Textos sobre Dificuldades

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Textos de dificuldades escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Necessidade dos Chefes

De todos os hábitos a que nos entregamos, um reina sobre todos os outros no que se refere a malefícios quanto ao mundo futuro. Ê o hábito de ter chefes. O medo das responsabilidades, o gosto de se encostar aos outros, o jeito mais fácil de não ter que decidir os caminhos fizeram que a cada instante lancemos os olhos à nossa volta em busca do sinal que nos sirva de guia. Quando surge uma dificuldade de carácter colectivo, a primeira ideia é a de que devia surgir um homem que tomasse sobre os seus ombros o áspero martírio de ser chefe. Pois bem: pode ser que isto tenha trazido grandes benefícios em outras crises da História; nem vale por outro lado a pena saber o que teria sido a dita História se outras se tivessem apresentado as circunstâncias. Mas, na presente, a verdadeira salvação só virá no dia em que cada homem se convencer de que tem que ser ele o seu chefe. Ou, dentro dele, Deus.

O Paradoxo da Sabedoria

São muito raros no género humano os homens verdadeiramente sábios; o concurso de condições e circunstâncias especiais necessário para que os haja, ocorre com tanta dificuldade que não deve admirar a sua raridade: demais a sua aparição pouco ou nada aproveita aos outros homens que os desprezam, perseguem ou motejam, incapazes de compreendê-los, e os obrigam finalmente ao silêncio, retiro e reclusão.
(…) Não esperem os homens por, maior que seja o progresso da sua inteligência, chegar a conhecer as verdades capitais e primitivas sobre a essência e natureza das coisas: mudarão de erros, fábulas, hipóteses e teorias, mas nunca poderão alcançar conhecimentos que hajam de mudar a natureza humana, e fazer os homens diversos do que farão e do que são.
O mundo varia aos olhos e nas opiniões dos homens, conforme as idades e condições da vida.

Necessidade de Ocupar a Vida

Aqueles que não têm necessidade de prover às suas próprias necessidades, e por isso deixam essa preocupação para os outros, não são geralmente capazes de prover, ou de maneira nenhuma ou então só com enorme dificuldade e de modo menos satisfatório que os outros, a uma necessidade importantíssima, que seja como for têm. Refiro-me à necessidade de ocupar a vida: a qual é muito maior do que todas as necessidades específicas, às quais, ocupando-a, se provê; e é também maior do que a necessidade de viver. Aliás, viver, em si mesmo, não é uma necessidade, porque desacompanhado da felicidade não é um bem. Pelo que, sendo-nos dada a vida, a maior e primeira necessidade é conduzi-la com a menor infelicidade possível. Ora, por um lado, a vida desocupada ou vazia é infelicíssima. Por outro lado, o modo de ocupação com o qual a vida se torna menos infeliz do que com qualquer outro é o que consiste em prover às próprias necessidades.

Vamos Buscar as Nossas Ideias ao Estrangeiro

Que ideias gerais temos? As que vamos buscar ao estrangeiro. Nem as vamos buscar aos movimentos filosóficos profundos do estrangeiro; vamos buscá-las à superfície, ao jornalismo de ideias. E assim as ideias que adoptamos, sem alteração nem crítica, são ou velhas ou superficiais. Falamos a sério nas ideias políticas de León Blum ou de Edouard Herriot, nenhum dos quais teve alguma vez ideias — políticas ou outras — em sua vida. Falamos a sério em Bourget, Maurras […].

Plagiamos o fascismo e o hitlerismo, plagiamos claramente, com a desvergonha da inconsciência, como a criança imita sem hesitar. Não reparamos que fascismo e hitlerismo, em sua essência, nada têm de novo, porventura nada de aproveitável, como ideias; o que não sabemos imitar, porque seria mais difícil, é a personalidade de Mussolini.

As ideias de Maurras, que qualquer raciocinador hábil desfaz sem dificuldade, se tiver a paciência de vencer o tédio quase insuportável de o ler, passam por leis da natureza, por tão indiscutíveis como, não direi já a teoria atómica, que tem elementos discutíveis, mas o coeficiente de dilatação do ferro, ou a lei de Boyle ou de Mariotte.

Temos poetas de mérito. Que fazem eles?

