A Embriaguez dos Progressos TĂ©cnicos
Parece-me que confundem fim e meio os que se assustam em demasia com os nossos progressos técnicos. Quem luta com a única esperança de recolher bens materiais, efectivamente não recolhe nada que valha a pena viver. A máquina não é um fim, é uma ferramenta como a charrua. Se acreditamos que a máquina destrói o homem, é que talvez careçamos de algum recuo para julgarmos os efeitos de transformações tão rápidas como as que sofremos.
Textos sobre Esperança de Antoine de Saint-Exupéry
4 resultadosMiseráveis Macabros
É que não foram tão poucas como isso as vezes que vi a piedade enganar-se. Nós, que governamos os homens, aprendemos a sondar-lhes os corações, para só ao objecto digno de estima dispensarmos a nossa solicitude. Mais não faço do que negar essa piedade às feridas de exibição que comovem o coração das mulheres. Assim como também a nego aos moribundos, e além disso aos mortos. E sei bem porquê.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas suas Ăşlceras. AtĂ© chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bálsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longĂnqua unguentos derivados do ouro, que tĂŞm a virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi assim atĂ© descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportável fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pĂşstulas, como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de pĂşrpura. Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridĂŁo e gabavam-se das esmolas recebidas.
Aquele que mais ganhara comparava-se a si prĂłprio ao sumo sacerdote que expõe o Ădolo mais prendado. Se consentiam em consultar o meu mĂ©dico, era na esperança de que o cancro deles o surpreendesse pela pestilĂŞncia e pelas proporções.
A Vaidade da Tua Imagem
Só podes ter esperanças de ser fiel se sacrificares a vaidade da tua imagem. É dizeres: «Eu penso como eles, sem distinção.» Ver-te-ás desprezado. Mas sendo, como és, parte desse corpo, queres lá saber do desprezo! Em vez de te importares com ele, agirás sobre esse corpo. E carregá-lo-ás com a tua própria inclinação. E irás buscar a tua honra à honra deles. Porque não há outra coisa a esperar.
Se tens motivos para teres vergonha, não te exponhas. Não fales. Rumina a tua vergonha. Essa indigestão que te forçará a restabeleceres-te na tua casa é excelente. Porque depende de ti. Mas aquele acolá tem os membros doentes. Que faz ele? Manda cortar os quatro membros. É doido. Podes procurar a morte para que ao menos em ti respeitem os teus. Mas não podes renegá-los, porque então é a ti que te renegas.
Cerimonial do Amor
Se nĂŁo houver esperanças de que o teu amor seja recebido, o que tens a fazer Ă© nĂŁo o declarar. Poderá desenvolver-se em ti, num ambiente de silĂŞncio. Esse amor proporciona-te entĂŁo uma direcção que permite aproximares-te, afastares-te, entrares, saĂres, encontrares, perderes. Porque tu Ă©s aquele que tem de viver. E nĂŁo há vida se nenhum deus te criou linhas de força.
Se o teu amor não é recebido, se ele se transforma em súplica vã como recompensa da tua fidelidade, se não tens coração para te calares, nessa altura vai ter com um médico para ele te curar. É bom não confundir o amor com a escravatura do coração. O amor que pede é belo, mas aquele que suplica é amor de criado.
Se o teu amor esbarra com o absoluto das coisas, se por exemplo tem de franquear a impenetrável parede de um mosteiro ou do exĂlio, agradece a Deus que ela por hipĂłtese retribua o teu amor, embora na aparĂŞncia se mostre surda e cega. Há uma lamparina acesa para ti neste mundo. Pouco me importa que tu nĂŁo possas servir-te dela. Aquele que morre no deserto tem a riqueza de uma casa longĂnqua, embora morra.