Prazer com Virtude
Que dizer do facto de tanto os homens bons como os maus terem prazer, e de os homens infames terem tanto gosto em cometer actos vergonhosos como os homens honestos têm nas suas acções excelentes? É por isso que os antigos prescreveram que se procurasse a vida melhor, não a mais agradável, de forma a que o prazer fosse, não o guia, mas um companheiro da vontade recta e boa. Na verdade, a natureza deve ser o nosso guia: a razão observa-a e consulta-a. Por isso, viver feliz é o mesmo que viver de acordo com a natureza. Passo a explicar o que quer isto dizer: se conservarmos os nossos dons corporais e as nossas aptidões naturais com diligência, mas também com impavidez, tomando-os como bens efémeros e fugazes; se não nos tornarmos servos deles, nem nos submetermos a coisas exteriores; se as coisas que são circunstanciais e agradáveis ao corpo forem para nós como auxiliares e tropas ligeiras num castro (que obedecem, não comandam); nesta medida, todas estas coisas serão úteis à mente.
Não se deixe o homem corromper pelas coisas externas e inalcançáveis, e admire-se apenas a si próprio, confiando no seu ânimo e mantendo-se preparado para tudo,
Textos sobre Facilidade de SĂ©neca
4 resultadosRegras de Conduta para Viver sem Sobressaltos
Vou indicar-te quais as regras de conduta a seguir para viveres sem sobressaltos. (…) Passa em revista quais as maneiras que podem incitar um homem a fazer o mal a outro homem: encontrarás a esperança, a inveja, o Ăłdio, o medo, o desprezo. De todas elas a mais inofenÂsiva Ă© o desprezo, tanto que muitas pessoas se tĂŞm sujeitado a ele como forma de passarem despercebidas. Quem despreza o outro calca-o aos pĂ©s, Ă© evidente, mas passa adiante; ninguĂ©m se afadiga teimosamente a fazer mal a alguĂ©m que despreza. É como na guerra: ninguĂ©m liga ao soldado caĂdo, combate-se, sim, quem se ergue a fazer frente.
Quanto Ă s esperanças dos desonestos, bastar-te-á, para evitá-las, nada possuĂres que possa suscitar a pĂ©rfida cobiça dos outros, nada teres, em suma, que atraia as atenções, porquanto qualquer objecto, ainda que pouco valioso, suscita desejos se for pouco usual, se for uma raridade. Para escapares Ă inveja deverás nĂŁo dar nas vistas, nĂŁo gabares as tuas propriedades, saberes gozar discretamente aquilo que tens. Quanto ao Ăłdio, ou derivará de alguma ofensa que tenhas feito (e, neste caso, bastar-te-á nĂŁo lesares ninguĂ©m para o evitares), ou será puramente gratuito, e entĂŁo será o senso comum quem te poderá proteger.
Não há Sabedoria sem Esforço
Certos vĂcios, temos o hábito de atribuĂ-los aos condicionalismos do lugar e do tempo, mas o certo Ă© que, para onde quer que vamos, esses vĂcios nos acompanham. (…) Para quĂŞ iludirmo-nos? O nosso mal nĂŁo vem do exterior, está dentro de nĂłs, enraizado nas nossas vĂsceras, e, como ignoramos o mal de que sofremos, sĂł com dificuldade recuperamos a saĂşde. E mesmo que já tenhamos iniciado o tratamento, quando nos será possĂvel levar de vencida a enorme virulĂŞncia de tĂŁo numerosas enfermidades? Nem sequer solicitamos a presença do mĂ©dico, quando afinal Ă© mais fácil tratar uma doença ainda no inĂcio. Almas ainda frescas e inexperientes obedecem sem tardar a quem lhes indique o justo caminho. SĂł Ă© difĂcil reconduzir Ă via da natureza quem deliberadamente dela se apartou. Parece que temos vergonha de aprender a sabedoria! Pelos deuses, se acharmos que Ă© vergonhoso buscar um mestre, entĂŁo podemos perder a esperança de obter as vantagens da sabedoria por obra do acaso. A sabedoria sĂł se obtĂ©m pelo esforço.
Para dizer a verdade, nem sequer é necessário grande esforço se, como disse, começarmos a formar e a corrigir a nossa alma antes que as más tendências cristalizem. Mas mesmo já empedernidas,
A Força da Ignorância
Por que causa a ignorância nos mantĂ©m agarrados com tanta força? Primeiro, porque nĂŁo a repelimos com suficiente energia nem usamos todas as nossas forças para nos libertarmos dela; depois, porque nĂŁo confiamos o bastante nas lições dos sábios nem as interiorizamos como devĂamos, antes tratamos uma tĂŁo magna questĂŁo de forma leviana. Como pode alguĂ©m, aliás, aprender suficientemente a lutar contra os vĂcios se apenas dedica a esse estudo o tempo que os vĂcios lhe deixam livre?…
Nenhum de nĂłs aprofunda bastante esta matĂ©ria; abordamos o assunto pela rama e, como gente extremamente ocupada, achamos que dedicar umas horas Ă filosofia Ă© mais do que suficiente. E o que mais nos prejudica Ă© a facilidade com que o nosso amor prĂłprio se satisfaz. Se encontramos alguĂ©m que nos ache homens de bem, homens esclarecidos e irrepreensĂveis, logo nos mostramos de acordo! Nem sequer nos contentamos com louvores comedidos: tudo quanto a adulação despudoradamente nos atribui, nĂłs o assumimos como de pleno direito. Se alguĂ©m nos declara os melhores e mais sábios do mundo, nĂłs assentimos, mesmo quando sabemos que esse alguĂ©m Ă© useiro e vezeiro na mentira! A nossa autocomplacĂŞncia vai mesmo tĂŁo longe que pretendemos ser louvados em nome de princĂpios que as nossas acções frontalmente desmentem (…) A consequĂŞncia Ă© que ninguĂ©m mostra vontade de corrigir o seu carácter,