Dificuldade de Prever o Comportamento de qualquer Pessoa, o Nosso Inclusivamente
Sendo variável o nosso “eu”, que Ă© dependente das circunstâncias, um homem jamais deve supor que conhece outro. Pode somente afirmar que, nĂŁo variando as circunstâncias, o procedimento do indivĂduo observado nĂŁo mudará. O chefe de escritĂłrio que já redige há vinte anos relatĂłrios honestos, continuará sem dĂşvida a redigi-los com a mesma honestidade, mas cumpre nĂŁo o afirmar em demasia. Se surgirem novas circunstâncias, se uma paixĂŁo forte lhe invadir a mente, se um perigo lhe ameaçar o lar, o insignificante burocrata poderá tornar-se um celerado ou um herĂłi.
As grandes oscilações da personalidade observam-se quase exclusivamente na esfera dos sentimentos. Na da inteligência, elas são muito fracas. Um imbecil permanecerá sempre imbecil.
As possĂveis variações da personalidade, que impedem de conhecermos a fundo os nossos semelhantes, tambĂ©m obstam a que cada qual se conheça a si prĂłprio. O adágio “Nosce te ipsum” dos antigos filĂłsofos constitui um conselho irrealizável. O “eu” exteriorizado representa habitualmente uma personalidade de emprĂ©stimo, mentirosa. Assim Ă©, nĂŁo sĂł porque atribuĂmos a nĂłs mesmos muitas qualidades e nĂŁo reconhecemos absolutamente os nossos defeitos, como tambĂ©m porque o nosso “eu” contĂ©m uma pequena porção de elementos conscientes, conhecĂveis em rigor, e, em grande parte,
Textos sobre Elementos de Gustave Le Bon
12 resultadosAs Oscilações da Personalidade
Pretender que a nossa personalidade seja mĂłvel e susceptĂvel de grandes mudanças Ă©, por vezes, noção um pouco contrária Ă s idĂ©ias tradicionais atinentes Ă estabilidade do “eu”. A sua unidade foi durante muito tempo um dogma indiscutĂvel. Factos numerosos vieram provar quanto esta ideia era fictĂcia.
O nosso “eu” Ă© um total. Compõe-se da adição de inumeráveis “eu” celulares. Cada cĂ©lula concorre para a unidade de um exĂ©rcito. A homogeneidade dos milhares de indivĂduos que o compõem resulta somente de uma comunidade de acção que numerosas coisas podem destruir.
É inĂştil objectar que a personalidade dos seres parece, em geral, bastante estável. Se ela nunca varia, com efeito, Ă© porque o meio social permanece mais ou menos constante. Se subitamente esse meio se modifica, como em tempo de revolução, a personalidade de um mesmo indivĂduo poderá transformar-se por completo. Foi assim que se viram, durante o Terror, bons burgueses reputados pela sua brandura tornarem-se fanáticos sanguinários. Passada a tormenta e, por conseguinte, representando o antigo meio e o seu impĂ©rio, eles readquiriram sua personalidade pacifica. Desenvolvi, há muito tempo, essa teoria e mostrei que a vida dos personagens da Revolução era incompreensĂvel sem ela.
De que elementos se compõe o “eu”,
A Crença só se Mantém pela Ritualização
Uma verdade racional Ă© impessoal e os factos que a sustentam ficam estabelecidos para sempre. Sendo, ao contrário, pessoais e baseadas em concepções sentimentais ou mĂsticas, as crenças sĂŁo submetidas a todos os factores susceptĂveis de impressionar a sensibilidade. Deveriam, portanto, ao que parece, modificar-se incessantemente.
As suas partes essenciais mantêm-se, contudo, mas cumpre que sejam constantemente alentadas. Qualquer que seja a sua força no momento do seu triunfo, uma crença que não é continuamente defendida logo se desagrega. A história está repleta de destroços de crenças que, por essa razão, tiveram apenas uma existência efémera. A codificação das crenças em dogmas constitui um elemento de duração que não poderia bastar. A escrita unicamente modera a acção destruidora do tempo.
Uma crença qualquer, religiosa, polĂtica, moral ou social mantĂ©m-se sobretudo pelo contágio mental e por sugestões repetidas. Imagens, estátuas, relĂquias, peregrinações, cerimĂ´nias, cantos, mĂşsica, prĂ©dicas, etc., sĂŁo os elementos necessários desse contágio e dessas sugestões.
