Mediocridade de Espírito
O nosso máximo esforço de independência consiste em opor, por vezes, um pouco de resistência às sugestões quotidianas. A grande massa humana nenhuma resistência opõe e segue as crenças, as opiniões e os preconceitos do seu grupo. Ela obedece-lhe sem ter mais consciência do que a folha seca arrastada pelo vento.
Só numa elite muito restrita se observa a faculdade de possuir, algumas vezes, opiniões pessoais. Todos os progressos da civilização procedem, evidentemente, desses espíritos superiores, mas não se pode desejar a sua multiplicação sucessiva. Inapta a adaptar-se imediatamente a progressos rápidos e profundos em demasia, uma sociedade tornar-se-ia logo anárquica. A estabilidade necessária à sua existência é precisamente estabelecida graças ao grupo compacto dos espíritos lentos e medíocres, governados por influências de tradições e de meio.
É, portanto, útil para uma sociedade que ela se componha de uma maioria de homens médios, desejosos de agir como toda a gente, que têm por guias as opiniões e as crenças gerais. É muito útil também que as opiniões gerais sejam pouco tolerantes, pois o medo do juízo alheio constitui uma das bases mais seguras da nossa moral.
A mediocridade de espírito pode, pois, ser benéfica para um povo,
Textos sobre Elite
8 resultadosA Crise do Idealismo
Cada vez será menor a «elite» que os possui [valores], perante o desvairo do nosso tempo em que a sede dos prazeres materiais e a dissolução dos costumes, apoiadas por uma organização industrial ad hoc, corromperam a riqueza e as suas fontes, o trabalho e as suas aplicações, a família e o seu valor social. Há no Mundo uma grande crise do idealismo, do espiritualismo de virtudes cívicas e morais, e não parece que sem eles possamos vencer as dificuldades do nosso tempo. Sem rectificarmos a série de valores com que lidamos – valores económicos e morais – , sem outro conceito diverso da civilização e do progresso humano, sem ao espírito ser dada primazia sobre a matéria e à moral sobre os instintos, a humanidade não curará os seus males e nem sequer tirará lucro do seu sofrimento.
O Homem não está à Altura da sua Obra
Dir-se-ia que a civilização moderna é incapaz de produzir uma elite dotada simultaneamente de imaginação, de inteligência e de coragem. Em quase todos os países se verifica uma diminuição do calibre intelectual e moral naqueles a quem cabe a responsabilização da direcção dos assuntos políticos, económicos e sociais. As organizações financeiras, industriais e comerciais atingiram dimensões gigantescas. São influenciadas não só pelas condições do país em que nasceram, mas também pelo estado dos países vizinhos e de todo o mundo. Em todas as nações produzem-se modificações sociais com grande rapidez. Em quase toda a parte se põe em causa o valor do regime político. As grandes democracias enfrentam problemas temíveis que dizem respeito à sua própria existência e cuja solução é urgente. E apercebemo-nos de que, apesar das grandes esperanças que a humanidade depositou na civilização moderna, esta civilização não foi capaz de desenvolver homens suficientemente inteligentes e audaciosos para a dirigirem na via perigosa por que a enveredou. Os seres humanos não cresceram tanto como as instituições criadas pelo seu cérebro. São sobretudo a fraqueza intelectual e moral dos chefes e a sua ignorância que põem em perigo a nossa civilização.
O Grande Segredo da Felicidade
O grande segredo da felicidade não é – como os pseudo-génios da infelicidade defendiam e defendem – não pensar. O grande segredo da felicidade é dis-pensar. Dispensar o que é dispensável: o que nasceu para ser dispensável. Só quem dispensa o que tem de ser dispensável é que é feliz. E só é capaz de dispensar quem sabe pensar. Pensar a sério. Só os génios dispensam. Qualquer burro é capaz de pensar. Mas dispensar está reservado a uma elite de predestinados. A uma elite de felicinados: de alienados de felicidade.
O Provincianismo Português (II)
Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria “provincianismo”. Como todas as definições simples esta, que é muito simples, precisa, depois de feita, de uma explicação complexa. Darei essa explicação em dois tempos: direi, primeiro, a que se aplica, isto é, o que deveras se entende por mentalidade de qualquer país, e portanto de Portugal; direi, depois, em que modo se aplica a essa mentalidade.
Por mentalidade de qualquer país entende-se, sem dúvida, a mentalidade das três camadas, organicamente distintas, que constituem a sua vida mental — a camada baixa, a que é uso chamar povo; a camada média, a que não é uso chamar nada, excepto, neste caso por engano, burguesia; e a camada alta, que vulgarmente se designa por escol, ou, traduzindo para estrangeiro, para melhor compreensão, por elite.
O que caracteriza a primeira camada mental é, aqui e em toda a parte, a incapacidade de reflectir. O povo, saiba ou não saiba ler, é incapaz de criticar o que lê ou lhe dizem. As suas ideias não são actos críticos, mas actos de fé ou de descrença, o que não implica, aliás,
Ser Português, Ainda
Para ser português, ainda, vive-se entre letras de poemas e esperanças, cantigas e promessas, de passados esquecidos e futuros desejados, sem presente, sem pensamento, sem Portugal. Para ser português, ainda, aprende-se a existir no gume da tristeza, como um equilibrista num andaime de navalhas levantadas, numa obra que se vai construindo sob uma arquitectura de demolição. Tínhamos direito a um Portugal inteiro, com povo e com a terra, mas o povo enlouqueceu e a terra foi arrasada e tudo o que era pátria, doce e atrevida, se afasta à medida que olhamos para ela, tal é a ânsia de apagamento e de perdição. Restam-nos sons e riscos. Portugal encolheu-se. Escondeu-se nos poetas e cantores. Recolheu-se nas vozes fundas de onde nasceu. Portugal abrigou-se em portugueses e portuguesas nos quais uma ideia de Portugal nunca se perdeu.
Para se ser português, ainda, é preciso estreitar os olhos e molhar a garganta com vinho tinto para poder gritar que isto assim não é Portugal, não é país, não é nada. Torna-se cada vez mais difícil que o povo e a terra e a ideia se possam alguma vez reunir.
É preciso defender violentamente as instituições: a Universidade, o Parlamento,
Um País de Canalhas
Pensar Portugal. Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país. A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido. Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi. A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles.
Português Sentimental e com Horror à Disciplina
Excessivamente sentimental, com horror à disciplina, individualista sem dar por isso, falho de espírito de continuidade e de tenacidade na acção. A própria facilidade de compreensão, diminuindo-lhe a necessidade de esforço, leva-o a estudar todos os assuntos pela rama, a confiar demasiado na espontaneidade e brilho da sua inteligência. Mas quando enquadrado, convenientemente dirigido, o português dá tudo quanto se quer…
O nosso grande problema é o da formação das elites que eduquem e dirijam a Nação. A sua fraqueza ou deficiência é a mais grave crise nacional. Só as gerações em marcha, se devidamente aproveitadas, nos fornecerão os dirigentes – governantes, técnicos, professores, sacerdotes, chefes do trabalho, operários especializados – indispensáveis à nossa completa renovação. Considero até mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar toda a gente a ler. É que os grandes problemas nacioanis têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas.