Uma Casa Cheia de Livros
Os livros, esses animais sem pernas, mas com olhar, observam-nos mansos desde as prateleiras. NĂłs esquecemo-nos deles, habituamo-nos ao seu silĂȘncio, mas eles nĂŁo se esquecem de nĂłs, nĂŁo fazem uma pausa mĂnima na sua vigia, sentinelas atĂ© daquilo que nĂŁo se vĂȘ. Desde as estantes ou pousados sem ordem sobre a mesa, os livros conseguem distinguir o que somos sem qualquer expressĂŁo porque eles sabem, eles existem sobretudo nesse nĂvel transparente, nessa dimensĂŁo sussurrada. Os livros sabem mais do que nĂłs mas, sem defesa, estĂŁo Ă nossa mercĂȘ. Podemos atirĂĄ-los Ă parede, podemos atirĂĄ-los ao ar, folhas a restolhar, ar, ar, e vĂȘ-los cair, duros e sĂ©rios, no chĂŁo.
(…) Os livros, esses animais opacos por fora, essas donzelas. Os livros caem do cĂ©u, fazem grandes linhas rectas e, ao atingir o chĂŁo, explodem em silĂȘncio. Tudo neles Ă© absoluto, atĂ© as contradiçÔes em que tropeçam. E estĂŁo lĂĄ, aqui, a olhar-nos de todos os lados, a hipnotizar-nos por telepatia. Devemos-lhes tanto, atĂ© a loucura, atĂ© os pesadelos, atĂ© a esperança em todas as suas formas.
Textos sobre Duros de JosĂ© LuĂs Peixoto
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