Conseguir Escrever
O ofĂcio de escritor Ă© talvez o Ăşnico que se torna mais difĂcil Ă medida que mais se pratica. A facilidade com que me sentei a escrever aquele conto nĂŁo se pode comparar com o trabalho que me dá agora escrever uma página. Quanto ao meu mĂ©todo de trabalho, Ă© bastante coerente com isto que vos estou a dizer. Nunca sei quanto vou poder escrever nem o que vou escrever. Espero que me ocorra alguma coisa e, quando me ocorre uma ideia que ache boa para a escrever, ponho-me a dar-lhe voltas na cabeça e deixo-a ir amadurecendo. Quando a tenho terminada (e Ă s vezes passam muitos anos, como no caso de Cem Anos de SolidĂŁo, que passei dezanove anos a pensar), quando a tenho terminada, repito, entĂŁo sento-me a escrevĂŞ-la e Ă© aĂ que começa a parte mais difĂcil e a que mais me aborrece. Porque o mais delicioso da histĂłria Ă© concebĂŞ-la, ir arredondando-a, dando-lhe voltas e mais voltas, de maneira que na altura de nos sentarmos a escrevĂŞ-la já nĂŁo nos interessa muito, ou pelo menos a mim nĂŁo me interessa muito; a ideia que dá voltas.
Textos sobre DifĂcil de Gabriel GarcĂa Márquez
2 resultadosO VĂcio de Ler
O vĂcio de ler tudo o que me caĂsse nas mĂŁos ocupava o meu tempo livre e quase todo o das aulas. Podia recitar poemas completos do repertĂłrio popular que nessa altura eram de uso corrente na ColĂ´mbia, e os mais belos do SĂ©culo de Ouro e do romantismo espanhĂłis, muitos deles aprendidos nos prĂłprios textos do colĂ©gio. Estes conhecimentos extemporâneos na minha idade exasperavam os professores, pois cada vez que me faziam na aula qualquer pergunta difĂcil, respondia-lhes com uma citação literária ou com alguma ideia livresca que eles nĂŁo estavam em condições de avaliar. O padre Mejia disse: «É um garoto afectado», para nĂŁo dizer insuportável. Nunca tive que forçar a memĂłria, pois os poemas e alguns trechos de boa prosa clássica ficavam-me gravados em trĂŞs ou quatro releituras. Ganhei do padre prefeito a primeira caneta de tinta permanente que tive porque lhe recitei sem erros as cinquenta e sete dĂ©cimas de «A vertigem», de Gaspar NĂşnez de Arce.
Lia nas aulas, com o livro aberto em cima dos joelhos e com tal descaramento que a minha impunidade sĂł parecia possĂvel devido Ă cumplicidade dos professores. A Ăşnica coisa que nĂŁo consegui com as minhas astĂşcias bem rimadas foi que me perdoassem a missa diária Ă s sete da manhĂŁ.