O Drama de Amar
O drama de amar é não haver sucedâneos.
E tudo o resto sabe a merda. Porque houve o teu abraço, porque existe o teu cheiro. Amei-te para sempre mesmo que já nĂŁo te ame. Ficou em mim a tarde em que pela primeira vez o nosso corpo (o teu arfar a mostrar-me que lĂngua se fala no cÄ—u, a tua boca a mostrar-me o tamanho de um beijo), e a partir daĂ fiquei ĂłrfĂŁo de um corpo sempre que nĂŁo fosse o teu corpo. E quando chegou o dia da despedida eu soube que tinha chegado o dia de para sempre.
O drama de amar Ă© nĂŁo admitir a morte.
Há uma mulher a mais sempre que amo um corpo que não é o teu. E um homem a menos. Deito-me, aperto, espremo (o encaixe perfeito das tuas costas nos meus braços, o cheiro dos teus lábios no suor do meu pescoço). E até um orgasmo comprova a hipocrisia da carne. Despedi-me de orgasmos quando me despedi de ti. Já me deitei com tantas e é sempre o teu boa-noite que me adormece.
O drama de amar é só criar réplicas.
Tudo o que amo Ă©s tu.
Textos sobre Costas de Pedro Chagas Freitas
4 resultadosAperta-me para Sempre
O dia adormece-me debaixo dos olhos, e as tuas mãos são a pele que Deus escolheu para tocar o mundo; não existe nenhum lugar mais divino do que o teu beijo, e quando quero voar deito-me a teus pés.
Peço-te que nĂŁo vás, que fiques apenas para eu ficar, que permaneças no teu lado da cama, e eu no meu, a sentirmos que o tempo corre, e podes atĂ© adormecer, podes ler a revista das mulheres das passadeiras vermelhas e os homens com os abdominais que ninguĂ©m tem, ou simplesmente olhar o tecto e pensar em ti; eu fico aqui, a olhar-te para saber que existo, a pensar no quanto te quero e no tamanho que tem o teu corpo dentro do meu. Saber que há a curva das tuas costas para encontrar a curva da vida, percorrer com os olhos o cair do teu suor, e perceber a eternidade possĂvel.
A imortalidade Ă© um orgasmo contigo.
Gemes atĂ© ao fim do mundo por dentro dos meus ouvidos, todo o meu corpo se vem quando estás a chegar, e a verdade do universo Ă© a fĂsica exĂgua do espaço entre nĂłs. Aperta-me para sempre atĂ© ao princĂpio dos ossos,
A Morte Está atrás do Teu Beijo
A morte está atrás do teu beijo,
e nĂŁo me interessa nada que nĂŁo me possa matar.NĂŁo quero trajectos sem calhaus, pessoas sem problemas, muito menos glĂłrias sem lágrimas. NĂŁo quero o tĂ©dio de sĂł continuar, a obrigação de suportar, andar na rotina sĂł por andar. NĂŁo quero o vai-se andando, o Ă© a vida, o tem de ser, nada que nĂŁo me ponha a gemer. NĂŁo quero o prato sempre saudável, a saladinha impoluta, a cama casta, o sexo virgem. NĂŁo quero o sol o dia todo, a recta sem a mĂnima curva, nĂŁo quero o preto liso nem o branco imaculado, nĂŁo quero o poema perfeito nem a ortografia ilesa. NĂŁo quero aprender apenas com o professor, a palmadinha nas costas, o vá lá que isso passa, a microssatisfação, a minĂşscula euforia. NĂŁo quero os lábios sem lĂngua, a lĂngua sem prazer, fugir do que mete medo, e atĂ© acomodar-me ao que me faz doer. Quero o que nĂŁo cabe no regular, o que nĂŁo se entende nos manuais, o que nĂŁo acontece nos guiões. Quero a ruga esquisita, a mĂŁo descuidada, a estrada arriscada, a chuva, o vento, as unhas cravadas, o animal do instante.
A Grande Vantagem da Vida
– A grande vantagem da vida Ă© ensinar-nos outra vez a chorar. A vida infantiliza. Fica-se maior no que nos faz ser mais pequenos. Cresce-se fora o que se vai perdendo por dentro. Passamos a infância a querer crescer, a adolescĂŞncia a querer crescer. E depois percebemos que sĂł quer crescer quem ainda se sente pequeno. Um adulto sente-se pequeno mas pensa ao contrário. Sente-se pequeno e quer ficar mais pequeno. Voltar ao tempo em que havia sonhos.
– Onde se perdem os sonhos?
– Todos os sonhos se perdem. Mesmo aqueles que vais ganhar, e vais ganhar muitos, se vão perder. Porque já deixaram de ser sonhos. Sonhaste aquilo, tiveste aquilo. E acabou. Lá se foi o sonho. O segredo é conseguir gerar novos sonhos. Sonhos que consigam ocupar o espaço em branco deixado pelo sonho perdido.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Queria ser como tu.
– E eu queria ser como tu. Queria olhar para a frente e ver que o caminho não acaba, o caminho a perder de vista.
– O teu não se perde de vista?
– O meu faz-me perder a vista.