Confinado num deserto, privado de qualquer sĂmbolo, o crente mais convicto veria rapidamente a sua fĂ© declinar. Se, entretanto, anacoretas e missionários a conservam, Ă© porque incessantemente relĂŞem os seus livros religiosos e, sobretudo, se sujeitam a uma multidĂŁo de ritos e de preces.
A Alma Popular Ă© Totalmente Dominada por Elementos Afectivos e MĂsticos
A acção cada vez mais considerável das multidões na vida polĂtica imprime especial importância ao estudo das opiniões populares. Interpretadas por uma legiĂŁo de advogados e professores, que as transpõem e lhe dissimulam a mobilidade, a incoerĂŞncia e o simplismo, elas permanecem pouco conhecidas. Hoje, o povo soberano Ă© tĂŁo adulado quanto foram, outrora, os piores dĂ©spotas. As suas paixões baixas, os seus ruidosos apetites, as suas ininteligentes aspirações suscitam admiradores. Para os polĂticos, servidores da plebe, os factos nĂŁo existem, as realidades nĂŁo tĂŞm nenhum valor, a natureza deve-se submeter a todas as fantasias do nĂşmero.
A alma popular (…) tem, como principal caracterĂstica, a circunstância de ser inteiramente dominada por elementos afectivos e mĂsticos. NĂŁo podendo nenhum argumento racional refrear nela as impulsões criadas por esses elementos, ela obedece-lhes imediatamente.
O lado mĂstico da alma das multidões Ă©, muitas vezes, mais desenvolvido ainda do que o seu lado afectivo. DaĂ resulta uma intensa necessidade de adorar alguma coisa: deus, feitiço, personagem ou doutrina.
(…) O ponto mais essencial, talvez, da psicologia das multidões Ă© a nula influĂŞncia que a razĂŁo exerceu nelas. As ideias susceptĂveis de influenciar as multidões nĂŁo sĂŁo ideias racionais, porĂ©m sentimentos expressos sob forma de ideias.
Crenças e Opiniões Vencem o Conhecimento
A idade moderna contĂ©m tanta fĂ© quanto tiveram os sĂ©culos precedentes. Nos novos templos pregam-se dogmas, tĂŁo despĂłticos quanto os do passado, e estes contam fiĂ©is igualmente numerosos. Os velhos credos religiosos que outrora escravizavam a multidĂŁo, sĂŁo substituĂdos por credos socialistas ou anarquistas, tĂŁo imperiosos e tĂŁo pouco racionais como aqueles, mas nĂŁo dominam menos as almas. A igreja Ă© substituĂda muitas vezes pela taberna, mas aos sermões dos agitadores mĂsticos que aĂ sĂŁo ouvidos, atribui-se a mesma fĂ©.
Se a mentalidade dos fieis nĂŁo tem evoluĂdo muito desde a Ă©poca remota em que, Ă s margens do Nilo, Isis e Hathor atraĂam aos seus templos milhares de fervorosos peregrinos, Ă© porque, no decurso das idades, os sentimentos, verdadeiros alicerces da alma, mantĂŞm a sua fixidez. A inteligĂŞncia progride, mas os sentimentos nĂŁo mudam.
A fé num dogma qualquer é, sem dúvida, de um modo geral, apenas uma ilusão. Cumpre, contudo, não a desdenhar. Graças à sua mágica pujança, o irreal torna-se mais forte do que o real. Uma crença aceite dá a um povo uma comunhão de pensamentos que originam a sua unidade e a sua força.
Sendo o domĂnio do conhecimento muito diverso do terreno da crença,
A Moda
As variações da sensibilidade sob a influĂŞncia das modificações do meio, das necessidades, das preocupações, etc., criam um espĂrito pĂşblico que varia de uma geração para outra e mesmo muitas vezes no espaço de uma geração. Esse espĂrito publico, rapidamente dilatado por contacto mental, determina o que se chama a moda. Ela Ă© um possante factor de propagação da maior parte dos elementos da vida social, das nossas opiniões e das nossas crenças.
NĂŁo Ă© sĂł o vestuário que se submete Ă s suas vontades. O teatro, a literatura, a polĂtica, a arte, as prĂłprias idĂ©ias cientĂficas lhe obedecem, e Ă© por isso que certas obras apresentam um fundo de semelhança que permite falar do estilo de uma Ă©poca.
Em virtude da sua acção inconsciente, submetemo-nos Ă moda sem que o percebamos. Os espĂritos mais independentes a ela nĂŁo se podem subtrair. SĂŁo muito raros os artistas, os escritores que ousam produzir uma obra muito diferente das ideias do dia.