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Só Dependes de Ti para Ser Feliz

Só dependes de ti para ser feliz.

A felicidade encontra-se dentro de ti. Este é o teu princípio. O fim será aquele que tu quiseres.

Aprendi isto enquanto escrevia o meu primeiro livro, “Carta Branca”. Um relato muito pessoal acerca da minha primeira grande viagem interior em busca dessa específica descoberta. Iniciei-o numa fase muito conturbada da minha vida, em que a relação comigo era praticamente inexistente e quando existia não passava de agressões a mim mesmo, baseadas, naturalmente, em muito daquilo que ouvira, aprendera e modelara na minha infância e adolescência. Como costumo dizer, tinha muita dificuldade em estar ao meu lado. Não me conhecia, apenas sabia o que representava para os outros. Não sabia o que queria, apenas sabia o que os outros queriam de mim. E não sabia para onde queria ir, apenas para onde todos queriam que eu fosse. Naturalmente que esta ausência total de conhecimento não podia germinar coisa boa. E assim era. Eu era revolta, angústia, insegurança, permissividade e medo. E lembro-me, lembro-me perfeitamente, quando disse a mim mesmo que se a minha vida não passasse disto não valeria a pena estar vivo. Recordo-me da dor que vivia comigo. Mas recordo-me também que foi ela que me incentivou a escrever.

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A Voltinha é uma Instituição Nacional

Agora que os Portugueses voltam a casar-se pela Igreja e a fazer juramentos solenes de fidelidade onde prometem que não irão enganar os cônjuges (mesmo que os cônjuges fiquem intoleravelmente leprosos ou maçadores ou miseráveis), as pessoas têm de saber enfrentar as facilidades, dificuldades e dúvidas da fidelidade.
Por exemplo, «a voltinha» é uma instituição nacional. Dar «uma voltinha» com alguém não é andar com alguém — é «ver como anda».
Como quem dá uma voltinha ao quarteirão na motocicleta do padeiro. Monta-se, pega-se de empurrão, dá-se a voltinha, desmonta-se e desliga-se. «Chegaste a andar com ele?», pergunta uma parola mais curta. «És parva!, — responde a mais alta, — dei só uma voltinha!».
A ideia é que a voltinha «não vale». Não se fala, não se paga, não se recorda, não se conta; enfim, «não conta». As voltinhas estão para as relações humanas como os brindes da Juá para o sistema económico português: não entram no orçamento. Quando se vai «dar uma voltinha» com alguém, não se vai nem com muita vontade nem com muita pressa — vai-se. Não faz sentido dizer que se «deseja» dar uma voltinha com alguém. As voltinhas não são o resultado de grandes planos e seduções — «proporcionam-se» (eis o verbo moderno mais estúpido).

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Os Homens Indecisos

Os homens indecisos são muitíssimo perseverantes nas suas decisões, sejam quais forem as dificuldades, e isto devido à sua própria indecisão, pois se abandonarem a resolução já tomada será preciso que tomem outra decisão. Por vezes são muito rápidos e eficientes a pôr em prática aquilo que decidiram: porque, receando a todo o momento ser induzidos a abandonar a resolução tomada e voltar àquela angustiosa hesitação e expectativa em que se encontraram antes de se decidirem, apressam a execução e nela aplicam toda a sua energia, mais estimulados pela ansiedade e pela incerteza de triunfarem sobre si próprios, do que pelo objectivo da empresa e pelos outros obstáculos que tenham de vencer para alcançá-lo.

Seguir o Nosso Caminho Doa a quem Doer

Siga o governo firme na sua missão de bem governar, que me encontrará sempre firme e pronto a coadjuvá-lo e a dar-lhe força em tudo quanto seja necessário. Há muita coisa a fazer e creio que se pode e deve fazer e temos que seguir o nosso caminho doa a quem doer. As dificuldades que encontrarmos no nosso caminho não devem ser para nos assustar ou fazer recuar, mas sim para as encarar com calma e firmeza. Com calma, firmeza e boa vontade, e essas qualidades creio que as temos, vencer-se-á esta campanha e se o fizermos, como confiadamente acredito, poderemos então descansar um pouco com a consciência de termos feito alguma coisa útil e de termos bem servido o nosso País. Eu bem sei que seria mais fácil, e menos penoso para nós, o tratar de agradar a todos, mas espero também que um dia a opinião pública, que felizmente não é sempre a opinião que se publica, saberá fazer-nos justiça.

