Crueldade e Sofrimento
A crueldade é constitutiva do universo, é o preço a pagar pela grande solidariedade da biosfera, é ineliminável da vida humana. Nascemos na crueldade do mundo e da vida, a que acrescentámos a crueldade do ser humano e a crueldade da sociedade humana. Os recém-nascidos nascem com gritos de dor. Os animais dotados de sistemas nervosos sofrem, talvez os vegetais também, mas foram os humanos que adquiriram as maiores aptidões para o sofrimento ao adquirirem as maiores aptidões para a fruição. A crueldade do mundo é sentida mais vivamente e mais violentamente pelas criaturas de carne, alma e espírito, que podem sofrer ao mesmo tempo com o sofrimento carnal, com o sofrimento da alma e com o sofrimento do espírito, e que, pelo espírito, podem conceber a crueldade do mundo e horrorizar-se com ela.
A crueldade entre homens, indivíduos, grupos, etnias, religiões, raças é aterradora. O ser humano contém em si um ruído de monstros que liberta em todas as ocasiões favoráveis. O ódio desencadeia-se por um pequeno nada, por um esquecimento, pela sorte de outrem, por um favor que se julga perdido. O ódio abstracto por uma ideia ou uma religião transforma-se em ódio concreto por um indivíduo ou um grupo;
Textos sobre Crueldade de Edgar Morin
2 resultadosPersonalidades Potenciais
Trazemos connosco personalidades potenciais que acontecimentos ou acidentes podem potencializar. Assim, a Revolução fez surgir o génio político ou militar nos jovens destinados a uma carreira medíocre numa época normal; a guerra provoca o advento de heróis e de carrascos; a ditadura totalitária transformou seres pálidos em monstros. O exercício incontrolado do poder pode «tornar o sábio louco» (Alain) mas pode tornar sábio o louco, e dar génio ao medíocre, como no caso de Hitler e Estaline. E também as possibilidades de génio ou de demência, de crueldade ou de bondade, de santidade ou de monstruosidade, virtuais em todos os seres, podem desenvolver-se em circunstâncias excepcionais.
Inversamente, estas possibilidades nunca chegarão à luz do dia na chamada vida normal: nos nossos dias, César seria funcionário da CEE, Alexandre teria escrito uma vida de Aristóteles para uma colecção de divulgação, Robespierre seria adjunto de Pierre Mauroy na Câmara de Arras, e Bonaparte seria do séquito de Pascua.