Luta de Classes
NĂŁo contem comigo para defender o elitismo cultural. Pelo contrĂĄrio, contem comigo para rebentar cada detalhe do seu preconceito.
A cultura Ă© usada como sĂmbolo de status por alguns, alfinete de lapela, botĂŁo de punho. A raridade Ă© condição indispensĂĄvel desse exibicionismo. SĂł pertencendo a poucos se pode ostentar como diferenciadora. Essa colecção de sĂmbolos Ă© descrita com pronĂșncia mais ou menos afectada e tem o objectivo de definir socialmente quem a enumera.
Para esses indivĂduos raros, a cultura Ă© caracterizada por aqueles que a consomem. Assim, convĂ©m nĂŁo haver misturas. Conheço melhor o mundo da leitura, por isso, tomo-o como exemplo: se, no inĂcio da madrugada, uma dessas mulheres que acorda cedo e faz limpeza em escritĂłrios for vista a ler um determinado livro nos transportes pĂșblicos, os snobs que assistam a essa imagem sĂŁo capazes de enjeitĂĄ-lo na hora. ComeçarĂŁo a definir essa obra como “leitura de empregadas de limpeza” (com muita probabilidade utilizarĂŁo um sinĂłnimo mais depreciativo para descrevĂȘ-las).
Este exemplo aplica-se em qualquer outra ĂĄrea cultural que possa chegar a muita gente: mĂșsica, cinema, televisĂŁo, etc. Aquilo que mais surpreende Ă© que estes “argumentos”, esta forma de falar e de pensar seja utilizada em meios supostamente culturais por indivĂduos supostamente cultos,
Textos sobre Escrita de JosĂ© LuĂs Peixoto
4 resultadosNa Leitura e na Escrita Encontramo-nos Todos naquilo que Temos de Mais Humano
A escrita, ou a arte, para ser mais abrangente, cumpre funçÔes que mais nenhuma ĂĄrea consegue cumprir. (…) Sinto que hĂĄ poucas experiĂȘncias tĂŁo interessantes como quando se lĂȘ um livro e se percebe “jĂĄ senti isto, mas nunca o tinha visto escrito”, procurar isso, ou procurar escrever textos que façam sentir isso, Ă© uma das minhas buscas permanentes. Trata-se de ordenar, de esquematizar, nĂŁo sĂł sentimentos como ideias que temos de uma forma vaga mas que entendemos melhor quando os vemos em palavras. Trata-se tambĂ©m de construir empatia: atravĂ©s da leitura temos oportunidade de estar na pele de outras pessoas e de sentir coisas que nĂŁo fazem parte da nossa vida, mas que no momento em que lemos conseguimos perceber como Ă©. E isso faz-nos ser mais humanos. Na leitura e na escrita encontramo-nos todos naquilo que temos de mais humano.
Tem de se Ser Verdadeiro na Escrita
Tem de se ser verdadeiro na escrita, porque os leitores sentem. A mentira Ă© impossĂvel na boa literatura. E o que procuro, mais do que a beleza ou qualquer outra coisa, Ă© a verdade, livro apĂłs livro, tentando desvendar um pouco mais de mim e esperando que essa possa ser uma forma de desvendar alguma coisa dos outros e que eles tambĂ©m se vejam reflectidos nessa procura que faço.
Ao Longo da Escrita deste Livro
No ano passado, em outubro, talvez a 27, sei que foi a uma terça-feira, a minha mĂŁe incentivou-me a dar um passeio. HĂĄ muito que desistiu de me dissuadir dos livros, tanto lĂȘs que treslĂȘs, mas mantĂ©m o hĂĄbito de, cuidadosa, depois de bater Ă porta com pouca força, entrar no meu quarto e perguntar: nĂŁo te apetece dar um passeio? Na maioria das vezes, nĂŁo tenho disposição para lhe responder mas, nessa tarde, estava a meio de um capĂtulo altruĂsta e decidi fazer-lhe a vontade. O volante do carro, as minhas mĂŁos a sentirem todas as pedras quase como se estivesse a deslizĂĄ-las na estrada. Estacionei no campo, a pouca distĂąncia de um grupo de homens e mulheres, botas de borracha, que estavam a apanhar azeitona. Espalhavam uma gritaria animada que nĂŁo se alterou quando saĂ do carro e me aproximei, boa tarde. Uma vantagem do meu nome Ă© que dispenso alcunha. Olha o Livro, boa tarde. O sol estava a pĂŽr-se. Troquei graças, enquanto dois homens recolheram os panĂ”es carregados debaixo da Ășltima oliveira e os levaram Ă s costas.
Não esqueço o que vi a seguir. As mulheres dobraram os panÔes vazios e dispuseram-nos na terra, em forma de corredor.