Cultivar a Felicidade

Desde os primórdios da humanidade, que o ser humano procura a felicidade como a terra seca clama pela água. É fácil conquistá-la? Nem sempre! Os poetas homenagearam-na, os romancistas descreveram-na, os filósofos contemplaram-na, mas grande parte deles saudaram-na apenas de longe.
Os reis tentaram dominá-la, mas ela não se submeteu ao poder deles. Os ricos tentaram comprá-la, mas ela não se deixou vender. Os intelectuais tentaram compreendê-la, mas ela confundiu-os. Os famosos tentaram fasciná-la, mas ela contou-lhes que preferia o anonimato. Os jovens disseram que ela lhes pertencia, mas ela disse-lhes que não se encontrava no prazer imediato, nem se deixava encontrar pelos que não pensavam nas consequências dos seus atos.
Alguns acreditaram que poderiam cultivá-la em laboratório. Isolaram-se do mundo e dos problemas da vida, mas a felicidade enviou um claro recado a dizer que ela apreciava o cheiro das pessoas e crescia no meio das dificuldades.
Outros tentaram cultivá-la com os avanços da ciência e da tecnologia, mas eis que a ciência e a tecnologia se multiplicaram e a tristeza e as mazelas da alma se expandiram.

Desesperados, muitos tentaram encontrar a felicidade em todos os cantos do mundo. Mas no espaço ela não estava,

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Intelecto Sentimental

O intelecto humano não é luz pura, pois recebe influência da vontade e dos afectos, donde se poder gerar a ciência que se quer. Pois o homem inclina-se a ter por verdade o que prefere. Em vista disso, rejeita as dificuldades, levado pela impaciência da investigação; a sobriedade, porque sofreia a esperança; os princípios supremos da natureza, em favor da superstição; a luz da experiência, em favor da arrogância e do orgulho, evitando parecer se ocupar de coisas vis e efémeras; paradoxos, por respeito à opinião do vulgo. Enfim, inúmeras são as fórmulas pelas quais o sentimento, quase sempre imperceptivelmente, se insinua e afecta o intelecto.

Em Portugal cada um Quer Tudo

E quando os homens são de tal condição, que cada um quer tudo para si, com aquilo com que se pudera contentar a quatro, é força que fiquem descontentes três. O mesmo nos sucede. Nunca tantas mercês se fizeram em Portugal, como neste tempo; e são mais os queixosos, que os contentes. Porquê? Porque cada um quer tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um homem; em Portugal com uma mercê, perdem-se muitos. Se Cleofas fora português, mais se havia de ofender da a metade do pão que Cristo deu ao companheiro, do que se havia de obrigar da outra metade, que lhe deu a ele. Porque como cada um presume que se lhe deve tudo, qualquer cousa que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba. Verdadeiramente, que não há mais dificultosa coroa que a dos reis de Portugal: por isto mais, do que por nenhum outro empenho.
(…) Em nenhuns reis do mundo se vê isto mais claramente que nos de Portugal. Conquistar a terra das três partes do mundo a nações estranhas, foi empresa que os reis de Portugal conseguiram muito fácil e muito felizmente; mas repartir três palmos de terra em Portugal aos vassalos com satisfação deles,

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A Ocupação Militar

Não há ocupação tão agradável como a militar; ocupação tanto nobre na execução (pois a mais forte, generosa e magnífica de todas as virtudes é a valentia) quanto nobre na sua causa: não há utilidade mais legítima nem mais geral do que a protecção da tranquilidade e da grandeza do seu país. Agrada-vos a companhia de tantos homens, nobres, jovens, activos, a visão frequente de tantos espectáculos trágicos, a liberdade desse convívio sem artifícios e uma forma de vida viril e sem cerimónia, a variedade de mil actividades diversas, essa fogosa harmonia da música guerreira que vos alimenta e aquece os ouvidos e a alma, a honra desse exercício, mesmo a sua rudeza e dificuldade, que Platão considera tão pouca que na sua república a reparte com as mulheres e as crianças.
Oferecei-vos para os papéis e os riscos pessoais de acordo com o que julgais sobre o seu brilho e a sua importância, soldado voluntário, e vedes quando mesmo a vida é justificadamente empregue neles, penso que é belo morrer combatendo (Virgílio). Temer os perigos gerais que envolvem uma multidão em que tantas pessoas incorrem, não ousar o que tantas espécies de indivíduos ousam é próprio de um ânimo desmedidamente frouxo e inferior.

