Eu Sou Nostálgica Demais
De sĂşbito a estranheza. Estranho-me como se uma câmera de cinema estivesse filmando meus passos e parasse de sĂşbito, deixando-me imĂłvel no meio de um gesto: presa em flagrante. Eu? Eu sou aquela que sou eu? Mas isto Ă© um doido faltar de sentido! Parte de mim Ă© mecânica e automática — Ă© neurovegetativa, Ă© o equilĂbrio entre nĂŁo querer e o querer, do nĂŁo poder e de poder, tudo isso deslizando em plena rotina do mecanicismo. A câmera fotográfica singularizou o instante. E eis que automaticamente saĂ de mim para me captar tonta de meu enigma, diante de mim, que Ă© insĂłlito e estarrecedor por ser extremamente verdadeiro, profundamente vida nua amalgamada na minha identidade. E esse encontro da vida com a minha identidade forma um minĂşsculo diamante inquebrável e radioso indivisĂvel, um Ăşnico átomo e eu toda sinto o corpo dormente como quando se fica muito tempo na mesma posição e a perna de repente fica «esquecida».
Eu sou nostálgica demais, pareço ter perdido uma coisa não se sabe onde e quando.
Textos sobre Cinema
25 resultadosA Vida Ă© Triste
A vida é triste por uma só razão. Não é a primeira (o ser curta). É comprida. Só parece curta a quem não sofre; a quem não quer que acabe.
A vida Ă© triste por ser muito mais fácil iludirmo-nos do que somos capazes de nos desiludir. A ilusĂŁo, sem qualquer esforço da nossa parte, põe-nos nos pĂncaros. Estamos programados para isso. NĂŁo nos custa. Sabe-nos bem. Gostamos de ser enganados, desde que nos sintamos mais bem por causa disso.
Já a desilusĂŁo nĂŁo sĂł Ă© difĂcil como custa muito mais. Nunca Ă© bem-vinda. É uma força destruidora, a realidade. A morte, sendo inesperada — seja a morte intelectual, emotiva, sensĂvel, amorosa ou fĂsica —, Ă© sempre mais violenta do que a esperada, que raramente se adianta.
Cada vez que acordamos e lamentamos ter acordado; cada vez que adormecemos e agradecemos ter adormecido; estamos a rejeitar alegremente a vida. Não há outra maneira de a rejeitar. Viver, apesar de tudo, ainda é uma espécie de glória, sendo a glória o oposto do prazer.
Esperar muito — tanto no sentido louco da esperança como no sentido (cuja raiz latina vem de sofrer) masoquista de paciência – é pormo-nos a jeito para o sofrimento.
O Poder das Palavras
A humanidade entrará no terceiro milĂ©nio sob o impĂ©rio das palavras. NĂŁo Ă© verdade que a imagem esteja a suplantá-las nem que possa extingui-las. Pelo contrário, está a potenciá-las: nunca houve no mundo tantas palavras com tanto alcance, autoridade e arbĂtrio como na imensa Babel da vida atual. Palavras inventadas, maltratadas ou sacralizadas pela imprensa, pelos livros descartáveis, pelos cartazes de publicidade; faladas e cantadas pela rádio, pela televisĂŁo, pelo cinema, pelo telefone, pelos altifalantes pĂşblicos: gritadas Ă brocha nas paredes da rua ou sussurradas ao ouvido nas penumbras do amor. NĂŁo: o grande derrotado Ă© o silĂŞncio. As coisas tĂŞm agora tantos nomes em tantas lĂnguas que já nĂŁo Ă© fácil saber como se chamam em nenhuma. Os idiomas dispersam-se Ă rĂ©dea solta, misturam-se e confundem-se, desembestados rumo ao destino inelutável de uma lĂngua global.
Besta CĂ©lere
Há quem lhe chame, por brincadeira, besta cĂ©lere para caracterizar a qualidade mediana (tomada por mĂ©dia) desse produto cultural (agora Ă© tudo cultural!) e, ao mesmo tempo, a rapidez com que ele se esgota em sucessivas edições. O best-seller Ă© um produto perfeita (ou eficazmente) projectado em termos de «marketing» editorial e livreiro. É para se vender – muito e depressa – que o best-seller Ă© construĂdo com os olhos postos num leitor-tipo que vai encontrar nele aquilo que exactamente esperava. Nem mais, nem menos. Os exemplos, abundantĂssimos, nem vale a pena enumerá-los. ConvĂ©m nĂŁo confundir, pelo menos em todos os casos, best-seller com «topes» de venda. Embora seja cabeça de lista, o best-seller tem, em relação aos livros «normais», uma caracterĂstica que logo o diferencia: foi feito propositadamente para ser um campeĂŁo de vendas. A sua razĂŁo de ser Ă© essa e sĂł essa. E aqui poderia dizer-se, recuperando o lugar-comum para um sentido sĂ©rio, que «o resto Ă© literatura».
Estou a pensar em bestas céleres como Love Story ou O Aeroporto. Não estou a pensar em «topes» de venda como O Nome da Rosa ou Memórias de Adriano. estes últimos são boa, excelente literatura que, por razões pontuais e,
A Pior Coisa Ă© a Liberdade
A pior coisa Ă© a liberdade. A liberdade de qualquer tipo Ă© o pior para a criatividade. Quando estive dois meses na prisĂŁo em Espanha, esses dois meses foram os que me deram mais gozo e os mais felizes da minha vida. Antes de ter ido para a prisĂŁo, estava sempre nervoso, ansioso. Estava sempre em dĂşvida se deveria fazer uma pintura, ou talvez um poema, ou se deveria ir ao cinema ou ao teatro, ou ir ter com uma rapariga, ou ir brincar com os rapazes. Mas puseram-me na prisĂŁo, e a minha vida tornou-se divina.