A Subjectividade do Amor-PrĂłprio
Um mendigo dos arredores de Madrid esmolava nobremente. Disse-lhe um transeunte:
– O senhor não tem vergonha de se dedicar a mister tão infame, quando podia trabalhar?
– Senhor, – respondeu o pedinte – estou-lhe a pedir dinheiro e não conselhos. – E com toda a dignidade castelhana virou-lhe as costas.
Era um mendigo soberbo. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si mesmo, e por amor de si mesmo nĂŁo suportava reprimendas.
Viajando pela ĂŤndia, topou um missionário com um faquir carregado de cadeias, nu como um macaco, deitado sobre o ventre e deixando-se chicotear em resgate dos pecados de seus patrĂcios hindus, que lhe davam algumas moedas do paĂs.
– Que renúncia de si próprio! – dizia um dos espectadores.
– Renúncia de mim próprio? – retorquiu o faquir. – Ficai sabendo que não me deixo açoitar neste mundo senão para vos retribuir no outro. Quando fordes cavalo e eu cavaleiro.
Tiveram pois plena razão os que disseram ser o amor de nós mesmos a base de todos as nossas acções – na Índia, na Espanha como em toda a terra habitável. Supérfluo é provar aos homens que têm rosto.
Textos sobre Conselho de Voltaire
2 resultadosCausas e Curas para o Fanatismo
O fanatismo Ă© para a superstição o que o delĂrio Ă© para a febre, o que Ă© a raiva para a cĂłlera. Aquele que tem ĂŞxtases, visões, que considera os sonhos como realidades e as imaginações como profecias Ă© um entusiasta; aquele que alimenta a sua loucura com a morte Ă© um fanático. (…) O mais detestável exemplo de fanatismo Ă© aquele dos burgueses de Paris que correram a assassinar, degolar, atirar pelas janelas, despedaçar, na noite de SĂŁo Bartolomeu, os seus concidadĂŁos que nĂŁo iam Ă missa. Há fanáticos de sangue frio: sĂŁo os juizes que condenam Ă morte aqueles cujo Ăşnico crime Ă© nĂŁo pensar como eles. Quando uma vez o fanatismo gangrenou um cĂ©rebro a doença Ă© quase incurável. Eu vi convulsionários que, falando dos milagres de S. Páris, sem querer se acaloravam cada vez mais; os seus olhos encarniçavam-se, os seus membros tremiam, o furor desfigurava os seus rostos e teriam morto quem quer que os houvesse contrariado.
NĂŁo há outro remĂ©dio contra essa doença epidĂ©mica senĂŁo o espĂrito filosĂłfico que, progressivamente difundido, adoça enfim a Ăndole dos homens, prevenindo os acessos do mal porque, desde que o mal fez alguns progressos, Ă© preciso fugir e esperar que o ar seja purificado.