O Desejo de Criar
Diotima: Qual é, Sócrates, na sua opinião, a causa deste amor, deste desejo? Você já observou em que estranha crise se encontram todos os animais, os que voam e os que marcham, quando são tomados pelo desejo de procriar? Como ficam doentes e possuídos de desejo, primeiro no momento de se ligarem, depois, quando se torna necessário alimentar os filhos? (… ) Tanto no caso dos humanos como no dos animais, a natureza mortal busca, na medida do possível, perpetuar-se e imortalizar-se. Apenas desse modo, por meio da procriação, a natureza mortal é capaz da imortalidade, deixando sempre um jovem no lugar do velho. [… ] Pois saiba, Sócrates, que o mesmo vale para a ambição dos homens. Você ficará assombrado com a sua misteriosa irracionalidade, a não ser que compreenda o que eu disse, e reflicta sobre o que se passa com eles quando são tomados pela ambição e pelo desejo de glória eterna. É pela fama, mais ainda que pelos seus filhos, que eles se dispõem a encarar todos os riscos, suportar fadigas, esbanjar fortunas e até mesmo sacrificar as suas vidas. [… ] Aqueles cujo instinto criador é físico recorrem de preferência às mulheres e revelam o seu amor dessa maneira,
Textos sobre Filhos
172 resultadosO Dom de Deixar Ir
É preciso aprender a viver. A qualidade da nossa existência depende de um equilíbrio fundamental na nossa relação com o mundo: apego e desapego. Nesta vida, a ponderação, a proporção e a subtileza são sempre melhores que qualquer arrebatamento. Mas o essencial é aprender que a existência é feita de dádivas e perdas.
Eis porque quem reza deve pedir e agradecer: tudo é, na verdade, um dom. Tudo passa… importa pois prepararmo-nos para a perda, ainda que tantas vezes não seja senão temporária… Alegrias e dores. Só há felicidade num coração onde habita a sabedoria e paciência dos tempos e dos momentos, a paz de quem sabe que são muitos os porquês e para quês que ultrapassam a capacidade humana de compreender.
Na vida, tudo se recebe e tudo se perde.
Amar é um apego natural mas também obriga a que deixemos o outro ser quem é, abrindo mão e permitindo-lhe que parta, ou que fique, sem desejar outra coisa senão que seja radicalmente livre. Aprendendo que há muito mais valor no ato de quem decide ficar do que naquele de quem só está por não poder partir.Nada verdadeiramente nos pertence. O sublime do amor está aí,
As Três Realidades Sociais
Há três realidades sociais – o indivíduo, a Nação, a Humanidade. Tudo mais é fictício. São ficções a Família, a Religião, a Classe. É ficção o Estado. É ficção a Civilização.
O indivíduo, a Nação, a Humanidade são realidades porque são perfeitamente definidos. Têm contorno e forma. O indivíduo é a realidade suprema porque tem um contorno material e mental — é um corpo vivo e uma alma viva.
A Nação é também uma realidade, pois a definem o território, ou o idioma, ou a continuidade histórica — um desses elementos, ou todos. O contorno da nação é contudo mais esbatido, mais contingente, quer geograficamente, porque nem sempre as fronteiras são as que deviam ser; quer linguisticamente, porque largas distâncias no espaço separam países de igual idioma e que naturalmente deveriam formar uma só nação; quer historicamente, porque, por uma parte, critérios diferentes do passado nacional quebram, ou tendem para o quebrar, o vasículo nacional, e, por outra, a continuidade histórica opera diferentemente sobre camadas da população, diferentes por índole, costumes ou cultura.
A Humanidade é outra realidade social, tão forte como o indivíduo, mais forte ainda que a Nação, porque mais definida do que ela. O indivíduo é,
Acreditei que Podia Dar-te um Céu para Brincares
Filho. Gostava que houvesse uma aragem qualquer que me explicasse esse teu sorriso e outra que te explicasse, sem te magoar, o meu silêncio. Gostava de aprender o trejeito dos teus lábios, a maneira dos teus olhos, e to lembrar quando tivesses a minha idade. Fui um dia a tua inocência. E dela ficou-me a grande inocência de acreditar.
