Textos sobre Estúpidos

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Textos de estúpidos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Alma é o Bem Supremo

Devemos circunscrever o bem supremo à alma: degradá-lo-emos se em vez da melhor parte de nós o associarmos antes à pior, se o pusermos na dependência dos sentidos que nos animais sem fala são bem mais apurados do que no homem. Não devemos atribuir ao corpo o ponto mais alto da nossa felicidade; os bens verdadeiros são aqueles que devemos à razão – bens firmes e duradouros, insusceptíveis de decadência, incapazes de padecerem qualquer decréscimo ou limitação! Os restantes bens são-no somente na opinião do vulgo; na realidade apenas têm de comum o nome com os bens verdadeiros, mas carecem das propriedades que distinguem um «bem» real. Chamemos-lhes antes «utilidades» ou, para usar o termo técnico, «recursos desejáveis», mas sem perder de vista que se trata de «utensílios», não de partes de nós mesmos; tenhamo-los à mão, mas sem esquecer que são exteriores a nós; e mesmo tendo-os à mão atribuamos-lhes um lugar subalterno e secundário, como coisas de que ninguém se deve orgulhar. Há coisa mais estúpida do que nos vangloriarmos de algo que não fizemos? Deixemos que todos esses falsos bens nos caibam em sorte mas sem se colarem a nós de modo a que, se ficarmos sem eles,

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Não Sou Digno de um Anjo Tão Doce como Tu

Bom dia, anjo querido, beijo-te muito. Pensei em ti durante todo o caminho. Acabo de chegar. Sinto-me cansado e instalei-me para te escrever. Acabam de trazer-me chá, e água para me lavar, mas no intervalo escrevo-te umas linhas. (…) Na sala de espera da estação andei de lá para cá a pensar em ti e dizia comigo: mas porque deixei eu a minha Anuska?
Recordava tudo, até ao mais ínfimo escaninho da tua alma e do teu coração. Desde que casámos que descobri não ser digno de um anjo tão doce, tão belo, tão puro como tu – e que crê em mim. Como pude eu deixar-te? Para onde vou? Porquê? Deus confiou-te a mim para que nenhuma das riquezas da tua alma se perdesse – pelo contrário, para que tudo se desenvolva e floresça rica e esplendorosamente. Deus entregou-te a mim para que, por ti, eu resgate os meus enormes pecados, ao apresentar-te a Ele amadurecida, conservada, salva de tudo o que é baixo e ofende o espírito. E eu (…) eu o que faço é perturbar-te com coisas tão estúpidas como a minha viagem a este lugar.

A Realidade é um Bocado de Sol Simples

É preciso criar abismos, para a humanidade que os não sabe saltar se engolfar neles para sempre.
Criar todos os prazeres, os mais artificiais possível, os mais estúpidos possível, para que a chama atraia e queime.
O problema da sobrepovoação, o problema da sobreprodução eliminam-se criando-se focos de eliminação humana (por meio de todos os vícios), criando focos de inércia humana (por meio de todas as seduções). Fazer suicidas, eis a grande solução sociológica.
É facil ouvir de qualquer megera limpa que «não crê na Lei de Cristo», é animá-la em seguir a não-lei de Cristo. Em três anos está gasta e finda, e então descobre que o pior de não seguir a lei de Cristo é que os outros a não seguem também. E o caixote do lixo recebe-a como às teorias dos mestres a quem ela ensinou.
É nosso dever de sociólogos untar o chão, ainda que seja com lágrimas, para que escorreguem nele os que dançam.
E comunistas, batonnières dos beiços, humanitários, cultos do internacionalismo – tudo isso colabora ardentemente na eliminação deles mesmos que se precisa. Depois, dos recantos das províncias, onde tomam chá com a família, ou lavram as terras sem teorias nem desejos,

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A Instabilidade e Imprevisibilidade do Nosso Comportamento

