é uma Honra
Assim como ser insultado é uma vergonha, insultar é uma honra. Por exemplo, mesmo que a verdade, o direito e a razão estejam do lado do meu adversário, não deixo de insultá-lo; desse modo, todas as suas qualidades passam a ser desconsideradas, e o direito e a honra passam a estar do meu lado. Ele, pelo contrário, perdeu provisoriamente a sua honra – até conseguir restabelecê-la, não mediante direito e razão, mas por tiros e estocadas. Logo, a rudeza é uma qualidade que, no ponto de honra, substitui ou se sobrepõe sobre as outras. O mais rude tem sempre razão: para quê tantas palavras? Qualquer estupidez, insolência, maldade que alguém possa ter feito, uma rudeza retira-lhes essa característica e elas são de imediato legitimadas. Se, numa discussão ou conversa, outro indivíduo mostra conhecimento mais correcto do assunto, um amor mais austero à verdade, um juízo mais saudável, mais entendimento que nós, ou se em geral exibe méritos intelectuais que nos deixam na sombra, então podemos de imediato suprimir semelhantes superioridades e a nossa própria mesquinhez por elas revelada e sermos, por nosso turno, superiores, tornando-nos ofensivos e rudes.
Pois uma rudeza derrota todo o argumento e eclipsa qualquer espírito;