Os Gostos
A palavra «gosto» tem vários significados e é fácil o engano. Há uma diferença entre aquele gosto que nos leva a escolher coisas e aquele que nos leva a conhecer e discernir as qualidades quando se segue as regras. Podemos gostar de comédias sem ter um gosto tão apurado e delicado que nos permita ajuizar do seu valor, como podemos ter o bom gosto para emitir juízos sobre as comédias, sem gostar desse género dramático. Existe um tipo de gosto que nos aproxima imperceptivelmente do que temos à nossa frente, há outros que nos prendem pela sua força e duração.
Também há pessoas que têm mau gosto em tudo, outras só nalgumas coisas, mas ambos os casos têm esse direito, no que toca ao alcance que cada um tem. Outros ainda têm gostos particulares, que sabem que são maus, sem deixarem de segui-los. Há aqueles que têm gostos imprecisos e estes deixam que o acaso decida por eles. Mudam com ligeireza e ficam contentes ou maçam-se com o que os seus amigos dizem. Outros são sempre previstos, sendo escravos de todos os seus gostos, respeitando-os em todas as matérias. Há quem seja sensível ao bem e que se choque com o que é mau.
Textos sobre Encantos
38 resultadosEste Amor Infinito e Imaculado
Querida, o teu viver era um letargo,
Nenhuma aspiração te atormentava;
Afeita já do jugo ao duro cargo,
Teu peito nem sequer desafogava.
Fui eu que te apontei um mundo largo
De novas sensações; teu peito ansiava
Ouvindo-me contar entre caricias,
Do livre e ardente amor tantas delicias!Não te mentia, não. Sentiste-o, filha,
Esse amor infinito e imaculado,
Estrela maga que incessante brilha
Da alma pura ao casto amor sagrado;
Afecto nobre que jamais partilha
O coracão de vícios ulcerado.
Não sentes, nem recordas, já sequer?
Quem deste amor te despenhou, mulher ?Eu não! Se muitos crimes me desluzem,
Se pôde transviar-me o seu encanto,
Ao menos uma só não me recusem,
Uma virtude só: amar-te tanto!
Embora injúrias contra mim se cruzem,
Cuspindo insultos neste amor tão santo,
Diz tu quem fui, quem sou, e se é verdade
O opróbrio aviltador da sociedade.
Resgatar o Prazer de Viver
É possível resgatar o prazer de viver, é possível treinar a emoção para ser jovem, desprendida, livre, feliz.
Primeiro: Contemple o belo nos pequenos eventos da vida.
Tenha sempre atividades programadas fora da sua agenda pelo menos uma vez por semana. Valorize aquilo que o dinheiro não compra e que não dá prestígio.
Treine dez minutos por dia a contemplar a anatomia das flores, a gastar tempo a ver o brilho das estrelas, a experimentar o prazer de penetrar no mundo das pessoas.
Não viva em função de grandes eventos, aprenda a extrair o prazer dos pequenos estímulos da rotina diária.Segundo: Irrigue o palco da mente com pensamentos agradáveis.
Treine trazer diariamente à sua memória aquilo que lhe traz esperança, serenidade e encanto pela vida. Pense em conquistar pessoas e em superar os seus obstáculos. Pense em ser íntimo do Autor da vida e conhecer os mistérios da existência.
Os seus maiores inimigos estão dentro de si. Não se deixe derrotar ou perturbar por pensamentos que lhe roubam a tranquilidade e o prazer de viver.
Treine ver o lado positivo de todas as coisas negativas. Os negativistas veem os raios,
O Encanto da Vida
Todas as noites acordado até desoras, à espera da última cena de pancadaria num jogo de futebol, do último insulto num debate parlamentar, do último discurso demagógico num comício eleitoral, da última pirueta dum cabotino entrevistado, da última farsa no palco internacional. Crucificações masoquistas, que a prudência desaconselha e a imprudência impõe. Vou deste mundo farto de o conhecer e faminto de o descobrir.
Mas não há perspicácia, nem constância de atenção capazes de lhe prefigurar os imprevistos. O que acontece hoje excede sempre o que sucedeu ontem. A violência, o facciosismo, a ambição de poder, a crueldade e o exibicionismo não têm limites. Felizmente que a abnegação, a generosidade e o altruísmo também não. E o encanto da vida é precisamente esse: nenhum excesso nela ser previsível. Nem no mal nem no bem. E não me canso de o verificar, de surpresa em surpresa, à luz dos acontecimentos.
