Não se Consegue ser Exterior à Nossa Própria Indiferença
A dificuldade da existĂȘncia estava precisamente neste problema concreto: por diversas vezes Walser se vira, ao longe, alegre, e tambĂ©m de longe observara a sua prĂłpria tristeza ou irritação. Nada de mais. Mas o que nunca conseguira era ser exterior Ă indiferença; ser exterior a si nos momentos, inĂșmeros, em que se encontrava neutro face Ă s coisas, inerte e em estado de espera perante a possibilidade de um acto ou do seu contrĂĄrio. Quanto mais intensidade existia no corpo, mais fĂĄcil era afastar-se, ser testemunha de si prĂłprio. As dificuldades de observação privilegiada, de uma existĂȘncia que lhe pertencia, surgiam assim, de um modo extremo, quando a intensidade dos sentimentos era quase nula. Se ele jĂĄ lĂĄ nĂŁo estava â na existĂȘncia â como se poderia ainda afastar mais?
Mas o que era concretamente este lĂĄ, este outro sĂtio que por vezes parecia ser o seu centro outras vezes o seu oposto? Sobre a localização geral desse lĂĄ, Walser nĂŁo tinha dĂșvidas: era o cĂ©rebro. Era ali que tudo se passava ou que tudo o que se passava era observado. Ali fazia, e ali via-se a fazer. Como qualquer louco normal, pensou Walser, e sorriu da fĂłrmula.
Gonçalo M.
Textos sobre ExistĂȘncia de Gonçalo M. Tavares
2 resultados Textos de existĂȘncia de Gonçalo M. Tavares. Leia este e outros textos de Gonçalo M. Tavares em Poetris.
A Vida Ă© IlegĂvel
A vida, meu caro, Ă© ilegĂvel. Acontece
e desaparece. NĂŁo hĂĄ inteligĂȘncia
que a descodifique: vem em linguagem-nada,
surge no corpo como surge o dia, e como
se dia e vida individual fossem materiais paralelos.
A vida nĂŁo surge em prosa
nem em poesia â e a existĂȘncia nĂŁo fala
inglĂȘs, apesar de tudo. A natureza dos acontecimentos
resiste às invasÔes matreiras da publicidade e
dos filmes. Jå não é mau.Gonçalo M.