Os que Morrem por Amor
Os que morrem por amor continuam a pertencer à lenda. Os seus funerais arrastam uma multidão piedosa, tal como decerto aconteceu na cidade de Verona, há seiscentos anos. Ainda que nesse tempo os costumes fossem bastante fáceis, a prática erótica da juventude era muito mais modesta. Reflectindo melhor, é de crer que a própria licença produzisse um tipo de pessoas orgulhosas da sua intimidade afectiva; o que, se não é virtude, algo se parece. Este orgulho da própria intimidade conduz a uma atitude hostil em relação a tudo o que pode burocratizar os sentimentos. Há um sociólogo inclinado a crer que existe muito de romantismo burocrático no amor moderno. É possível. E quando aparecem os contestatários dessa espécie de burocracia, como são os Romeus e Julietas do Candal, a cidade fica-lhes agradecida. No campo dos afectos trata-se da luta obstinada que resulta do choque entre a vida privada e o regime governativo; entre um corpo animado de impulsos e uma autoridade explicada por leis. Através de inquéritos feitos nos meios juvenis para inquirir das transformações que se efectuam no âmbito das relações afectivas, deparam-se declarações bastante confusas. Elas pairam entre uma sinceridade elementar que descura a experiência e teorias perfeitamente viciadas nos lugares-comuns do século.
Textos sobre Exemplos de Agustina Bessa-Luís
6 resultadosCom os Costumes andam os Aforismos
Com os costumes andam os aforismos. Assim, eis que eles tomam um carácter mais criticador e vibrante, isto na linguagem de Karl Kraus, homem sagaz e ventríloquo de certas causas que a sociedade não confia à voz pública.
Ele diz, por exemplo: «As mulheres, no Oriente, têm maior liberdade. Podem ser amadas». Ou então: «A vida de família é um ataque à vida privada». Ou ainda: «A democracia divide os homens em trabalhadores e preguiçosos. Não está destinada para aqueles que não têm tempo para trabalhar». Tudo isto, como axioma, lembra Bernard Shaw, esse inglês azedo e endiabrado cujo Manual do Revolucionário fez o encanto da nossa adolescência.
Todavia, o aforimo do homem de letras, se impressiona, quase nunca comove ninguém. O autêntico aforismo não é uma arte – é uma espécie de pastorícia cultural. Não está destinado a divertir nem a chocar as pessoas, mas, acima de tudo, propõe-se transmitir uma orientação. É uma lição, e não o pretexto para uma pirueta.
Os aforismos e paradoxos de Karl Kraus têm esse sabor irreverente que se diferencia da sabedoria, porque há algo de precipitado na sua confissão. Precisam de ser situados num estado de espírito, para serem aceites e compreendidos;
A Importância da Arte
A arte é, provavelmente, uma experiência inútil; como a «paixão inútil» em que cristaliza o homem. Mas inútil apenas como tragédia de que a humanidade beneficie; porque a arte é a menos trágica das ocupações, porque isso não envolve uma moral objectiva. Mas se todos os artistas da terra parassem durante umas horas, deixassem de produzir uma ideia, um quadro, uma nota de música, fazia-se um deserto extraordinário. Acreditem que os teares paravam, também, e as fábricas; as gares ficavam estranhamente vazias, as mulheres emudeciam. A arte é, no entanto, uma coisa explosiva. Houve, e há decerto em qualquer lugar da terra, pessoas que se dedicam à experiência inútil que é a arte, pessoas como Virgílio, por exemplo, e que sabem que o seu silêncio pode ser mortal. Se os poetas se calassem subitamente e só ficasse no ar o ruído dos motores, porque até o vento se calava no fundo dos vales, penso que até as guerras se iam extinguindo, sem derrota e sem vitória, com a mansidão das coisas estéreis. O laço da ficção, que gera a expectativa, é mais forte do que todas as realidades acumuláveis. Se ele se quebra, o equilíbrio entre os seres sofre grave prejuízo.
Os Portugueses São Profundamente Vaidosos
Os Portugueses são profundamente vaidosos. Quando me dizem que eu sou muito vaidosa, eu, nisso, sinto-me muito portuguesa. Quando, por exemplo, os Franceses me dizem, com uma linguagem muito catedrática, «eu conheço muito bem os Portugueses através de toda essa onda de emigração, eles são muito humildes e dizem que o lugar onde gostariam de morrer seria em França», eu digo «tenha cuidado, o português mente sempre. É como o japonês, mente sempre.» Porque tem receio de mostrar o seu complexo de superioridade. Ele acha que é imprudente e que é até disparatado, mas que faz parte da sua natureza. Portanto, apresenta uma espécie de capa e de fisionomia de humildade, modéstia, submissão. Mas não é nada disso, é justamente o contrário. Houve épocas da nossa História em que a sua verdadeira natureza pôde expandir-se sem cair no ridículo, mas há outras em que não. E então, para se defender desse ridículo, o português parece essa pessoa modesta, cordata, que não levanta demasiados problemas, seja aos regimes seja na sua vida particular.
Personalidade Limitada
Há pessoas muito competentes no seu ofício mas que nunca se adaptam a certos obstáculos menores, como a nomes que desconhecem e saem do habitual. Também nunca sabem usar uma chave de fendas e não são capazes de conhecer uma marca de carros pelas jantes, por exemplo. Cada indivíduo tem um espaço muito limitado de operação e o seu cérebro trabalha num pequeno circuito de observações; a sua evolução é restrita ao que o rodeia e aos factos exteriores mais próximos. A educação sem grandes exigências de comportamento social e intelectual, leva-os a formar uma personalidade mesquinha, às vezes ressentida e admiradora de extremos, como da liderança dum chefe.
A Crítica é Menos Eficaz do que o Exemplo
A crítica é menos eficaz do que o exemplo. É de considerar se a grande sugestão para usar da crítica nos nossos tempos e que põe em causa todos os valores consagrados, não é o resultado duma anemia profunda do acto de vontade de toda uma sociedade. Todos temos consciência de como o exemplo se tornou interdito, como o indivíduo, na sua excepção perturbadora, é causa de mal-estar. Dir-se-ia que a fraqueza, a breve virtude, a mediocridade, de interesses e de condições, têm prioridade sobre o modelo e a utopia. A par desta dimensão rasa do despotismo do demérito, levanta-se uma rajada de violência. É de crer que a violência é hoje a linguagem bastarda da desilusão e o reverso do exemplo; representa a frustração do exemplo.