Não deveis estranhar se hoje vedes poltrão aquele que ontem vistes tão intrépido: ou a cólera, ou a necessidade, ou a companhia, ou o vinho, ou o som de uma trombeta, tinham-lhe incutido coragem. Não se trata de uma coragem que a razão haja modelado; foram as circunstâncias que lhe deram consistência; não espanta, pois, que circunstâncias contrárias a tenham transformado.
Esta tão flexível variação e estas contradições que em nós se vêem, fizeram com que alguns imaginassem termos duas almas, e que outros supusessem que dois poderes nos acompanham e agitam, cada qual à sua maneira, um tendendo para o bem, o outro para o mal, já que tão brutal diversidade não poderia atribuir-se a uma só entidade.
Não somente o vento dos acidentes me agita consoante a direcção para que sopra, mas, ademais, eu agito-me e perturbo-me a mim próprio pela instabilidade da minha postura; e quem, antes do mais, se observar, nunca se achará duas vezes no mesmo estado. Confiro à minha alma ora um rosto ora outro, conforme o lado sobre que a pousar. Se falo de mim de diferentes maneiras é porque de maneiras diferentes me observo. Toda a sorte de contradições se podem encontrar em mim sob algum ponto de vista e sob alguma forma.

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A Necessidade da Mentira

A imoralidade da mentira não consiste na violação da sacrossanta verdade. Ao fim e ao cabo, tem direito a invocá-la uma sociedade que induz os seus membros compulsivos a falar com franqueza para, logo a seguir, tanto mais seguramente os poder surpreender. À universal verdade não convém permanecer na verdade particular, que imediatamente transforma na sua contrária. Apesar de tudo, à mentira é inerente algo repugnante cuja consciência submete alguém ao açoite do antigo látego, mas que ao mesmo tempo diz algo acerca do carcereiro. O erro reside na excessiva sinceridade. Quem mente envergonha-se, porque em cada mentira deve experimentar o indigno da organização do mundo, que o obriga a mentir, se ele quiser viver, e ainda lhe canta: “Age sempre com lealdade e rectidão”.
Tal vergonha rouba a força às mentiras dos mais subtilmente organizados. Elas confundem; por isso, a mentira só no outro se torna imoralidade como tal. Toma este por estúpido e serve de expressão à irresponsabilidade. Entre os insidiosos práticos de hoje, a mentira já há muito perdeu a sua honrosa função de enganar acerca do real. Ninguém acredita em ninguém, todos sabem a resposta. Mente-se só para dar a entender ao outro que a alguém nada nele importa,

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A Beleza ou a Excitação Aparecem no Mundo por Omissão

O que faz quando lê? Vou dar-lhe já a resposta: a sua leitura deixa de lado aquilo que não lhe convém. O mesmo fez já o autor antes. Omitem-se também coisas nos sonhos e na imaginação. Daqui concluo: a beleza ou a excitação aparecem no mundo por omissão. Parece evidente que o modo como nos situamos na realidade corresponde a um compromisso, um estado intermédio em que os sentimentos se impedem mutuamente de chegar a paixões e se misturam em tons de cinzento. As crianças que desconhecem este modo de estar no mundo são, por isso, mais e menos felizes do que os adultos. E acrescento já: também as pessoas estúpidas omitem; como se sabe, a estupidez faz-nos felizes.