Acreditei que podia dar-te um céu para brincares e que a vida seria o que nós quiséssemos. Assim. Bastaria querermos, esforçarmo-nos muito, trabalharmos, e teríamos então o que desejássemos. Não digo coisas majestosas, roupas bonitas ou charretes, mas comida, comida gostosa e bem temperada, e um cavalo de cartão novo, se por acaso esquecesses o teu no quintal numa noite de chuva. Acreditei que a felicidade dos teus olhos a sorrir podia voltar aos olhos da tua mãe, aos meus e perdurar intocada nos teus. Acreditei em tantas coisas. Sabes, aproximo-me da vila e o que me espera é morrer um pouco mais. Preferia que não o soubesses, mas infelizmente nem isso posso esconder-te, porque um dia, quando te contarem a história da tua vida, dir-te-ão que numa noite de estrelas, o teu pai foi à vila e levou uma sova;
Preguiça Corporal e Preguiça Espiritual
Há um trabalho servil, que é do corpo e para o corpo, embora a mente ajude, e um trabalho régio, que é da alma e para a alma, e quase ninguém exige às mãos. Há, portanto, uma preguiça corporal e outra espiritual, uma ou outra senhora de todos.
A primeira é dominada – não destruída – pela necessidade e pelo tédio; a outra, reforçada pela arrogância, raramente é vencida. Os homens são indolentes que trabalham contra a vontade com os braços e a inteligência para fugir ao trabalho mais difícil da alma.
As actividade imoderadas de muitos não passam de pretextos da ociosidade espiritual. Em vez de se afadigarem para conseguir a renúncia dos bens materiais, sujeitam-se a um trabalho totalmente exterior que por vezes se converte, devido a inércia ou embriaguez, em frenesim.
Mas reformar a natureza doente e transviada, abandonar a senda da concupiscência e alcançar a liberdade serena dos filhos da luz representa um trabalho incomparavelmente mais duro do que dirigir uma empresa, fábrica ou banco. A maioria, por cáclculo de indolência, prefere o trabalho servil, embora penoso, ao real, mais áspero e duro – torna-se escravo das coisas terrestres para evitar o esforço que o tornaria dono do espírito.
Ter Razão é uma Questão de Explicações
Havia que ser um fanático para querer ter sempre razão. Ter razão era sobretudo uma questão de explicações. O homem intelectual tornara-se uma criatura explicativa. Toda a gente explicava, os pais aos filhos, os maridos às mulheres, os conferencistas ao seu público, os especialistas aos leigos, os colegas aos colegas, os médicos aos pacientes, o homem à sua alma. A génese disto, a causa daquilo, as origens dos acontecimentos, a história, a estrutura, as razões pelas quais. Na maior parte dos casos, a explicação entrava por um ouvido e saía pelo outro. A alma desejava o que desejava. Tinha o seu próprio saber natural. A infeliz poisava, pobre avezinha, sobre superstruturas de explicação, sem saber para onde levantar voo.
(…) Era um afã holandês, pensou Sammler, sempre a dar à bomba para manter enxutos alguns hectares de terra. O mar invasor era uma metáfora da multiplicação dos factos e das sensações; quanto à terra, era uma terra de ideias.
. Sammler’
Ser Feliz
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver a vida, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz não é uma fatalidade do destino, mas uma conquista de quem sabe viajar para dentro do seu próprio ser.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e tornar-se autor da sua própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus em cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. E ter a coragem de ouvir um «não». É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. É beijar os filhos, ter prazer com os pais e ter momentos poéticos com os amigos, mesmo que eles nos magoem.
Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós. É ter maturidade para dizer «eu errei». É ter ousadia para dizer «perdoa-me». É ter sensibilidade para expressar «eu preciso de ti». E ter capacidade de dizer «eu amo-te».
Desejo que a vida se torne um canteiro de oportunidades que lhe permita ser feliz…
A Eternidade é o Nosso Signo
Sim, a eternidade é o nosso signo. Não começámos a existir nem o fim da existência o entendemos como fim. Por isso não sentimos que não existimos antes de começarmos a existir mas apenas que tudo isso que aconteceu antes de termos existido foi apenas qualquer coisa a que por acaso não assistimos como a muito do que acontece no nosso tempo. E à morte invencivelmente a ultrapassamos para nos pormos a existir depois dela. O prazer que nos dá a história do passado, sobretudo os documentos que no-lo dão flagrantemente, vem de nos sentirmos prolongados até lá, de nos sentirmos de facto presentes nesse modo de ser contemporâneos. Mas sobretudo há em nós uma memória-limite, uma memória absoluta que não tem nada de referenciável e se prolonga ao sem fim. Do mesmo modo há o futuro que é pura projecção de nós, apelo irreprimível a um amanhã sem termo ou sem amanhã. Por isso a morte nos angustia e sobretudo nos intriga por nos provar à evidência o que profundamente não conseguimos compreender. Mas sobretudo a eternidade é o que se nos impõe no instante em que vivemos. O tempo não passa por nós e daí vem a impossibilidade de nos sentirmos envelhecer.
