O Preço do Amor
NĂŁo Ă© fácil estar apaixonado por uma mulher e fazer alguma coisa de jeito. És devorado pela ansiedade. NĂŁo convĂ©m deixares-te embeiçar por uma mulher que se mostre difĂcil de conquistar, isso e como passar o resto da vida a tentar escalar o Everest. Escolhe uma mulher que possas conservar sem muito esforço. Quanto a mulheres boas, podemos comprá-las. Por meia dĂşzia de euros, arranjas uma russa de dezoito anos, dessas que nem nos filmes se veem. Fodes, pagas e regressas a casa para jantar com a famĂlia, com a tua mulher, que cozinha bem e fode mal, mas que nĂŁo lhe passa pela cabeça separar-se de ti, entre outras coisas porque ninguĂ©m a olha com particular interesse. Ela vai Ă s reuniões de pais na escola, controla as AMPAS, as APLAS, todas essas associações que nem sei como se chamam, esses serviços, esse jargĂŁo, esse lixo social-democrata que os do PP copiam com entusiasmo porque soa a famĂlia moderna e feliz, e tambĂ©m um pouco a Opus Dei, e mete os miĂşdos na ordem e sabe escolher o detergente mais eficaz no Mercadona e o melhor queijo e o melhor foie gras de fabrico prĂłprio da charcutaria. Passa-te as camisas a ferro e cose-te os botões.
Textos sobre Escola de Rafael Chirbes
2 resultadosO Amor na Lama
– Esteban, o homem nĂŁo poderia fazer grandes obras sem trabalhos pequenos; na maqueta do carpinteiro está todo o edifĂcio do arquiteto, nĂŁo há profissões grandes e pequenas: alegro-me que tenhas decidido ficar connosco na carpintaria, mas convĂ©m que te lembres disso. NĂŁo te esqueças de que Deus tambĂ©m se senta numa cadeira e come a uma mesa e dorme numa cama. Como qualquer um. Pode prescindir dos retábulos, das estátuas e dos livros que lhe dedicam, incluindo a BĂblia, mas nĂŁo da cadeira, da mesa e da cama. — O meu tio esforçava-se muito. Queria que eu me sentisse bem na profissĂŁo. Que começasse a gostar dela. Acreditava que eu vivia como um fracasso a decisĂŁo de ter abandonado a Escola de Belas–Artes. IntuĂa certamente que eu precisava de desenvolver a minha autoestima. Mas tudo isso me parecia mera retĂłrica — e era-o —, a verdade Ă© que por essa altura já tinha começado a sair com Leonor e era ela quem eu amava, aprendia a gostar de mim atravĂ©s dela. Descobria o meu corpo em cada palmo do corpo dela, e o meu corpo ganhava valor porque lhe pertencia, era o seu complemento: acreditava que partilhávamos dois corpos que jamais poderiam separar-se e viver cada um por si.