Somos uma Turba e Ninguém
Somos uma turba e ninguĂ©m: um ninguĂ©m que vive, porque Ă© sangue e carne, e existe porque Ă© esqueleto ou pedra; e uma turba da espectros que nos acompanha desde a Origem, e Ă© a nossa mesma pessoa multiplicada em mil tendĂȘncias incoerentes, forças contraditĂłrias, em vĂĄrios sentidos ignotos… E lĂĄ vamos, a tactear as trevas, ladeando, avançando, recuando, como pobres jumentos aflitos e Ă s escuras, sob as esporas que o espicaçam para a frente e as rĂ©deas que o puxam para trĂĄs.
Pobres jumentos aflitos e às escuras! Escouceiam, orneiam, levantam a garupa. De que serve? As patas ferem o ar e aquela voz de soluços, que faz rir, não chega ao céu.
(…) Deus, criando as almas, condenou-as Ă suprema solidĂŁo. Algumas iludem a pena. Imaginam conviver com as ĂĄrvores e os penedos. Falam Ă s ĂĄrvores e aos penedos, queixando-se dos seus desgostos. (…) Somos uma turba e ninguĂ©m. Somos Deus e o DemĂłnio, o CĂ©u e a Terra e outras letras grandes e NinguĂ©m.
Textos sobre Desgosto de Teixeira de Pascoaes
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