O Amor e a Vida
O amor Ă© uma imagem da nossa vida. Tanto o primeiro como a segunda estĂŁo sujeitos Ă s mesmas revoluções e mudanças. A sua juventude Ă© resplandecente, alegre e cheia de esperanças porque somos felizes por ser jovens tal como somos felizes por amar. Este agradabilĂssimo estado leva-nos a procurar outros bens muito sĂłlidos. NĂŁo nos contentamos nessa fase da vida com o facto de susbsistirmos, queremos progredir, ocupamo-nos com os meios para nos aperfeiçoarmos e para assegurar a nossa boa sorte. Procuramos a protecção dos ministros, mostrando-nos solĂcitos e nĂŁo aguentamos que outrem queira o mesmo que temos em vista. Este estĂmulo cumula-nos de mil trabalhos e esforços que logo se apagam quando alcançamos o desejado. Todas as nossas paixões ficam entĂŁo satisfeitas e nem por sombras podemos imaginar que a nossa felicidade tenha fim.
No entanto, esta felicidade raramente dura muito e fatiga-se da graça da novidade. Para possuirmos o que desejámos nĂŁo paramos de desejar mais e mais. Habituamo-nos ao que temos, mas os mesmos haveres nĂŁo conservam o seu preço, como nem sempre nos tocam do mesmo modo. Mudamos imperceptivelmente sem disso nos apercebermos. O que já adquirimos torna-se parte de nĂłs mesmos e sofrerĂamos muito com a sua perda,
Textos sobre Estado de François de La Rochefoucauld
4 resultadosSobre a Diferença dos EspĂritos
Apesar de todas as qualidades do espĂrito se poderem encontrar num grande espĂrito, algumas há, no entanto, que lhe sĂŁo prĂłprias e especĂficas: as suas luzes nĂŁo tĂŞm limites, actua sempre de igual modo e com a mesma actividade, distingue os objectos afastados como se estivessem presentes, compreende e imagina as coisas mais grandiosas, vĂŞ e conhece as mais pequenas; os seus pensamentos sĂŁo elevados, extensos, justos e intelegĂveis; nada escapa Ă sua perspicácia, que o leva sempre a descobrir a verdade, atravĂ©s das obscuridades que a escondem dos outros. Mas, todas estas grandes qualidades nĂŁo impedem por vezes que o espĂrito pareça pequeno e fraco, quando o humor o domina.
Um belo espĂrito pensa sempre nobremente; produz com facilidade coisas claras, agradáveis e naturais; torna visĂveis os seus aspectos mais favoráveis, e enfeita-os com os ornamentos que melhor lhes convĂŞm; compreende o gosto dos outros e suprime dos seus pensamentos tudo o que Ă© inĂştil ou lhe possa desagradar. Um espĂrito recto, fácil e insinuante sabe evitar e ultrapassar as dificuldades; adapta-se facilmente a tudo o que quer; sabe conhecer e acompanhar o espirito e o humor daqueles com quem priva e ao preocupar-se com os interesses dos amigos,
A Preguiça
De todas as paixões a que nos Ă© mais incĂłgnita Ă© a preguiça. É a mais ardente e a mais maligna de todas, ainda que a sua violĂŞncia seja imperceptĂvel e que os seus danos se escondam. Se observarmos com atenção o seu poder, notaremos que ela se torna sempre mestra dos nossos sentimentos, dos nossos interesses e dos nossos desejos. Ela Ă© a demora que tem a força para fazer parar os maiores navios, Ă© uma calmaria mais perigosa para as grandes empresas do eu do que os bancos de areia e do que as maiores tempestades. O repouso dado pela preguiça Ă© uma sedução secreta da alma, que pára de repente as lutas mais inflamadas e as resoluções mais obstinadas. Enfim, para se dar uma verdadeira ideia desta paixĂŁo, Ă© preciso dizer que a preguiça Ă© como que um estado de beatitude da alma, consolando-a das suas perdas e ocupando o lugar de todos os bens.
Sobre o Falso
Somos falsos de maneiras diferentes. Há homens falsos que querem parecer sempre o que nĂŁo sĂŁo. Outros há de melhor fĂ©, que nasceram falsos, se enganam a si prĂłprios o nunca vĂŞem as coisas tal como sĂŁo. Há alguns cujo espĂrito Ă© estreito e o gosto falso. Outros tĂŞm o espĂrito falso, mas alguma correcção no gosto. E ainda há outros que nĂŁo tĂŞm nada de falso, nem no gosto nem no espĂrito. Estes sĂŁo muito raros, já que, em geral, nĂŁo há quase ninguĂ©m que nĂŁo tenha alguma falsidade algures, no espĂrito ou no gosto.
O que torna essa falsidade tĂŁo universal, Ă© que as nossas qualidades sĂŁo incertas e confusas e a nossa visĂŁo tambĂ©m: nĂŁo vemos as coisas tal como sĂŁo, avaliamo-las aquĂ©m ou alĂ©m do que elas valem e nĂŁo as relacionamos connosco da forma que lhes convĂ©m e que convĂ©m ao nosso estado e Ă s nossas qualidades. Esse erro de cálculo traz consigo um nĂşmero infinito de falsidades no gosto e no espĂrito: o nosso amor-prĂłprio lisonjeia-se como tudo que se nos apresenta sob a aparĂŞncia de bem; mas como há várias formas de bem que sensibilizam a nossa vaidade ou o nosso temperamento,