Não hå Liberdade sem Direcção
Ă fĂĄcil estabelecer a ordem de uma sociedade na submissĂŁo de cada um dos seus componentes a regras fixas. Ă fĂĄcil moldar um homem cego que tolere, sem protestar, um mestre ou um CorĂŁo. Mas Ă© muito diferente, para libertar o homem, fazĂȘ-lo reinar sobre si prĂłprio.
Mas o que Ă© libertar? Se eu libertar, no deserto, um homem que nĂŁo sente nada, que significa a sua liberdade? NĂŁo hĂĄ liberdade a nĂŁo ser a de «alguĂ©m» que vai para algum sĂtio. Libertar este homem seria mostrar-lhe que tem sede e traçar o caminho para um poço. SĂł entĂŁo se lhe ofereceriam possibilidades que teriam significado. Libertar uma pedra nada significa se nĂŁo existir gravidade. Porque a pedra, depois de liberta, nĂŁo iria a parte nenhuma.
Textos sobre Deserto de Antoine de Saint-Exupéry
3 resultadosCerimonial do Amor
Se nĂŁo houver esperanças de que o teu amor seja recebido, o que tens a fazer Ă© nĂŁo o declarar. PoderĂĄ desenvolver-se em ti, num ambiente de silĂȘncio. Esse amor proporciona-te entĂŁo uma direcção que permite aproximares-te, afastares-te, entrares, saĂres, encontrares, perderes. Porque tu Ă©s aquele que tem de viver. E nĂŁo hĂĄ vida se nenhum deus te criou linhas de força.
Se o teu amor nĂŁo Ă© recebido, se ele se transforma em sĂșplica vĂŁ como recompensa da tua fidelidade, se nĂŁo tens coração para te calares, nessa altura vai ter com um mĂ©dico para ele te curar. Ă bom nĂŁo confundir o amor com a escravatura do coração. O amor que pede Ă© belo, mas aquele que suplica Ă© amor de criado.
Se o teu amor esbarra com o absoluto das coisas, se por exemplo tem de franquear a impenetrĂĄvel parede de um mosteiro ou do exĂlio, agradece a Deus que ela por hipĂłtese retribua o teu amor, embora na aparĂȘncia se mostre surda e cega. HĂĄ uma lamparina acesa para ti neste mundo. Pouco me importa que tu nĂŁo possas servir-te dela. Aquele que morre no deserto tem a riqueza de uma casa longĂnqua, embora morra.
Felicidade com Poucos Bens
Embora a experiĂȘncia me tenha ensinado que se descobrem homens felizes em maior proporção nos desertos, nos mosteiros e no sacrifĂcio do que entre os sedentĂĄrios dos oĂĄsis fĂ©rteis ou das ilhas ditas afortunadas, nem por isso cometi a asneira de concluir que a qualidade do alimento se opusesse Ă natureza da felicidade. Acontece simplesmente que, onde os bens sĂŁo em maior nĂșmero, oferecem-se aos homens mais possibilidades de se enganarem quanto Ă natureza das suas alegrias: elas, efectivamente, parecem provir das coisas, quando eles as recebem do sentido que essas coisas assumem em tal impĂ©rio ou em tal morada ou em tal propriedade. Para jĂĄ, pode acontecer que eles, na abastança, se enganem com maior facilidade e façam circular mais vezes riquezas vĂŁs. Como os homens do deserto ou do mosteiro nĂŁo possuem nada, sabem muito bem donde lhes vĂȘm as alegrias e Ă©-lhes assim mais fĂĄcil salvarem a prĂłpria fonte do seu fervor.