O Amor é um Acidente, uma Renúncia, um Hábito, uma Maldição

O amor é um acidente.
Eu estava sentada no regaço de uma mulher de cobre, uma escultura de Henry Moore, e Bill debruçou-se sobre mim e beijou-me nos lábios. E de repente eu amava-o. Amava-o e só isso importava. Reparei nas mãos dele, mãos de pianista. Mãos preparadas para o amor. Ainda hoje gosto de lhe ver as mãos enquanto folheia um livro, enquanto lê um jornal. As mãos dele envelheceram, envelheceram a apertar outras mãos, milhares de outras mãos, a jogar golfe, a assinar autógrafos e documentos importantes. Envelheceram, sim, mas continuam belas. Continuam a excitar-me.
O amor é uma renúncia. Amar alguém é desistir de amar outros, é desistir por esse amor do amor de outros. Eu desisti de tudo. A partir desse dia dei-lhe todos os meus dias. Entreguei-lhe os meus sonhos, os meus segredos, as minhas convicções mais profundas. Não me queixo!
Não sou ingénua nem estúpida. Quando digo que o amor é uma renúncia, quero dizer que foi assim para mim. Para Bill foi sempre uma outra coisa. Eu sabia que ele reparava noutras mulheres, e que outras mulheres reparavam nele. Um homem feio, com poder, é quase bonito. Um homem bonito,

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O Orgulho Nacional

O tipo mais barato de orgulho é o orgulho nacional. Ele trai naquele que por ele é possuído a ausência de qualidades individuais, das quais ele se poderia orgulhar; caso contrário, não recorreria àquelas que compartilha com tantos milhões. Quem possui méritos pessoais distintos reconhecerá, antes, de modo mais claro, os defeitos da sua própria nação, pois sempre os tem diante dos olhos. Mas todo o pobre-diabo, que não tem nada no mundo de que se possa orgulhar, agarra-se ao último recurso, o de se orgulhar com a nação à qual pertence; isso faz com que se sinta recuperado e, na sua gratidão, pronto para defender com unhas e dentes todos os defeitos e desvarios próprios à tal nação. Desse modo, de cinquenta ingleses, por exemplo, haverá no máximo um que concordará connosco quando falarmos, com justo desprezo, da beatice estúpida e degradante da sua nação; mas esta única excepção será com certeza um homem de cabeça.

A Amizade Exercita-se

É um erro desejar ser compreendido antes de se ser elucidado por si mesmo a seus próprios olhos. É procurar prazeres na amizade, e não méritos. É qualquer coisa de mais corruptor ainda do que o amor. Venderias a tua alma por amor.
Aprende a repelir a amizade, ou melhor, o sonho da amizade. Desejar a amizade é um grande erro. A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que a arte ou a vida oferecem. É preciso recusá-la para se ser digno de a receber: ela é da categoria da graça («Meu Deus, afastai-vos de mim…»). É dessas coisas que são dadas por acréscimo. Toda a ilusão de amizade merece ser destruída. Não é por acaso que nunca foste amado… Desejar escapar à solidão é uma cobardia. A amizade não se procura, não se imagina, não se deseja; exercita-se (é uma virtude). Abolir toda esta margem de sentimento, impura e enevoada. Schluss!
Ou melhor (pois não é necessário desbastar-se a si mesmo rigorosamente), tudo o que, na amizade, não passe por alterações efectivas deve passar por pensamentos ponderados. É absolutamente inútil privar-se da virtude inspiradora da amizade. O que deve ser severamente proibido, é sonhar com os prazeres do sentimento.

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As Virtudes da Cidade

Amo o ruído e a constante agitação das grandes cidades. O movimento contínuo obriga à observação dos costumes. O ladrão, por exemplo, ao ver toda a actividade humana, pensa involuntariamente que é um patife, e esta imagem alegre em movimento pode vir a melhorar a sua natureza decadente e arruinada. O boémio sente-se talvez mais modesto e pensativo quando vê todas as forças produtivas, e o devasso diz possivelmente a si mesmo, quando lhe salta aos olhos a docilidade das massas, que não é mais do que um sujeito miserável, estúpido e vaidoso, que só sabe ufanar-se com soberba. As grandes cidades ensinam, educam, e não com doutrinas roubadas aos livros. Não há aqui nada de académico, o que é lisonjeiro, pois o saber acumulado rouba-nos a coragem.
E depois há aqui tanto que incentiva, que sustenta e ajuda. Quase não conseguimos dizê-lo. É tão difícil dar uma expressão viva ao que é refinado e bom. Agradecemos as nossas vidas modestas, sentimo-nos sempre um pouco gratos quando somos empurrados, quando temos pressa. Quem tem tempo para esbanjar não sabe o que o tempo significa, é por natureza um ingrato. Nas grandes cidades qualquer moço de recados conhece o valor do tempo e nenhum ardina quer perder o seu tempo.