A influĂŞncia da moda Ă© tĂŁo pujante que ela obriga-nos, por vezes, a admirar coisas sem interesse e que parecerĂŁo mesmo de uma fealdade extrema, alguns anos mais tarde. O que nos impressiona numa obra de arte Ă© muito raramente a obra em si mesma,
Opiniões Influenciadas pelo Interesse
A maior parte das coisas pode ser considerada sob pontos de vista muito diferentes: interesse geral ou interesse particular, principalmente. A nossa atenção, naturalmente concentrada sob o aspecto que nos Ă© proveitoso, impede que vejamos os outros. O interesse possui, como a paixĂŁo, o poder de transformar em verdade aquilo em que lhe Ă© Ăştil acreditar. Ele Ă©, pois, freqĂĽentemente, mais Ăştil do que a razĂŁo, mesmo em questões em que esta deveria ser, aparentemente, o guia Ăşnico. Em economia polĂtica, por exemplo, as convicções sĂŁo de tal modo inspiradas pelo interesse pessoal que se pode, em geral, saber prĂ©viamente, conforme a profissĂŁo de um indivĂduo, se ele Ă© partidário ou nĂŁo do livre câmbio.
As variações de opiniĂŁo obedecem, naturalmente, Ă s variações do interesse. Em matĂ©ria polĂtica, o interesse pessoal constitui o principal factor. Um indivĂduo que, em certo momento, energicamente combateu o imposto sobre a renda, com a mesma energia o defenderá mais, se conta ser ministro. Os socialistas enriquecidos acabam, em geral, conservadores, e os descontentes de um partido qualquer se transformam facilmente em socialistas.
O interesse, sob todas as suas formas, não é somente gerador de opiniões. Aguçado por necessidades muito intensas, ele enfraquece logo a moralidade.
O Criador de OpiniĂŁo
O papel de criador e director de movimentos de opiniões pertence aos homens de Estado em todas as questões que interessam a vida exterior de um paĂs. A sua tarefa Ă© extremamente penosa. Eles devem possuir, com efeito, uma mentalidade bastante desenvolvida para que a lĂłgica racional lhes sirva de guia, devendo, no entanto, actuar nos homens por influĂŞncias afectivas e mĂsticas, estranhas Ă razĂŁo, Ăşnicas, porĂ©m, capazes de acarretá-los.
Esses grandes elementos morais, que cumpre saber manejar, serão durante muito tempo ainda os mais possantes factores aptos a dirigir os povos. Eles não criam os navios e os canhões, mas, como se exprimiu o almirante Togo, «são a alma dos navios e dos canhões». As influências irracionais, que provocam os movimentos de opiniões, incessantemente mudam, conforme a luz variável que banha as coisas. Deve-se saber adivinhá-las, quando se as quer dominar e não esquecer que uma opinião qualquer universalmente aceite constituirá sempre, para a multidão, uma verdade.
A Maldade como Poderoso Elemento do Progresso Humano
Os sentimentos fixos e de forma constante qualificados de paixões constituem, tambĂ©m, possantes factores de opiniões, de crenças e, por conseguinte, de conduta. Certas paixões contagiosas tornam-se, por esse motivo, facilmente colectivas. A sua acção Ă©, entĂŁo, irresistĂvel. Elas precipitaram muitos povos uns contra os outros nas diversas fases da histĂłria. As paixões podem excitar a nossa actividade, porĂ©m, alteram, as mais das vezes, a justeza das opiniões, impedindo de ver as coisas como realmente sĂŁo e de compreender a sua gĂ©nese. Se nos livros de histĂłria sĂŁo abundantes os erros, Ă© porque, na maior parte dos casos, as paixões ditam a sua narrativa. NĂŁo se citaria, penso eu, um historiador que haja relatado imparcialmente a Revolução.
O papel das paixões Ă©, como vemos, muito considerável nas nossas opiniões e, por conseguinte, na gĂ©nese dos acontecimentos. NĂŁo sĂŁo, infelizmente, as mais recomendáveis que tĂŞm exercido maior acção. Kant reconheceu a grande força social das piores paixões. A maldade Ă©, no seu juĂzo, um poderoso elemento do progresso humano. Parece, infelizmente, muito certo que, se os homens tivessem seguido o preceito do Evangelho “Amai-vos uns aos outros”, ao invĂ©s de obedecerem ao da Natureza, que os incita a se destruĂrem mutuamente,
Os Elementos Fixadores da Personalidade
Os resĂduos ancestrais formam a camada mais profunda e mais estável do carácter dos indivĂduos e dos povos. É pelo seu “eu” ancestral que um inglĂŞs, um francĂŞs, um chinĂŞs, diferem tĂŁo profundamente.