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As Novas Verdades

Nenhuma verdade nova, e completamente estranha às opiniões correntes, quando demonstrada pelo primeiro que dela se apercebeu, ainda que com uma evidência e uma exactidão idênticas ou semelhantes às da geometria, conseguiu nunca, se as demonstrações não foram de natureza material, introduzir-se e fixar-se no mundo imediatamente, mas só com o decorrer do tempo, através da prática e do exemplo: habituando-se os homens a acreditar nela como em qualquer outra coisa; ou melhor, acreditando geralmente por habituação e não pela exactidão de experiências concebidas no seu espírito.
Até que por fim essa verdade, começando a ser ensinada às crianças, é comummente aceite, evocado com espanto o seu desconhecimento, e escarnecidas as opiniões diferentes, tanto dos antepassados como dos contemporâneos. E isto com tanto mais dificuldade e demora quanto maiores e mais importantes foram essas novas e incríveis verdades, e, por conseguinte, subversoras de um maior número de opiniões radicadas nos espíritos. Nem mesmo os intelectos perspicazes e treinados sentem facilmente toda a eficiência das razões que demonstram essas verdades ianuditas e que excedem em muito os limites dos conhecimentos e dos hábitos desses intelectos, principalmente quando essas razões e essas verdades se opõem às crenças neles arreigadas.

A Avaliação de uma Civilização

Quando já se viveu por muito tempo numa civilização específica e com frequência se tentou descobrir quais foram as suas origens e ao longo de que caminho ela se desenvolveu, fica-se às vezes tentado a voltar o olhar para outra direção e indagar qual o destino que a espera e quais as transformações que está fadada a experimentar. Logo, porém, se descobre que, desde o início, o valor de uma indagação desse tipo é diminuído por diversos fatores, sobretudo pelo facto de apenas poucas pessoas poderem abranger a actividade humana em toda a sua amplitude. A maioria das pessoas foi obrigada a restringir-se a somente um ou a alguns dos seus campos. Entretanto, quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de mostrar-se o seu juízo sobre o futuro. E há ainda uma outra dificuldade: a de que precisamente num juízo desse tipo as expectativas subjectivas do indivíduo desempenham um papel difícil de avaliar, mostrando ser dependentes de factores puramente pessoais de sua própria experiência, do maior ou menor optimismo da sua atitude para com a vida, tal como lhe foi ditada pelo seu temperamento ou pelo seu sucesso ou fracasso. Finalmente, faz-se sentir o facto curioso de que,

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O Regulador do Prazer e da Dor: o Hábito

O hábito é o grande regulador da sensibilidade; ele determina a continuidade dos nossos atos, embota o prazer e a dor e nos familiariza com as fadigas e com os mais penosos esforços. O mineiro habitua-se tão bem à sua dura existência que dela se recorda saudoso quando a idade o obriga a abandoná-la e o condena a viver ao sol. O hábito, regulador da vida habitual, é também o verdadeiro sustentáculo da vida social. Pode-se compará-lo à inércia, que se opõe, em mecânica, às variações de movimento. A dificuldade para um povo consiste, primeiramente, em criar hábitos sociais, depois em não permanecer muito tempo neles. Quando o jugo dos hábitos pesou muito tempo num povo, ele só se liberta desse jugo por meio de revoluções violentas. O repouso na adaptação, que o hábito consiste, não se deve prolongar. Povos envelhecidos, civilizações adiantadas, indivíduos idosos tendem a sofrer demasiado o jugo do costume, isto é, do hábito.

Seria inútil dissertar longamente sobre o seu papel, que mereceu a atenção de todos os filósofos e se tornou um dogma da sabedoria popular.

