Os Amantes não Contam Nada de Novo uns aos Outros
A alma só acolhe o que lhe pertence; de certo modo, ela já sabe de antemão tudo aquilo por que vai passar. Os amantes não contam nada de novo uns aos outros, e para eles também não existe reconhecimento. De facto, o amante não reconhece no ser que ama nada a não ser que é transportado por ele, de modo indescritível, para um estado de dinamismo interior. E reconhecer uma pessoa que não ama significa para ele trazer o outro ao amor como uma parede cega sobre a qual cai a luz do Sol. E reconhecer uma coisa inerte não significa identificar os seus atributos uns a seguir aos outros, mas sim que um véu cai ou uma fronteira se abre, e nenhum deles pertence ao mundo da percepção. Também o inanimado, desconhecido como é, mas cheio de confiança, entra no espaço fraterno dos amantes. A natureza e o singular espírito dos amantes olham-se nos olhos, e são as duas direcções de um mesmo agir, um rio que corre em dois sentidos, um fogo que arde em dois extremos.
E então é impossível reconhecer uma pessoa ou uma coisa sem relação connosco próprios, pois o acto de tomar conhecimento toma das coisas qualquer coisa;
Textos sobre Conhecimento de Robert Musil
3 resultadosA Dualidade do Simbolismo
Um símbolo contém uma verdade e uma inverdade, indestrinçáveis para o sentimento. Se o tomarmos tal como é e o configurarmos através dos sentidos e à imagem da realidade, nascem daí o sonho e a arte; mas entre estes e a vida real e plena ergue-se uma parede de vidro. Se o apreendermos com a razão e separarmos o que não coincide do que coincide perfeitamente, nascem daí a verdade e o conhecimento, mas arruinamos o sentimento. À semelhança daquelas estirpes de bactérias que dividem em duas partes a matéria orgânica, a espécie humana fragmenta em duas a condição vital primordial do símbolo: a matéria sólida da realidade e da verdade, e a atmosfera vítrea da intuição, da fé e do artefacto. Parece não haver uma terceira possibilidade; mas quantas vezes algo de incerto acaba por ser desejado, se não metermos muito a reflexão no caso!
O Espírito Desfaz a Ordem das Coisas
O espírito aprendeu que a beleza nos faz bons, maus, estúpidos ou sedutores. Disseca uma ovelha e um penitente e encontra em ambos humildade e paciência. Analisa uma substância e descobre que, tomada em grandes quantidades, pode ser um veneno, e em pequenas doses, um excitante. Sabe que a mucosa dos lábios tem afinidades com a do intestino, mas também sabe que a humildade desses lábios tem afinidades com a humildade de tudo o que é sagrado. O espírito desfaz a ordem das coisas, dissolve-as e volta a recompô-las de forma diferente. O bem e o mal, o que está em cima e o que está em baixo não são para ele noções de um relativismo céptico, mas termos de uma função, valores que dependem do contexto em que se encontram. Os séculos ensinaram-lhe que os vícios se podem transformar em virtudes e as virtudes em vícios, e conclui que, no essencial, só por inépcia se não consegue fazer de um criminoso um homem útil no tempo de uma vida. Não reconhece nada como lícito ou ilícito, porque tudo pode ter uma qualidade graças à qual um dia participará de um novo e grande sistema. Odeia secretamente como a morte tudo aquilo que se apresenta como se fosse definitivo,