Os Artistas Verdadeiros nĂŁo TĂȘm Ideologia

Dia entre pescadores. Eles a pescarem sardinha para a fome orgĂąnica do corpo, e eu a pescar imagens para uma necessidade igual do espĂ­rito. Tisnados de saĂșde, os homens olham-me; e eu, amarelo de doença, olho-os tambĂ©m. Certamente que se julgam mais justificados do que eu, e que o mundo inteiro lhes dĂĄ razĂŁo. Mas da mesma maneira que eles, sem que ninguĂ©m lhes peça sardinha, se metem Ă s ondas, tambĂ©m eu, sem que ninguĂ©m me peça poesia, me lanço a este mar da criação. HĂĄ uma coisa que nenhuma ideologia pode tirar aos artistas verdadeiros: Ă© a sua consciĂȘncia de que sĂŁo tĂŁo fundamentais Ă  vida como o pĂŁo. Podem acusĂĄ-los de servirem esta ou aquela classe. Pura calĂșnia. É o mesmo que dizer que uma flor serve a princesa que a cheira. O mundo nĂŁo pode viver sem flores, e por isso elas nascem e desabrocham. Se olhos menos avisados passam por elas e as nĂŁo podem ver, a traição nĂŁo Ă© delas, mas dos olhos, ou de quem os mantĂ©m cegos e incultos.