Nunca Estamos Contentes
Já ouvistes dizer: «Ninho feito, pega morta». Que me dizeis ao contentamento do mundo, onde toda a duração dele está enquanto se alcança? Porque, acabado de passar, acabado de esquecer. E com razão, porque, acabado de alcançar, é passado; e maior saudade deixa do que é o contentamento que deu. Esperai, por me fazer mercê, que lhe quero dar umas palavrinhas de propósito:
Mundo, se te conhecemos,
porque tanto desejamos
teus enganos?
E, se assim te queremos,
muito sem causa nos queixamos
de teus danos.Tu não enganas ninguém,
pois a quem te desejar
vemos que danas;
se te querem qual te vem,
se se querem enganar,
ninguém enganas.Vejam-se os bens que tiveram
os que mais em alcançar-te
se esmeraram;
que uns, vivendo, nĂŁo viveram,
e os outros, sĂł com deixar-te,
descansaram.E se esta tão clara fé
te aclara teus enganos,
desengana ;
sobejamente mal vĂŞ
quem, com tantos desenganos,
se engana.Mas como tu sempre morres
no engano em que andamos e que vemos,
nĂŁo cremos o que tu podes,
Textos sobre Dizer de LuĂs de Camões
3 resultadosNĂŁo Posso o que Quero
Que graça será esperardes de mim propĂłsitos, em cousa que os nĂŁo tem para comigo? Pois, ainda que queira, nĂŁo posso o que quero; que um sentido remontado, de nĂŁo pĂ´r pĂ© em ramo verde, tudo lhe sucede assim; e «cada um acode ao que lhe mais dĂłi»; e mais eu, que o que mais me entristece Ă© contentamento ter, pois fujo dele, que minh’alma o aborrece, porque lhe lembra que Ă© virtude de viver sem ele. Porque já sabeis que mágoa Ă©: «vĂŞ-lo hás e nĂŁo o paparás». Por fugir destes inconvenientes,
Toda a cousa descontente
contentar-me sĂł convinha,
de meu gosto;
que, o mal de que sou doente,
sua mais certa mesinha
Ă© desgosto.Já ouvirĂeis dizer: «Mouro, o que nĂŁo podes haver, dá-o pela tua alma». O mal sem remĂ©dio, o mais certo que tem, Ă© fazer da necessidade virtude; quanto mais, se tudo tĂŁo pouco dura como o passado prazer. Porque, enfim, allegados son iguales los que viven por sus manos, etc. A este propĂłsito, pouco mais ou menos, se fizeram umas voltas a um mote de enche-mĂŁo, que diz por sua arte, zombando mais, que nĂŁo de siso (que toda a galantaria Ă© tirá-la donde se nĂŁo espera),
NĂŁo se Diz ao Triste que se Alegre
Pouco sabe da tristeza quem, sem remédio para ela, diz ao triste que se alegre; pois não vê que alheios contentamentos a um coração descontente, não lhe remediando o que sente, lhe dobram o que padece. Vós, se vem à mão, esperáreis de mim palavrinhas joeiradas, enforcadas de bons propósitos. Pois desenganai-vos, que, desde que professei tristeza, nunca mais soube jogar a outro fito. E, porque não digais que sou gente fora do meu bairro, vedes, vai uma volta feita a este mote, que escolhi na manada dos enjeitados; e cuido que não é tão dedo queimado que não seja dos que el-rei mandou chamar; o qual fala assim:
NĂŁo quero e nĂŁo quero
jubĂŁo amarelo.Se de negro for
também me parece
quanto me aborrece
toda a alegre cor:
cor que mostra dor,
quero e nĂŁo quero
jubão amarelo.Parece-vos que se pode dizer mais ? Não me respondais: «Quem gabará a noiva?» Porque assentai que foi comendo e fazendo, ou assoprando, que não é tão pequena habilidade. E, porque vos não pareça que foi mais acertar que querê-lo fazer, vedes, vai outra do mesmo jaez,