Deveres Virtuosos
Os nossos hábitos tornam-se virtudes graças a uma transposição livre no domĂnio do dever, pelo facto de trazermos a inviolabilidade nos conceitos; os nossos hábitos tornam-se virtudes pelo facto de acharmos menos importante o bem particular que a sua inviolabilidade – por consequĂŞncia pelo sacrifĂcio do indivĂduo ou pelo menos pela possibilidade entrevista de um tal sacrifĂcio. – Quando o indivĂduo se considera pouco importante começa o domĂnio das virtudes e das artes – o nosso mundo metafĂsico. O dever seria particularmente puro se na essĂŞncia das coisas nada correspondesse ao facto moral.
Textos sobre DomĂnio de Friedrich Nietzsche
6 resultadosQuantos SĂ©culos Precisa um EspĂrito para Ser Compreendido?
Os maiores acontecimentos e os maiores pensamentos – mas os maiores pensamentos sĂŁo os maiores acontecimentos – sĂŁo os que mais tarde se compreendem: as gerações que lhes sĂŁo contemporâneas nĂŁo vivem esses acontecimentos, – passam por eles. Acontece aqui algo de análogo ao que se observa no domĂnio dos astros. A luz das estrelas mais distantes chega mais tarde aos homens; e antes da sua chegada, os homens negam que ali – existam estrelas. “Quantos sĂ©culos precisa um espĂrito para ser compreendido?” – aĂ está tambĂ©m uma medida, um meio de criar uma hierarquia e uma etiqueta necessárias: para o espĂrito e para a estrela.
Duas Espécies de Génio
Há duas espĂ©cies de gĂ©nio: um que, antes de mais, fecunda e quer fecundar outros, e outro que prefere ser fecundado e parir. E da mesma maneira há entre os povos geniais aqueles a quem coube o problema feminino da gravidez e a missĂŁo secreta de formar, amadurecer e aperfeiçoar – os gregos, por exemplo, foram um povo desta espĂ©cie, assim como os franceses – ; e outros que tĂŞm de fecundar e ser a causa de novas ordens de vida, – como os judeus, os romanos e talvez, perguntando-se com toda a modĂ©stia, os alemĂŁes? – povos atormentados e extasiados com febres desconhecidas e irresistivelmente impelidos para fora de si prĂłprios, apaixonados e ávidos de raças estranhas (aqueles que se «deixam fecundar» -) e, com tudo isso, ávidos de domĂnio, como tudo o que se sabe cheio de força geradora e, por conseguinte, escolhido «pela graça de Deus». Estas duas espĂ©cies procuram-se como o homem e a mulher; mas tambĂ©m se dĂŁo mal mutuamente, – como o homem e a mulher.
É Preciso Aprender a Amar
Que se passa para nĂłs no domĂnio musical? Devemos em primeiro lugar aprender a ouvir um motivo, uma ária, de uma maneira geral, a percebĂŞ-lo, a distingui-lo, a limitá-lo e isolá-lo na sua vida prĂłpria; devemos em seguida fazer um esforço de boa vontade — para o suportar, mau-grado a sua novidade — para admitir o seu aspecto, a sua expressĂŁo fisionĂłmica — e de caridade — para tolerar a sua estranheza; chega enfim o momento em que já estamos afeitos, em que o esperamos, em que pressentimos que nos faltaria se nĂŁo viesse; a partir de entĂŁo continua sem cessar a exercer sobre nĂłs a sua pressĂŁo e o seu encanto e, entretanto, tornamo-nos os seus humildes adoradores, os seus fiĂ©is encantados que nĂŁo pedem mais nada ao mundo, senĂŁo ele, ainda ele, sempre ele.
NĂŁo sucede assim sĂł com a mĂşsica: foi da mesma maneira que aprendemos a amar tudo o que amamos. A nossa boa vontade, a nossa paciĂŞncia, a nossa equanimidade, a nossa suavidade com as coisas que nos sĂŁo novas acabam sempre por ser pagas, porque as coisas, pouco a pouco, se despojam para nĂłs do seu vĂ©u e apresentam-se a nossos olhos como indizĂveis belezas: Ă© o agradecimento da nossa hospitalidade.
A Gravidade e a Seriedade nem Sempre andam Juntas
Tomar a verdade a sério! De quantas maneiras diferentes não entendem os homens esta frase! São as mesmas opiniões, as mesmas formas de exame e de demonstração que um pensador considera com uma ligeireza quando as aplica por si próprio – sucumbiu-lhes para sua vergonha, neste ou naquele momento da sua vida -, são essas mesmas opiniões, esses mesmos métodos que podem dar a um artista, quando com eles se choca e com eles vive algum tempo, a consciência de ter sido dominado pela profunda gravidade da verdade, de ter mostrado – coisa espantosa -, ainda que artista, a mais séria necessidade do contrário da aparência.
É assim que acontece que uma pomposa gravidade revele precisamente a ausĂŞncia de seriedade com que um espĂrito que se contenta com pouco se tenha debatido atĂ© entĂŁo no domĂnio do conhecimento… NĂŁo somos nĂłs sempre traĂdos por aquilo que consideramos importante? A nossa gravidade mostra onde se encontram os nossos pesos e os casos em que temos falta deles.
Onde Começa o Bem
Há um limite a partir do qual a força visual do olho humano deixa de ser capaz de identificar o mau instinto tornado demasiado subtil para os seus fracos recursos; Ă© aĂ que o homem faz começar o reino do bem; e a sensação de ter penetrado nesse reino desperta sincronicamente nele todos os instintos, os sentimentos de segurança, de bem-estar, e de benevolĂŞncia, que o mal limitava e ameaçava. Por consequĂŞncia: quanto mais o olhar Ă© fraco, maior Ă© o domĂnio do bem! DaĂ a eterna alegria do povo e das crianças! DaĂ o abatimento dos grandes pensadores, e o humor negro que Ă© o seu, humor parente da má consciĂŞncia.