O Mundo dos Solteiros
Agora a sério: você conhece algum solteiro verdadeiramente satisfeito com a sua condição de solteiro? Eu não. Conheço vários solteiros que se dizem satisfeitos com a sua condição de solteiros, mas que de bom grado imediatamente se casariam. Não se casam por inércia, por cobardia, muitas vezes por falta de sorte – mas é por uma vida a dois que suspiram. É da natureza humana. Uma coisa é estar entre casamentos. Outra é ser solteiro. E o solteiro cool é uma construção tão artificial como o da gordinha «muito» simpática. Você conhece alguma gordinha «muito» simpática em que essa tão óbvia simpatia não seja excessiva, provavelmente fabricada – e mensageira sobretudo de uma profunda solidão? Eu não.
(…) É um mundo sombrio, o mundo dos solteiros – um mundo de ansiedades, de cinismo, de ressentimento, de egoísmo. Se os solteiros solitários são tristes, aliás, os solteiros gregários são-no ainda mais. Você já foi a algum jantar em que os presentes fossem maioritariamente solteiros? Eu já. E, sempre que fui, voltei deprimido. Ia deprimido – e deprimido voltei. Íamos deprimidos – e deprimidos voltámos. Todos. Fizemos o que pudemos, claro: trocámos palavras, trocámos solidariedades, trocámos mimos. No fim, nada.
Textos sobre Cinismo
7 resultadosOs Comunistas
… Passaram bastantes anos desde que ingressei no Partido… Estou contente… Os comunistas constituem uma boa família… Têm a pele curtida e o coração valoroso… Por todo o lado recebem pauladas… Pauladas exclusivamente para eles… Vivam os espiritistas, os monárquicos, os aberrantes, os criminosos de vários graus… Viva a filosofia com fumo mas sem esqueletos… Viva o cão que ladra e que morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o cinismo, viva o camarão, viva toda a gente menos os comunistas… Vivam os cintos de castidade, vivam os conservadores que não lavam os pés ideológicos há quinhentos anos… Vivam os piolhos das populações miseráveis, viva a força comum gratuita, viva o anarco-capitalismo, viva Rilke, viva André Gide com o seu coribantismo, viva qualquer misticismo… Tudo está bem… Todos são heróicos… Todos os jornais devem publicar-se… Todos devem publicar-se, menos os comunistas… Todos os políticos devem entrar em São Domingos sem algemas… Todos devem festejar a morte do sanguinário Trujillo, menos os que mais duramente o combateram… Viva o Carnaval, os derradeiros dias do Carnaval… Há disfarces para todos… Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema-esquerda, disfarces de damas beneficentes e de matronas caritativas… Mas, cuidado, não deixem entrar os comunistas…
O Segredo de Salvar-me Pelo Amor
Quem há aí que possa o cálix
De meus lábios apartar?
Quem, nesta vida de penas,
Poderá mudar as cenas
Que ninguém pôde mudar ?Quem possui na alma o segredo
De salvar-me pelo amor?
Quem me dará gota de água
Nesta angustiosa frágua
De um deserto abrasador?Se alguém existe na terra
Que tanto possa, és tu só!
Tu só, mulher, que eu adoro,
Quando a Deus piedade imploro,
E a ti peço amor e dó.Se soubesses que tristeza
Enluta meu coração,
Terias nobre vaidade
Em me dar felicidade,
Que eu busquei no mundo em vão.Busquei-a em tudo na terra,
Tudo na terra mentiu!
Essa estrela carinhosa
Que luz à infância ditosa
Para mim nunca luziu.Infeliz desde criança
Nem me foi risonha a fé;
Quando a terra nos maltrata,
Caprichosa, acerba e ingrata,
Céu e esperança nada é.Pois a ventura busquei-a
No vivo anseio do amor,
Era ardente a minha alma;
Conquistei mais de uma palma
À custa de muita dor.
O Maior Amor e as Coisas que Se Amam
Tomara poder desempenhar-me, sem hesitações nem ansiedades, deste mandato subjectivo cuja execução por demorada ou imperfeita me tortura e dormir descansadamente, fosse onde fosse, plátano ou cedro que me cobrisse, levando na alma como uma parcela do mundo, entre uma saudade e uma aspiração, a consciência de um dever cumprido.
