A Visita do PrĂncipe
NĂŁo sei nunca o que me trazem as palavras, elas gostam tanto de me surpreender. Hoje ao levantar da nĂ©voa trouxeram-me a casa sobre o rio, o terraço escassamente iluminado por um lampeĂŁo que balançava ao vento, o pequeno sapo que todas as noites, rente ao muro, se ia aproximando, depositário de tudo o que nesse tempo em mim se confundia com a ternura. Pequeno prĂncipe da vadiagem, por ali se quedava sem outro ofĂcio que nĂŁo fosse o de receber alguma carĂcia, sĂł depois regressando por entre a humidade das pedras aos pântanos da sombra, a noite inteira nos olhos desmedidos.
Textos sobre Casas de Eugénio de Andrade
3 resultadosAs Nuvens
Hei-de aprender um ofĂcio de que goste, há tĂŁo poucos, talvez carpinteiro, ou pedreiro. Construiria uma casa neste chĂŁo de areia com pedras hĂşmidas, lisas ou cheias de limos, frias, sĂŁo tĂŁo bonitas, com seus veios cruzando-se, ou afastando-se de costas uns para os outros. Havia de meter-me por esses miĂşdos caminhos de chibas para ver, ao fim da tarde, chegar os saltimbancos em toda a sua glĂłria, que me apontam as nuvens lentas, muito brancas, afastando-se.
As MĂŁes
Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terĂŁo morrido. Passaram o verĂŁo todo a transformar a luz em canto – nĂŁo sei de destino mais glorioso. Quem lá encontraremos, pela certa, sĂŁo aquelas mulheres envolvidas na sombra dos seus lutos, como se a terra lhes tivesse morrido e para todo o sempre se quedassem ĂłrfĂŁs. NĂŁo as veremos apenas em Barrancos ou em Castro Laboreiro, elas estĂŁo em toda a parte onde nasça o sol: em CĂłria ou Catania, em Mistras ou Santa Clara del Cobre, em Varchats ou Beni Mellal, porque elas sĂŁo as MĂŁes. O olhar esperto ou sonolento, o corpo feito um espeto ou mal podendo com as carnes, elas sĂŁo as MĂŁes. A tua; a minha, se nĂŁo tivera morrido tĂŁo cedo, sem tempo para que o rosto viesse a ser lavrado pelo vento. Provavelmente estĂŁo aĂ desde a primeira estrela. E como duram! Feitas de urze ressequida, parecem imortais. Se o nĂŁo forem, sĂŁo pelo menos incorruptĂveis, como se participassem da natureza do fogo. Com mĂŁos friáveis teceram a rede dos nossos sonhos, alimentaram-nos com a luz coada pela obscuridade dos seus lenços. Ă€s vezes encostam-se Ă cal dos muros a ver passar os dias,