Quando julgo que estou devidamente informado sobre o amor, sobre o ódio, sobre a santidade, sobre a perfídia, sobre as virtudes e os defeitos humanos, acabo por concluir que soletro ainda o á-bê-cê da realidade. Cabeçudo como sou, teimo na aprendizagem. Hoje fizeram-me a revelação surpreendente de que um avarento meu conhecido,
Cada Dia que Passa me Aproxima de Si
Bom! Recebo neste instante a sua carta escrita à luz de uma só vela – e tenho de retirar tudo, tudo, tudo o que escrevi! Pois acabou-se! Não retiro. A minha querida dizia no outro dia que devíamos mostrar um ao outro todos os estados de espírito em que tivéssemos estado. Mostro-lhe, assim, que estive hoje, ontem, antes de ontem num estado de impaciência por uma palavra sua, gemendo e queixando-me de «ne voir rien venir». E mostro-lhe assim o desejo de ter todos os dias, ou quase todos, um doce, adorado, apetecido e consolador «petit mot». (…) As pessoas que se estimam nunca deviam se apartar; a culpa tem-na a nossa complicada civilização; o encanto seria que os que se amam se juntassem em tribos, acampando aqui e além, com as suas afeições e a sua bilha de água, and «settling down to be happy, anywhere, under a tree».
Cada dia que passa, agora, me aproxima de si. (…) Eu também não realizo bem a situação. Ela não deixa de ser ligeiramente romântica. Separamo-nos amigos, reencontramo-nos noivos. Que profunda, grave, séria diferença! Enquanto a gente se escreve, num tom de alegre felicidade, gracejando por vezes, falando de sentimentos e dando «notícias do coração» –
Nada Pode Haver de mais Belo
Amigo Bernardo, dos desertos do Roncão d’el-Rei, na mais bela poética noite de luar que ver se possa, te escreve este teu amigo. Nada pode haver de mais belo; os rouxinóis cantam à desgarrada, o ar rescende dos milhares de loendros (laurier-rose) que cobrem as encostas alcantiladas do Guadiana. Que maravilha, que encanto, que tristeza (tu, com certeza, aqui choravas)! Neste momento, houve-se o sinistro roncar da coruja e o longínquo uivar dos lobos, misturado com o forte ladrar dos rafeiros e os nossos cavalos relincham inquietos nas quadras… É à luz dum prosaico castiçal (uma garrafa com uma vela) que te escrevo estas sentidas regras, que espraio sobre este branco papel as ondas da minha melancolia. E como não estar melancólico se acabamos de fazer dezasseis léguas a cavalo em oito horas e não descansámos e não dormimos a noite passada senão uma mísera hora e vemos apenas diante de nós umas velhas esteiras, as nossas mantas, e os aparelhos dos nossos cavalos como travesseiros, para passarmos umas noites.
O Gosto pela Cultura
É mais difícil encontrar um gentleman que um génio. A marca mais distintiva de um homem culto é a possibilidade de aceitar um ponto de vista diferente do seu; pôr-se no lugar de outra pessoa e ver a vida e os seus problemas dessa perspectiva diferente. Estar disposto a experimentar uma ideia nova; poder viver nos limites das divergências intelectuais; examinar sem calor os problemas escaldantes do dia; ter simpatia imaginativa, largueza e flexibilidade de espírito, estabilidade e equilíbrio de sentimentos, calma ponderada para decidir – é ter cultura.
(…) A cultura vem da contemplação da natureza; do estudo da Literatura, Arte e Arquitectura com letras grandes; e do conhecimento pessoal das realidades emocionais da existência. É uma escala de valores, ou méritos, diferente da usada nas esferas dominadas pela ciência e pelo comércio. Vivemos numa cultura onde o sucesso é medido pelos bens materiais. É importante alcançar objectivos materiais, mas ainda é mais importante ser-se cidadão amadurecido, bem equilibrado e culto.A cultura (…) está em nós e não sepultada em estranhas galerias. Significa bondade de espírito e é a base de um bom carácter. A plenitude da vida não vem das coisas exteriores a nós;
As Boas Resoluções
As boas resoluções são sempre tentativas de interferir com as leis científicas. Provêm da pura vaidade. O seu resultado é absolutamente nulo. Proporcionam-nos, uma vez por outra, uma dessas voluptuosas emoções estéreis que produzem um certo encanto nos fracos. É tudo o que podemos dizer em sua defesa. Não passam de cheques que os homens sacam sobre um banco onde não têm conta aberta.
