A Timidez
A verdade é que vivi muitos dos meus primeiros anos, e talvez os segundos e os terceiros, como uma espécie de surdo-mudo.
Ritualmente vestido de negro desde muito novinho, tal como se vestiam os verdadeiros poetas do sĂ©culo passado, tinha uma vaga impressĂŁo de nĂŁo me apresentar muito mal. Mas, em vez de me aproximar das raparigas, ciente de que gaguejaria ou coraria diante delas, preferia passar de lado e afastar-me, ostentando um desinteresse que estava longe de sentir. Todas eram, para mim, um grande mistĂ©rio. Preferiria morrer queimado naquela fogueira secreta, afogar-me naquele poço de enigmática profundidade, mas nĂŁo me atrevia a atirar-me ao fogo ou à água. Ora, como nĂŁo encontrava ninguĂ©m que me desse um empurrĂŁo, passava pelas margens dessas fascinações sem olhar sequer e muito menos sorrir.Acontecia outro tanto com os adultos, gente mĂnima, funcionários de caminho-de-ferro e de correios e suas «senhoras esposas», assim intituladas porque a pequena burguesia se escandaliza, intimidada, diante da palavra mulher. Eu escutava as conversas Ă mesa do meu pai. Mas, no dia seguinte, se esbarrava na rua com quem tinha comido na noite anterior em minha casa, nĂŁo me atrevia a cumprimentar e atĂ© mudava de rumo para evitar o mau bocado.
Textos sobre Dezasseis de Pablo Neruda
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