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A Vida é uma Busca

A vida é uma busca — uma busca constante, uma busca desesperada, uma busca sem esperança, uma busca de algo que não se sabe o que é. Há um forte impulso para procurar, mas não se sabe o que se procura. E há um certo estado de espírito em que nada daquilo que consegue lhe dará qualquer satisfação. A frustração parece ser o destino da humanidade, porque tudo aquilo que se obtém perde o sentido no momento exacto em que se consegue. Começa-se novamente a procurar.
A busca continua, quer se consiga alguma coisa ou não. Parece ser irrelevante o que se tem e o que não se tem, pois a busca continua de qualquer maneira. Os pobres andam à procura, os ricos andam à procura, os doentes andam à procura, os que estão bem andam à procura, os poderosos andam à procura, os estúpidos andam à procura, os sensatos andam à procura – e ninguém sabe exactamente de quê.

Essa mesma procura — o que é e porque existe — tem de ser compreendida. Parece haver um hiato no ser humano, na mente humana. Na própria estrutura da consciência humana parece haver um buraco, um buraco negro.

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Os Dias Bons

Os dias bons são os dias em que se acorda, tendo dormido oito, nove ou, melhor ainda, dez horas e, reflectindo naquela ronha de quem já não consegue dormir mais mas gosta de ficar na cama (porque a temperatura e a companhia são perfeitas), se lembra que não tem nada para fazer, senão tomar o pequeno-almoço, o almoço, o chá e o jantar. E, se quiser, entretanto, nalgum intervalo qualquer, trabalhar, tanto melhor. Mas não importa. Dias de domingos antigos: dias de prazer sem saber.
Os dias bons nunca acontecem. Acontecem, quando muito, cinco ou dez mil vezes numa vida. Três míseros anos já têm mais de mil. Domingo, daqui a uma semana, terei a sorte nunca tida de estar casado e feliz com a Maria João há 12 anos. Doze anos cheios de dias bons, impossíveis de contar.
O amor, para quem é mais novo e não sabe como fazer, não é uma técnica ou uma táctica. Não há segredo. Não há lições. Ou se ama ou não se ama. Ou se é também amado ou não se é. Esperar é o melhor conselho. Experimentar é o pior. O segredo não é ter paciência: é conseguir manter a impaciência num estado de excelsitude.

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Reformar é não Ter Emenda Possível

Todo o dia, em toda a sua desolação de nuvens leves e mornas, foi ocupado pelas informações de que havia revolução. Estas notícias, falsas ou certas, enchem-me sempre de um desconforto especial, misto de desdém e de náusea física. Dói-me na inteligência que alguém julgue que altera alguma coisa agitando-se. A violência, seja qual for, foi sempre para mim uma forma esbugalhada de estupidez humana. Depois, todos os revolucionários são estúpidos, como, em grau menor, porque menos incómodo, o são todos os reformadores.
Revolucionário ou reformador – o erro é o mesmo. Impotente para dominar e reformar a sua própria atitude para com a vida, que é tudo, ou o seu próprio ser, que é quase tudo, o homem foge para querer modificar os outros e o mundo externo. Todo o revolucionário, todo o reformador, é um evadido. Combater é não ser capaz de combater-se. Reformar é não ter emenda possível.
O homem de sensibilidade justa e recta razão, se se acha preocupado com o mal e a injustiça do mundo, busca naturalmente emendá-la, primeiro, naquilo em que ela mais perto se manifesta; e encontrará isso em seu próprio ser. Levar-lhe-á essa obra toda a vida.
Tudo para nós está em nosso conceito do mundo;

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Um Verdadeiro Amigo

Um verdadeiro amigo é uma coisa tão vantajosa, mesmo para os maiores senhores, para dizer bem deles e os defender mesmo na sua ausência, que devem fazer tudo para os ter. Mas que escolham bem; pois, se fizerem todos os seus esforços por estúpidos, isso ser-lhes-á inútil, por muito bem que digam deles; e mesmo não dirão bem se se sentirem mais fracos, pois não terão autoridade; e assim dirão também mal por companhia.