O Gosto pela Simplicidade
Cansado às vezes do artificialismo que domina hoje em todos os géneros, enfadado com os chistes, os lances espirituosos, com as troças e com todo esse espírito que se quer colocar nas menores coisas, digo comigo mesmo: se eu pudesse encontrar um homem que não fosse espirituoso, com quem não fosse preciso sê-lo, um homem ingénuo e modesto, que falasse somente para se fazer entender e para exprimir os sentimentos do seu coração, um homem que só tivesse a razão e um pouco de naturalidade: com que ardor eu correria para descansar na sua conversa ao invés do jargão e dos epigramas do resto dos homens! Como é que acontece perder-se o gosto pela simplicidade a ponto de não mais se perceber que ele foi perdido? Não há virtudes nem prazeres que dela não retirem encantos e as suas graças mais tocantes.
A Alma do Amor
Quando um homem, quer tenda para os rapazes ou para as mulheres, encontra aquele mesmo que é a sua metade, é um prodígio como os transportes de ternura, confiança e amor os tomam. Eles não desejariam mais separar-se, nem por um só instante. E pensar que há pessoas que passam a vida toda juntas, sem poder dizer, diga-se de passagem, o que uma espera da outra; pois não parece que seja o prazer dos sentidos que lhes faça encontrar tanto encanto na companhia uma da outra. É evidente que a alma de ambas deseja outra coisa, que não pode dizer, mas que adivinha e deixa adivinhar.
O Alargamento do Saber
No processo de alargamento do saber é de vez em quando necessário proceder a uma reordenação. Na maior parte dos casos a reordenação tem lugar mediante novas máximas, mas permanece sempre provisória.
É por isso que são bem-vindos os livros que nos apresentam, não apenas o que de novo se vai descobrindo no plano empírico, mas também os métodos que passaram a estar em voga.
Quando acontece vermos aquilo que sabemos exposto segundo um outro método, ou mesmo numa língua estrangeira, o assunto ganha um especial encanto: surge como novidade e debaixo de um aspecto rejuvenescido.
Felicidade Aparente
Ao reflectir sobre a frescura das recordações, sobre a cor encantada de que elas se revestem num passado longínquo, não pude deixar de admirar esse trabalho involuntário da alma que separa e suprime na recordação desses momentos agradáveis tudo o que poderia diminuir o encanto do momento então vivido.
(…) Poderá uma pessoa afirmar ter sido feliz num determinado momento da sua vida, que lhe parece encantador retrospectivamente? O próprio facto de o recordar ao dar-se conta da felicidade que então deve ter sentido deve satisfazê-lo. Mas ter-se-ia sentido efectivamente feliz nesse instante de pretensa felicidade?
Pode-se compara essa pessoa com um indivíduo que possuísse uma parcela de terra em que estivesse escondido um tesouro, do qual ele, contudo, não teria conhecimento. Poder-se-à considerar «rico» esse homem? Do mesmo modo não considero feliz aquele que o é sem se aperceber disso, ou sem saber a que ponto monta a sua felicidade.
O Cerne da Escrita e da Leitura
Não se é escritor por se ter preferido dizer certas coisas, mas por se ter preferido dizê-las duma certa maneira. E o estilo faz, evidentemente, o valor da prosa. Mas deve passar despercebido. Uma vez que as palavras são transparentes e que o olhar as atravessa, seria absurdo meter entre elas vidros despolidos. Aqui, a beleza é apenas uma força doce e insensível.
Num quadro, brilha antes de mais nada; num livro, esconde-se, age por persuasão como o encanto duma voz ou dum rosto, não obriga, faz curvar sem que se dê por isso e pensa-se ceder aos argumentos quando afinal se é solicitado por um encanto imperceptível. A cerimónia da missa não é a fé, ela dispõe a isso; a harmonia das palavras, a sua beleza, o equilíbrio das frases, dispõem as paixões do leitor sem que ele dê por isso, ordenam-nas como a missa, como a música, como uma dança; se acaba por as considerar em si mesmas, perde o sentido, apenas restam oscilações aborrecidas.
