O Livre Arbítrio
Um homem é dotado de livre arbítrio e de três maneiras: em primeiro lugar, era livre quando quis esta vida; agora não pode evidentemente rescindi-la, pois ele não é o que a queria outrora, excepto na medida em que completa a sua vontade de outrora, vivendo.
Em segundo lugar, é livre pelo facto de poder escolher o caminho desta vida e a maneira de o percorrer.
Em terceiro lugar, é livre pelo facto de na qualidade daquele que vier a ser de novo um dia, ter a vontade de se deixar ir custe o que custar através da vida e de chegar assim a ele próprio e isso por um caminho que pode sem dúvida escolher, mas que, em todo o caso, forma um labirinto tão complicado que toca nos menores recantos desta vida.
São esses os tês aspectos do livre arbítrio que, por se oferecerem todos ao mesmo tempo formam apenas um e de tal modo que não há lugar para um arbítrio, quer seja livre ou servo.
Textos sobre Dúvida de Franz Kafka
5 resultadosO Mais Fundo de Nós Mesmos
A uma certa altura do auto-conhecimento, quando estão presentes outras circunstâncias que favorecem a auto-segurança, invariavelmente e sem outra hipótese sentimo-nos execráveis. Todas as medidas do bem — por muito que as opiniões possam diferir sobre isto — parecerão demasiado altas. Vemos que não passamos de um ninho de ratos feito de dissimulações miseráveis. O mais insignificante dos nossos actos não deixa de estar contaminado por estas dissimulações. Estas intenções dissimuladas são tão horríveis que no decurso do nosso exame de consciência não vamos querer ponderá-las de perto, mas, pelo contrário, ficaremos contentes de as avistar de longe. Estas intenções não são todas elas feitas apenas de egoísmo, o egoísmo em comparação parece um ideal do bem e do belo. A porcaria que vamos encontrar existe por si só; reconheceremos que viemos ao mundo pingando este fardo e sairemos outra vez irreconhecíveis, ou então demasiado reconhecíveis, por causa dela. Esta porcaria é o fundo mais profundo que encontraremos; nos fundos mais profundos não haverá lava, não, mas porcaria. É o mais fundo e o mais alto e até as dúvidas que o exame de consciência origina em breve enfraquecerão e se tornarão complacentes como o espojar de um porco na imundície.
O Obstáculo Invisível
As forças do homem não são concebidas como uma orquestra. No homem é necessário que todos os instrumentos toquem constantemente com toda a sua força. Não foram destinados a ouvidos humanos e não dispõem da duração de uma noite de concerto durante a qual cada instrumento pode esperar para se fazer valer.
Por vezes parece que as coisas serão assim: tu tens tal tarefa a cumprir, dispões de tantas forças quantas são necessárias para a levar a bom termo (nem muito, nem muito pouco, sem dúvida te é necessário concentrares-te, mas não tens que estar ansioso), com bastante tempo teu e boa vontade para o trabalho, onde está o obstáculo ao êxito da imensa tarefa? Não percas tempo a procurá-lo, talvez não exista.
A Exigência Prejudicial
Ninguém pode exigir o que no fundo lhe é prejudicial. Se tal é na verdade a aparência pelo menos do homem tomado isoladamente – e é talvez essa a aparência que oferece sempre -, isso explica-se por alguém no homem procurar qualquer coisa que, sem dúvida, é útil a alguém, mas que lesa gravemente um segundo alguém, mais ou menos chamado a julgar do caso. Se o homem se tivesse colocado desde o princípio e não somente desde o julgamento ao lado do segundo alguém, o primeiro alguém ter-se-ia extinguido e com ele a exigência.
A Responsabilidade do Ser Humano
A primeira adoração dos ídolos foi sem dúvida o medo das coisas, mas também, relacionado com este, o medo da necessidade das coisas e, relacionado com isso, o medo da responsabilidade por elas. Essa responsabilidade parecia tão gigantesca, que nem mesmo se ousou impô-la a um único ser humano, pois, pela mera mediação de um ser, a responsabilidade humana não teria sido aliviada o suficiente, o convívio com um ser apenas teria sido contaminado de uma maneira mais profunda ainda pela responsabilidade; por isso, deu-se a cada coisa a responsabilidade por si mesma, mais: deu-se a essas coisas, também, uma medida da responsabilidade para o ser humano.