Mas dia a dia o que vejo em torno meu me aponta novos deveres, novas responsabilidades da minha inteligência para com o meu senso moral. Hora a hora a (…) que escreve as sátiras surge colérica em mim. Hora a hora a expressão me falha. Hora a hora a vontade fraqueja. Hora a hora sinto avançar sobre mim o tempo. Hora a hora me conheço, mãos inúteis e olhar amargurado, levando para a terra fria uma alma que não soube contar, um coração já apodrecido, morto já e na estagnação da aspiração indefinida, inutilizada.
Nem choro. Como chorar? Eu desejaria poder querer (desejar) trabalhar, febrilmente trabalhar para que esta pátria que vós não conheceis fosse grande como o sentimento que eu sinto quando n’ela penso. Nada faço. Nem a mim mesmo ouso dizer: amo a pátria, amo a humanidade. Parece um cinismo supremo. Para comigo mesmo tenho um pudor em dizê-lo.
Viver em Estado de Amor
Respirar, viver não é apenas agarrar e libertar o ar, mecanicamente: é existir com, é viver em estado de amor. E, do mesmo modo, aderir ao mistério é entrar no singular, no afetivo. Deus é cúmplice da afetividade: omnipotente e frágil; impassível e passível; transcendente e amoroso; sobrenatural e sensível. A mais louca pretensão cristã não está do lado das afirmações metafísicas: ela é simplesmente a fé na ressurreição do corpo.
O amor é o verdadeiro despertador dos sentidos. As diversas patologias dos sentidos que anteriormente revisitámos mostram como, quando o amor está ausente, a nossa vitalidade hiberna. Uma das crises mais graves da nossa época é a separação entre conhecimento e amor. A mística dos sentidos, porém, busca aquela ciência que só se obtém amando. Amar significa abrir-se, romper o círculo do isolamento, habitar esse milagre que é conseguirmos estar plenamente connosco e com o outro. O amor é o degelo. Constrói-se como forma de hospitalidade (o poeta brasileiro Mário Quintana escreve que «o amor é quando a gente mora um no outro»), mas pede aos que o seguem uma desarmada exposição. Os que amam são, de certa maneira, mais vulneráveis. Não podem fazer de conta. Se apetece cantar na rua,
Ideais Insanos
Um homem louco é aquele cuja maneira de pensar e agir não se coaduna com a maioria dos seus contemporâneos. A sanidade mental é uma questão de estatística. Aquilo que a maioria dos Homens faz em qualquer dado lugar e período é a coisa ajuizada e normal a fazer. Esta é a definição de sanidade mental na qual baseamos a nossa prática social. Para nós, aqui e agora, são muitos os de mentalidade sã e poucos os loucos. Mas os julgamentos, aqui e agora, são por sua natureza provisórios e relativos. O que nos parece sanidade mental, a nós, porque é o comportamento de muitos, pode parecer, sub specie oeternitalis, uma loucura. Nem é preciso invocar a eternidade como testemunho. A História é suficiente. A maioria auto-intitulada de mentalmente sã, em qualquer dado momento, pode parecer ao historiador, que estudou os pensamentos e acções de inumeráveis mortos, uma escassa mão-cheia de lunáticos. Considerando o assunto de outro ponto de vista, o psicólogo pode chegar à mesma conclusão. Ele sabe que a mente consiste de tais e tais elementos, que existem e devem ser tidos em conta. Se um homem tenta viver como se certos destes elementos constituintes do seu ser não existissem,
A Esperança é o mais Frágil dos Sentimentos
Vivemos em Moçambique anos terríveis de guerra e de desespero. Quando me perguntam como sobrevivemos a esse tempo, as pessoas se apressam a falar da esperança. E dizem: pois é, a esperança é a última a morrer. É isso que se diz. Contudo, não é verdade. A esperança é o mais frágil dos sentimentos, um dos primeiros a desvanecer. Ela morre, porém, no sentido que os africanos têm da morte. Quer dizer, ela morre mas não fica morta. Continua vivendo entre nós, do nosso lado. E vai comandando, secreta e subtilmente, processos e destinos. A esperança não é a última a morrer ainda que possa ser a primeira a matar-nos. E estaremos mortos se aceitarmos conviver, com cinismo, num mundo em que fazemos de conta acreditar.