Textos sobre Dez de Fernando Pessoa

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Textos de dez de Fernando Pessoa. Leia este e outros textos de Fernando Pessoa em Poetris.

Dói-me a Vida aos Poucos

Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá, e é esta a razão intima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.
No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo,

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O Tipo de Homem que Eu Sou

Agora é necessário que eu deva dizer que tipo de homem sou. O meu nome não importa, nem qualquer outro pormenor exterior particular acerca de mim. Do meu carácter alguma coisa deve ser dita.

Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim, todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, uma incerteza para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo é significado. Todas as coisas são «desconhecidos» simbólicos do Desconhecido. Consequentemente horror, mistério, medo supra-inteligente.

Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo enquadramento da minha juventude, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isso eu sou das espécies internas de caráter, auto-centrado, mudo, não auto-suficiente mas auto-perdido. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror de, na incapacidade que permeia tudo o que me é, fisicamente e mentalmente, por actos decisivos, por pensamentos definidos. Eu nunca tive uma resolução nascida de uma auto-determinação, nunca uma traição externa de uma vontade consciente. Nenhum dos meus escritos foi terminado;

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O Meu Carácter

Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou. Não importa o meu nome, nem quaisquer outros pormenores externos que me digam respeito. É acerca do meu carácter que se impõe dizer algo.
Toda a constituição do meu espírito é de hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo; todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é prenhe de significado. Todas as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido. O resultado é horror, mistério, um medo por de mais inteligente.
Pelas minhas tendências naturais, pelas circunstâncias que rodearam o alvor da minha vida, pela influência dos estudos feitos sob o seu impulso (estas mesmas tendências) – por tudo isto o meu carácter é do género interior, autocêntrico, mudo, não auto-suficiente mas perdido em si próprio. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror e na incapacidade que impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para actos decisivos, para pensamentos definidos. Jamais tive uma decisão nascida do autodomínio, jamais traí externamente uma vontade consciente. Os meus escritos,

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Tudo Se Me Evapora

Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espectáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.
Encontro às vezes, na confusão vulgar das minhas gavetas literárias, papéis escritos por mim há dez anos, há quinze anos, há mais anos talvez. E muitos deles me parecem de um estranho; desconheço-me deles. Houve quem os escrevesse, e fui eu. Senti-os eu, mas foi como em outra vida, de que houvesse agora despertado como de um sono alheio.

Quando se Deve Violar a Lei Moral

É legítima toda a violação da lei moral que é feita em obediência a uma lei moral superior. Não é desculpável roubar um pão por ter fome. É desculpável a um artista roubar dez contos para garantir por dois anos a sua vida e tranquilidade, desde que a sua obra tenda a um fim civilizacional; se é uma mera obra estética, não vale o argumento.

O Problema da Sinceridade do Poeta

O poeta superior diz o que efectivamente sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior diz o que julga que deve sentir. Nada disto tem que ver com a sinceridade. Em primeiro lugar, ninguém sabe o que verdadeiramente sente: é possível sentirmos alívio com a morte de alguém querido, e julgar que estamos sentindo pena, porque é isso que se deve sentir nessas ocasiões. A maioria da gente sente convencionalmente, embora com a maior sinceridade humana; o que não sente é com qualquer espécie ou grau de sinceridade intelectual, e essa é que importa no poeta. Tanto assim é que não creio que haja, em toda a já longa história da Poesia, mais que uns quatro ou cinco poetas, que dissessem o que verdadeiramente, e não só efectivamente, sentiam. Há alguns, muito grandes, que nunca o disseram, que foram sempre incapazes de o dizer. Quando muito há, em certos poetas, momentos em que dizem o que sentem.
Aqui e ali o disse Wordsworth. Uma ou duas vezes o disse Coleridge; pois a Rima do Velho Nauta e Kubla Khan são mais sinceros que todo o Milton, direi mesmo que todo o Shakespeare. Há apenas uma reserva com respeito a Shakespeare: é que Shakespeare era essencial e estruturalmente factício;

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