Mas a esses remotos atavismos sobrepõem-se elementos suscitados pelo meio social (casta, classe, profissão, etc.), pela educação e ainda por muitas outras influências. Eles imprimem à nossa personalidade uma orientação assaz constante. Será o “eu”, um pouco artificial, assim formado, que exteriorizaremos cada dia.
Entre todos os elementos formadores da personalidade, o mais activo, depois da raça, é o que determina o agrupamento social ao qual pertencemos. Fundidas no mesmo molde pelas idéias, as opiniões e as condutas semelhantes que lhes são impostas, as individualidades de um grupo: militares, magistrados, padres, operários, marinheiros, etc., apresentam numerosos carácteres idênticos.
As suas opiniões e os seus juĂzos sĂŁo, em geral, vizinhos, porquanto sendo cada grupo social muito nivelador, a originalidade nĂŁo Ă© tolerada nele. Aquele que se quer diferenciar do seu grupo tem-no inteiramente por inimigo.
Essa tirania dos grupos sociais, na qual insistiremos, não é inútil. Se os homens não tivessem por guia as opiniões e a maneira de proceder daqueles que os cercam,
Contágio Mental
O contágio mental representa o elemento essencial da propagação das opiniões e das crenças. A sua força Ă©, muitas vezes, bastante considerável para fazer agir o indivĂduo contra os seus interesses mais evidentes. As inumeráveis narrações de martĂrios, de suicĂdios, de mutilações, etc., determinados por contágio mental fornecem uma prova disso.
Todas as manifestações da vida psĂquica podem ser contagiosas, mas sĂŁo, especialmente, as emoções que se propagam desse modo. As ideias contagiosas sĂŁo sĂnteses de elementos afectivos.
Na vida comum, o contágio pode ser limitado pela acção inibidora da vontade, mas, se uma causa qualquer – violenta mudança de meio em tempo de revolução, excitações populares, etc. – vĂŞm paralisá-la, o contágio exercerá facilmente a sua influĂŞncia e poderá transformar seres pacĂficos em ousados guerreiros, plácidos burgueses em terrĂveis sectários. Sob a sua influĂŞncia, os mesmos indivĂduos passarĂŁo de um partido para outro e empregarĂŁo tanta energia em reprimir uma revolução quanto em fomentá-la.
O contágio mental nĂŁo se exerce somente pelo contacto direto dos indivĂduos. Os livros, os jornais, as notĂcias telegráficas, mesmo simples rumores, podem produzi-lo.
Quanto mais se multiplicam os meios de comunicação tanto mais se penetram e se contagiam. A cada dia estamos mais ligados àqueles que nos cercam.
Os Elementos do Carácter
O carácter Ă© constituĂdo por um agregado de elementos afectivos aos quais se sobrepõem, mesclando-se muito pouco a eles, alguns elementos intelectuais. SĂŁo sempre os primeiros que dĂŁo ao indivĂduo a sua verdadeira personalidade. Sendo numerosos os elementos afectivos, a sua associação formará variados elementos: activos, contemplativos apáticos, sensitivos, etc. Cada um deles actuará diferentemente sob a acção dos mesmos excitantes.
Os agregados constitutivos do carácter podem ser fortemente ou, ao contrário, fracamente cimentados. Aos agregados sólidos correspondem as individualidades fortes, que se mantêm não obstante as variações de meio e de circunstâncias. Aos agregados mal cimentados correspondem as mentalidades moles, incertas e mutáveis. Elas modificar-se-iam a cada instante sob as influências mais insignificantes se certas necessidades da vida quotidiana não as orientassem, como as margens de um rio canalizam o seu curso.
Por mais estável que seja o carácter, permanece sempre ligado, no entanto, ao estado dos nossos órgãos. Uma nevralgia, um reumatismo, uma perturbação intestinal, transformam o júbilo em melancolia, a bondade em maldade, a vontade em indolência. Napoleão, doente em Warteloo, já não era Napoleão. César, dispéptico, não teria, sem dúvida, transposto o Rubicon.
As causas morais actuam também no carácter ou, pelo menos,