“Que são os nossos princípios naturais”, diz Pascal, “senão os nossos princípios acostumados. E nas crianças,

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O Nosso Desejo Aumenta com a Dificuldade

Não há argumento que não tenha um contrário, diz o mais sábio partido dos filósofos. Há pouco estava a remoer estas belas palavras que um antigo menciona sobre o menosprezo à vida: “O único bem que nos pode trazer prazer é aquele para cuja perda estamos preparados”. O sofrimento pela perda de uma coisa e pelo temor de perdê-la é o mesmo (Séneca); querendo estabelecer com isso que a fruição da vida não nos pode ser realmente agradável se estivermos a temer perdê-la. Entretanto se poderia dizer, pelo contrário, que seguramos e abraçamos esse bem tanto mais estreitamente e com mais afeição quanto menos seguro o vemos ser-nos e quanto mais tememos que nos seja tirado. Pois sentimos com clareza, assim como o fogo se atiça em presença do frio, que a nossa vontade também se aguça com a oposição: Se Dânae não estivesse estado presa numa torre de bronze, Júpiter nunca a teria feito mãe (Ovídio), e que não há nada naturalmente tão contrário ao nosso gosto do que a saciedade que vem da facilidade, e tampouco nada que o aguce tanto como a raridade e a dificuldade. Em todas as coisas o prazer aumenta com o perigo que nos deveria afastar delas (Séneca).

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A Glória em Função dos Feitos e das Obras

Enquanto a nossa honra vai até onde somos pessoalmente conhecidos, a glória, pelo contrário, precede o nosso conhecimento e leva-o até onde ela mesmo consegue ir. Todo o indivíduo tem direito à honra; à glória, apenas as excepções, pois apenas mediante realizações excepcionais é possível atingi-la. Tais realizações, por sua vez, são feitos ou obras. A partir deles, abrem-se dois caminhos para a glória. Antes de mais nada, é o grande coração que capacita para os feitos; para as obras, a grande cabeça. Ambas possuem as suas próprias vantagens e desvantagens. A diferença principal é que os feitos passam, e as obras permanecem.
Dos feitos, permanece apenas a lembrança, que se torna cada vez mais fraca, desfigurada e indiferente, e que está até mesmo fadada a extinguir-se gradualmente, caso a história não a recolha e a transmita para a posteridade em estado petrificado. As obras, pelo contrário, são imortais e podem, pelo menos as escritas, sobreviver em todos os tempos. O mais nobre dos feitos tem apenas uma influência temporária; a obra genial, pelo contrário, vive e faz efeito, de modo benéfico e sublime, por todos os tempos. De Alexandre, o Grande, vivem nome e memória, mas Platão e Aristóteles,

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Vida Difícil

Enquanto não aceitarmos que a vida é difícil, e isso não é mau, não só não arranjamos estratégias e calma para vencer as dificuldades, como as aumentamos e arranjamos uma dificuldade maior. O que torna a vida ainda mais difícil do que é na realidade é pensar que ela devia ser fácil ou que alguém tem direito à facilidade.

Escrever é Triste

Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, puré de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.
O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego — às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira.

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O Limite Saudável do Amor por Nós Próprios

O amor por nós mesmos, que só a nós diz respeito, sente-se satis­feito quando as nossas verdadeiras necessidades ficam satisfeitas; mas o amor-próprio – que se pretende comparar com ele – nun­ca se sente satisfeito nem o poderia estar, porque esse sentimen­to, que nos leva a preferirmo-nos aos outros, também exige que os outros nos prefiram a eles próprios; ora isso é impossível. Eis co­mo as paixões suaves e afectuosas têm origem no amor por si pró­prio, e como as paixões de ódio e de ira provêm do amor-próprio. Assim, o que torna o homem essencialmente bom é o facto de ter poucas necessidades e de pouco se comparar com os outros; o que o torna essencialmente mau é ter muitas necessidades e preo­cupar-se muito com a opinião. Sobre este princípio, é fácil ver co­mo se podem dirigir – para o bem ou para o mal – todas as pai­xões das crianças e dos homens. É verdade que, como não podem viver sempre sós, dificilmente poderão viver sempre bons: e esta dificuldade aumentará, necessariamente, com o alargamento das suas relações; e é nisso, sobretudo, que os perigos da sociedade nos tornam a arte e os cuidados mais indispensáveis para prevenir­ –

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