Fábula
Estavam ali diante dos meus olhos: era terrĂvel e ao mesmo tempo fascinante.
Ao princĂpio pensei que ele a estava a matar, logo a seguir percebi que nĂŁo, que talvez ambos estivessem a morrer, sĂł depois qualquer apelo distante se fez carne em mim. EntĂŁo todo eu fiquei amarrado aos seus gestos, Ă quela respiração fatigada e difĂcil, Ă quele balbucio que lhes saĂa ralo da boca.
Os seio de Maria caĂam nus da blusa. Uma das mĂŁos do carpinteiro perdia-se nos seus cabelos emaranhados, a outra parecia ter-se enterrado na areia. O resto era aquele corpo todo dè homem: rĂgido e fremente, ao mesmo tempo, Ă força de concentrar todo o Ămpeto nas nádegas, arco de onde a flecha partia, para se cravar exasperada nas entranhas da rapariga. Parecia um cavalo ofegante — os olhos cerrados, o suor escorrendo da raiz dos cabelos, espa-lhando-se pelas costas, pelos flancos, pelas pernas, quase todas descobertas. Um cavalo cego mordendo o cĂ©u branco de agosto. Mas a terra chamou-o, e um relincho prolongado encheu o leito do ribeiro, morreu no alto dos amieiros. Por fim a paz desceu ao mundo.
Maria olhava o carpinteiro com olhos rasos de espanto, como quem tivesse perdido tudo naquele instante.
Textos sobre Carne de Eugénio de Andrade
2 resultadosAs MĂŁes
Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terĂŁo morrido. Passaram o verĂŁo todo a transformar a luz em canto – nĂŁo sei de destino mais glorioso. Quem lá encontraremos, pela certa, sĂŁo aquelas mulheres envolvidas na sombra dos seus lutos, como se a terra lhes tivesse morrido e para todo o sempre se quedassem ĂłrfĂŁs. NĂŁo as veremos apenas em Barrancos ou em Castro Laboreiro, elas estĂŁo em toda a parte onde nasça o sol: em CĂłria ou Catania, em Mistras ou Santa Clara del Cobre, em Varchats ou Beni Mellal, porque elas sĂŁo as MĂŁes. O olhar esperto ou sonolento, o corpo feito um espeto ou mal podendo com as carnes, elas sĂŁo as MĂŁes. A tua; a minha, se nĂŁo tivera morrido tĂŁo cedo, sem tempo para que o rosto viesse a ser lavrado pelo vento. Provavelmente estĂŁo aĂ desde a primeira estrela. E como duram! Feitas de urze ressequida, parecem imortais. Se o nĂŁo forem, sĂŁo pelo menos incorruptĂveis, como se participassem da natureza do fogo. Com mĂŁos friáveis teceram a rede dos nossos sonhos, alimentaram-nos com a luz coada pela obscuridade dos seus lenços. Ă€s vezes encostam-se Ă cal dos muros a ver passar os dias,