O Prazer em Perspectiva: a Esperança
A esperança é filha do desejo, mas não é o desejo. Constitui uma aptidão mental, que nos fez crer na realização de um desejo. Podemos desejar uma coisa sem que a esperemos. Toda gente deseja a fortuna, muito poucos a esperam. Os sábios desejam descobrir a causa primitiva dos fenômenos; eles não têm nenhuma esperança de consegui-lo. O desejo aproxima-se algumas vezes da esperança, a ponto de confundir-se com ela. Na roleta, eu desejo e espero ganhar.
A esperança é uma forma de prazer em expectativa que, na sua atual fase de espera, constitui uma satisfação freqüentemente maior do que o contentamento produzido pela sua realização. A razão é evidente. O prazer realizado limita-se em quantidade e em duração, ao passo que nada limita a grandeza do sonho criado pela esperança. A força e o encanto da esperança consistem em conter todas as possibilidades de prazer. Ela constitui uma espécie de vara mágica que transforma tudo. Os reformadores nunca fizeram mais do que substituir uma esperança por outra.
O Amor e a Vida
O amor é uma imagem da nossa vida. Tanto o primeiro como a segunda estão sujeitos às mesmas revoluções e mudanças. A sua juventude é resplandecente, alegre e cheia de esperanças porque somos felizes por ser jovens tal como somos felizes por amar. Este agradabilíssimo estado leva-nos a procurar outros bens muito sólidos. Não nos contentamos nessa fase da vida com o facto de susbsistirmos, queremos progredir, ocupamo-nos com os meios para nos aperfeiçoarmos e para assegurar a nossa boa sorte. Procuramos a protecção dos ministros, mostrando-nos solícitos e não aguentamos que outrem queira o mesmo que temos em vista. Este estímulo cumula-nos de mil trabalhos e esforços que logo se apagam quando alcançamos o desejado. Todas as nossas paixões ficam então satisfeitas e nem por sombras podemos imaginar que a nossa felicidade tenha fim.
No entanto, esta felicidade raramente dura muito e fatiga-se da graça da novidade. Para possuirmos o que desejámos não paramos de desejar mais e mais. Habituamo-nos ao que temos, mas os mesmos haveres não conservam o seu preço, como nem sempre nos tocam do mesmo modo. Mudamos imperceptivelmente sem disso nos apercebermos. O que já adquirimos torna-se parte de nós mesmos e sofreríamos muito com a sua perda,
A Morte Não É Nada Para Nós
Habitua-te a pensar que a morte não é nada para nós, pois que o bem e o mal só existem na sensação. Donde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte não ser nada para nós permite-nos usufruir esta vida mortal, evitando que lhe atribuamos uma idéia de duração eterna e poupando-nos o pesar da imortalidade. Pois nada há de temível na vida para quem compreendeu nada haver de temível no facto de não viver. É pois, tolo quem afirma temer a morte, não porque sua vinda seja temível, mas porque é temível esperá-la.
Tolice afligir-se com a espera da morte, pois trata-se de algo que, uma vez vindo, não causa mal. Assim, o mais espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois enquanto vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais.
Não há morte, então, nem para os vivos nem para os mortos, porquanto para uns não existe, e os outros não existem mais. Mas o vulgo, ou a teme como o pior dos males, ou a deseja como termo para os males da vida. O sábio não teme a morte, a vida não lhe é nenhum fardo,
A Infelicidade da Juventude
O que faz da juventude um período infeliz é a caça à felicidade, na firme pressuposição de que ela tem de ser encontrada na existência. Disso resulta a esperança sempre malograda e, desta, o descontentamento. Imagens enganosas de uma vaga felicidade onírica pairam perante nós revestidas de formas caprichosamente escolhidas, fazendo-nos procurar em vão o seu original. Por isso, nos anos da juventude, estamos quase sempre descontentes com a nossa situação e o nosso ambiente, não importando quais sejam; porque lhes atribuímos o que na verdade pertence, em toda a parte, à vacuidade e à indigência da vida humana, com as quais só então travamos o primeiro conhecimento, após termos esperado coisas bem diversas. Ganhar-se-ia bastante se, pela instrução em tempo apropriado, fosse erradicada nos jovens a ilusão de que há muito a encontrar no mundo. Porém, é o contrário que acontece: na maioria das vezes, conhecemos a vida primeiro pela poesia, e depois pela realidade.