As Saudades Curtas

Também as versões-formiga dos maiores sentimentos têm tanto direito ao respeito como os leões e as impalas. Até por serem muito mais numerosas e frequentes, como está a multidão de insectos para com a pequena minoria dos vertebrados.
A minha formiguinha emocional são as saudades curtas que eu tenho da Maria João. Plenas não posso ter, graças a ela e a Deus, porque são poucos os momentos em que ela não está comigo. Mesmo não sendo muitas, essas faltas, por muito felizmente pequenas e provocadas pela necessidade, são suficientes para incutir em mim a dor, nem que seja por cinco minutos apenas, de estar separado dela.
Parecem estúpidas as saudades curtas. São certamente insensíveis e solipsistas, perante as saudades longas e profundas, que não têm cura nem, por serem insolúveis, têm a esperança de, um dia, deixarem de existir.
São saudades de uma hora, de um almoço perdido, de uma tarde interrompida. Parecem irracionais e ingratas, estas saudades curtas, de que sofrem as pessoas apaixonadas e felizes ou infelizes.
Mas não são. Daqui a um X número de horas, vou morrer. Daqui a um Y número de horas, vai morrer a Maria João. Morra quem morra,

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As Janelas da Memória

A memória humana não é lida globalmente, como a memória dos computadores, mas por áreas específicas a que chamo de janelas. Através das janelas vemos, reagimos, interpretamos… Quantas vezes tentamos lembrar-nos de algo que não nos vem à ideia? Nesse caso, a janela permaneceu fechada ou inacessível.

A janela da memória é, portanto, um território de leitura num determinado momento existencial. Em cada janela pode haver centenas ou milhares de informações e experiências. O maior desafio de uma mulher, e do ser humano em geral, é abrir o máximo de janelas em cada situação. Se ela abre diversas janelas, poderá dar respostas inteligentes. Se as fecha, poderá dar respostas inseguras, medíocres, estúpidas, agressivas. Somos mais instintivos e animalescos quando fechamos as janelas, e mais racionais quando as abrimos.

O mundo dos sentimentos possui as chaves para abrir as janelas. O medo, a tensão, a angústia, o pânico, a raiva e a inveja podem fechá-las. A tranquilidade, a serenidade, o prazer e a afetividade podem abri-las. A emoção pode fazer os intelectuais reagirem como crianças agressivas e as pessoas simples reagirem como elegantes seres humanos. Sob um foco de tensão, como perdas e contrariedades, uma mulher serena pode ficar irreconhecível.

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O Preço da Elevada Conduta

Conduta e carácter do homem vulgar: nunca em si próprio busca proveito ou pena, antes se atém às coisas exteriores. Conduta e carácter do filósofo: todo o proveito e pena surtem do íntimo de si próprio.
Sinais daquele que evolui: não insulta ninguém, não louva ninguém, não se queixa de ninguém, não acusa ninguém, nada diz de si próprio como coisa importante – e nunca afirma saber o que quer que seja. Quando embaraçado e contrariado, só a si próprio se responsabiliza. Se o louvam, ri-se discretamente de quem o louva – e se o insultam, de nada se justifica. Comporta-se como os convalescentes, e teme enfraquecer o que se consolida antes de recuperar toda a sua firmeza.
Suprimiu em si qualquer espécie de vontade, e animosidades também: só faz pairar uma e outras sobre as únicas coisas que, contrárias à natureza, dependem de nós. Os seus arrebatamentos quase nunca o são. E caso o tenham na conta de estúpido ou ignorante – nenhuma inquietação o toma. Numa palavra: desafia-se a si próprio como se fora um inimigo de quem temesse várias armadilhas.

