A Mulher dos Vinte Poemas
Perguntam-me sempre quem é a mulher dos «Vinte Poemas». É difícil responder. As duas ou três que se entrelaçam nesta melancólica e ardente poesia correspondem, digamos, a Marisol e Marisombra. Marisol é o idílio da província encantada, com imensas estrelas nocturnas e olhos escuros como o céu molhado de Temuco. É ela que figura, com a sua alegria e a sua vivaz beleza, em quase todas as páginas, rodeada pelas águas do porto e pela meia-lua sobre as montanhas. Marisombra é a estudante da capital. Boina parda, olhos dulcíssimos, o constante aroma a madressilva do errante amor estudantil, o sossego físico dos apaixonados encontros nos esconderijos da urbe.
Textos sobre Encontro de Pablo Neruda
3 resultadosLuto pela Bondade
Quero viver num mundo sem excomungados. Não excomungarei ninguém. Não diria, amanhã, a esse sacerdote: «Você não pode baptizar ninguém porque é anticomunista.» Não diria ao outro: «Não publicarei o seu poema, o seu trabalho, porque você é anticomunista.» Quero viver num mundo em que os seres sejam simplesmente humanos, sem mais títulos além desse, sem trazerem na cabeça uma regra-, uma palavra rígida, um rótulo. Quero que se possa entrar em todas as igrejas, em todas as tipografias. Quero que não esperem ninguém, nunca mais, à porta do município para o deter e expulsar. Quero que todos entrem e saiam sorridentes da Câmara Municipal. Não quero que ninguém fuja em gôndola, que ninguém seja perseguido de motocicleta. Quero que a grande maioria, a única maioria, todos, possam falar, ler, ouvir, florescer. Nunca compreendi a luta senão como um meio de acabar com ela. Nunca aceitei o rigor senão como meio para deixar de existir o rigor. Tomei um caminho porque creio que esse caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura. Luto pela bondade ubíqua, extensa, inexaurível. De tantos encontros entre a minha poesia e a polícia, de todos esses episódios e de outros que não contarei porque repetidos,
Somos o Mistério
No fim desta época, como se toda a longa viagem tivesse sido inútil, volto a ficar sozinho nos territórios recém-descobertos. Como na crise do nascimento, como no começo alarmante e alarmado do terror metafísico donde brota o manancial dos meus primeiros versos, como num novo crepúsculo que a minha própria criação provocou, entro numa nova agonia e na segunda solidão. Para onde ir? Para onde regressar, conduzir, calar ou palpitar? Olho para todos os pontos da claridade e da obscuridade e não encontro senão o vazio que as minhas próprias mãos elaboraram com persistência fatal.
Mas o mais próximo, o mais fundamental, o mais extenso, o mais incalculável, não apareceria, afinal, senão neste momento no meu caminho. Tinha pensado em todos os mundos, mas não no homem. Tinha explorado com crueldade e agonia o coração do homem. Sem pensar nos homens, tinha visto cidades, mas cidades vazias. Tinha visto fábricas de trágico aspecto, mas não vira o sofrimento debaixo dos tectos, sobre as ruas, em todas as estações, nas cidades e no campo.
Às primeiras balas que trespassaram as violas de Espanha, quando, em vez de sons, saíram delas borbotões de sangue, a minha poesia deteve-se como um fantasma no meio das ruas da angústia humana e começou a subir por ela uma torrente de raízes e de sangue.