Na aurora da nossa juventude, as cenas descritas pela poesia resplandecem diante dos nossos olhos, e o anelo atormenta-nos para vê-las realizadas, a tocar o arco-íris. O jovem espera que o curso da sua vida se dê na forma de um romance interessante.
A Inconstância no Amor e na Amizade
Não pretendo justificar aqui a inconstância em geral, e menos ainda a que vem só da ligeireza; mas não é justo imputar-lhe todas as transformações do amor. Há um encanto e uma vivacidade iniciais no amor que passa insensivelmente, como os frutos; não é culpa de ninguém, é culpa exclusiva do tempo. No início, a figura é agradável, os sentimentos relacionam-se, procuramos a doçura e o prazer, queremos agradar porque nos agradam, e tentamos demonstrar que sabemos atribuir um valor infinito àquilo que amamos; mas, com o passar do tempo, deixamos de sentir o que pensávamos sentir ainda, o fogo desaparece, o prazer da novidade apaga-se, a beleza, que desempenha um papel tão importante no amor, diminui ou deixa de provocar a mesma impressão; a designação de amor permanece, mas já não se trata das mesmas pessoas nem dos mesmos sentimentos; mantêm-se os compromissos por honra, por hábito e por não termos a certeza da nossa própria mudança.
Que pessoas teriam começado a amar-se, se se vissem como se vêem passados uns anos? E que pessoas se poderiam separar se voltassem a ver-se como se viram a primeira vez? O orgulho, que é quase sempre senhor dos nossos gostos,
A Civilização e o Horror ao Vácuo
A expansão imperialista das grandes potências é um facto de crescimento, o transbordar naturalíssimo de um excesso de vidas e de uma sobra de riquezas em que a conquista dos povos se torna simples variante da conquista de mercados. As lutas armadas que daí resultam, perdido o encanto antigo, transformam-se, paradoxalmente, na feição ruidosa e acidental da energia pacífica e formidável das indústrias. Nada dos velhos atributos românticos do passado ou da preocupação retrógrada do heroísmo. As próprias vitórias perderam o significado antigo. São até dispensáveis. (…) Estão fora dos lances de génio dos generais felizes e do fortuito dos combates. Vagas humanas desencadeadas pelas forças acumuladas de longas culturas e do próprio génio de raça, podem golpeá-las à vontade os adversários que as combatem e batem debatendo-se, e que se afogam. Não param. Não podem parar. Impele-as o fatalismo da própria força. Diante da fragilidade dos países fracos, ou das raças incompetentes, elas recordam, na história, aquele horror ao vácuo, com que os velhos naturalistas explicavam os movimentos irresistíveis da matéria. Revelam quase um fenômeno físico. Por isso mesmo nesta expansão irreprimível, não é do direito, nem da Moral com as mais imponentes maiúsculas, nem de alguma das maravilhas metafísicas de outrora que lhes despontam obstáculos.
É Preciso Aprender a Amar
Que se passa para nós no domínio musical? Devemos em primeiro lugar aprender a ouvir um motivo, uma ária, de uma maneira geral, a percebê-lo, a distingui-lo, a limitá-lo e isolá-lo na sua vida própria; devemos em seguida fazer um esforço de boa vontade — para o suportar, mau-grado a sua novidade — para admitir o seu aspecto, a sua expressão fisionómica — e de caridade — para tolerar a sua estranheza; chega enfim o momento em que já estamos afeitos, em que o esperamos, em que pressentimos que nos faltaria se não viesse; a partir de então continua sem cessar a exercer sobre nós a sua pressão e o seu encanto e, entretanto, tornamo-nos os seus humildes adoradores, os seus fiéis encantados que não pedem mais nada ao mundo, senão ele, ainda ele, sempre ele.
Não sucede assim só com a música: foi da mesma maneira que aprendemos a amar tudo o que amamos. A nossa boa vontade, a nossa paciência, a nossa equanimidade, a nossa suavidade com as coisas que nos são novas acabam sempre por ser pagas, porque as coisas, pouco a pouco, se despojam para nós do seu véu e apresentam-se a nossos olhos como indizíveis belezas: é o agradecimento da nossa hospitalidade.