Até a Pessoa Amada Voltar

Até ela, a pessoa amada, voltar, o tempo não corre como costuma correr. Atrasa-se e detém-se. Suspende-se e atrapalha-nos. Move-se de um lado para o outro. Arrasta os lugares: aqueles onde ela está e aquele (a nossa casa) onde eu espero por ela.

Esperar é um sofrimento mas também se aprende a esperar. Olhar para um relógio é a pior coisa que se pode fazer porque esses quantificadores malévolos são contabilistas automatizados que sabem contar todos os tempos, excepto os tempos de quem ama, espera e tem medo.

Não são capazes de contar os tempos de todas as pessoas dotadas de um corpo com coração e alma. Que somos todos, quer queiramos, quer não. Quem é que quer? Ninguém. E de que nos serve? De nada. Até ela, a pessoa amada, voltar, a única coisa que podemos fazer é a que mais nos custa: esperar que ela volte. Mas quando é que ela volta? Os minutos podem não ser anos mas os quartos-de-hora são semanas inteiras.

Mesmo saber que ela, a pessoa amada, voltará é difícil. Até acreditamos que queira voltar. Mas preocupamo-nos: e se ela não puder voltar? Pensar nisso é como morrer vivo sem pensar nisso.

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O Ciclo do Progresso

Da sociedade e do luxo que ela engendra, nascem as artes liberais e mecânicas, o comércio, as letras, e todas essas inutilidades que fazem florescer a indústria, enriquecem e perdem os Estados. A razão desse deperecimento é muito simples. É fácil ver que, pela sua natureza, a agricultura deve ser a menos lucrativa de todas as artes, porque, sendo o seu produto de uso mais indispensável para todos os homens, o preço deve estar proporcionado às faculdades dos mais pobres. Do mesmo princípio pode-se tirar a regra de que, em geral, as artes são lucrativas na razão inversa da sua utilidade, e de que as mais necessárias, finalmente, devem tornar-se as mais negligenciadas. Por ai se vê o que se deve pensar das verdadeiras vantagens da indústria e do efeito real que resulta dos seus progressos. Tais são as causas sensíveis de todas as misérias em que a opulência precipita, finalmente, as nações mais admiradas.
À medida que a indústria e as artes se estendem e florescem, o cultivador desprezado, carregado de impostos necessários à manutenção do luxo, e condenado a passar a vida entre o trabalho e a fome, abandona o campo para ir procurar na cidade o pão que devia levar para lá.

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Como Manipular um Público

Segundo uma lei conhecida, os homens, considerados colectivamente, são mais estúpidos do que tomados individualmente. Numa conversa a dois, convém que respeitemos o parceiro, mas essa regra de conduta já não é tão indispensável num debate público em que se trata de dispor as massas a nosso favor.

Há uns anos, um político pagou a figurantes para o aplaudirem numa concentração. Como bom profissional, compreendera que uma claque, embora não melhore o discurso, predispõe melhor os espectadores a descobrirem os seus méritos. O mimetismo é a mola principal para mover as massas no sentido do entusiasmo, do respeito ou do ódio. Mesmo perante um pequeno público de trinta pessoas, há sempre algo de religioso que provém da coagulação dos sentimentos individuais em expressão colectiva. No meio de um grupo, é necessária uma certa energia para pensar contra a maioria e coragem para exprimir abertamente essa opinião.
Os manipuladores de opinião ou, para utilizar uma palavra mais delicada, os comunicadores, sabem que, para conduzir mentalmente uma assembleia numa determinada direcção, é necessário começar por agir sobre os seus líderes. A primeira tarefa consiste em determinar quem são, apesar de eles próprios não o saberem. Um manipulador não tarda a distinguir o punhado de indivíduos em que pode apoiar-se para influenciar os outros.

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