É Impossível que o Tempo Actual não Seja o Amanhecer doutra Era
É impossível que o tempo actual não seja o amanhecer doutra era, onde os homens signifiquem apenas um instinto às ordens da primeira solicitação. Tudo quanto era coerência, dignidade, hombridade, respeito humano, foi-se. Os dois ou três casos pessoais que conheço do século passado, levam-me a concluir que era uma gente naturalmente cheia de limitações, mas digna, direita, capaz de repetir no fim da vida a palavra com que se comprometera no início dela. Além disso heróica nas suas dores, sofrendo-as ao mesmo tempo com a tristeza do animal e a grandeza da pessoa. Agora é esta ferocidade que se vê, esta coragem que não dá para deixar abrir um panarício ou parir um filho sem anestesia, esta tartufice, que a gente chega a perguntar que diferença haverá entre uma humanidade que é daqui, dali, de acolá, conforme a brisa, e uma colónia de bichos que sentem a humidade ou o cheiro do alimento de certo lado, e não têm mais nenhuma hesitação nem mais nenhum entrave.
Saber Estar
És impaciente e difícil de contentar. Se estás só, queixas-te da solidão; se na companhia dos outros, tu os chamas de conspiradores e de ladrões, e achas defeitos nos teus próprios pais, filhos, irmãos e vizinhos. No entanto, quando estás sozinho, deves falar em tranquilidade e liberdade e te considerares igual aos deuses. E quando estás em companhia numerosa, não a deves chamar de turba aborrecida ou ruidosa, mas de assembleia e tribunal, dessarte aceitando tudo com contentamento.
Aristocracia e Democracia
Fala-se sempre muito em aristocracia e democracia. Pois o caso é apenas este: Na mocidade, quando nada possuímos ou não sabemos apreciar a posse tranquila, somos democratas. Mas se, no decurso de uma longa vida, conseguimos possuir alguma coisa, desejamos não somente garanti-la, mas queremos também que os nossos filhos e netos possam gozá-la tranquilamente. É por isso que na velhice somos sempre aristocratas, mesmo que na nossa mocidade tivéssemos tido pendor para uma mentalidade diferente.
Saber Zangar-se
O que me parece é que as pessoas, em geral, como que deixaram de saber zangar-se. Deixaram de saber zangar-se com aquilo que consideram errado – e, pior ainda, deixaram de saber dizê-lo na cara umas das outras. A não ser, naturalmente, que haja uma agenda.
Ainda nos zangamos muito, é verdade. Mas zangamo-nos mal. Com a maior das facilidades nos zangamos contra inimigos abstractos, como «o Governo», «o capitalismo selvagem» ou mesmo apenas «a crise». Com a maior das facilidades nos zangamos com aqueles que entendemos como nossos subordinados, no trabalho e na vida em geral (afinal, os nossos «superiores» acabam de pôr-nos a pata em cima. alguém vai ter de pagar a conta). Com aqueles que estão, de alguma forma, em ascendente sobre nós, já não nos zangamos: amuamos, que é a forma mais cobarde de nos zangarmos. Aos nossos iguais simplesmente não dizemos nada: engolimos e tornamos a engolir, convencendo-nos de que do outro lado está, afinal, um pobre diabo, tão pobre que nem sequer merece uma zanga – e, quando enfim nos zangamos, é para dar-lhe um tiro na cabeça, como todos os dias nos mostram os jornais.
A impressão com que eu fico é que tudo isto vem dessa mania das social skills e do team building e dos demais chavões moderninhos que os gurus dos livros de Economia nos enfiaram pela garganta abaixo,
Não Há Paz no Mundo
Enchem a boca de paz, e não há tal paz no mundo. E senão, quem há tão cego, que não veja o mesmo hoje em toda a parte? Dizem que há paz nos reinos, e os vassalos não obedecem aos reis: dizem que há paz nas cidades, e os súbditos não obedecem aos magistrados: dizem que há paz nas famílias, e os filhos não obedecem aos pais: dizem que há paz nos particulares, e cada um tem dentro em si mesmo a maior e a pior guerra. Havia de mandar a razão, e o racional não lhe obedece; porque nele, e sobre ela domina o apetite. (…) A paz do mundo é guerra que se esconde debaixo da paz. Chama-se paz e é lisonja: chama-se paz, e é dissimulação: chama-se paz, e é dependência: chama-se paz, e é mentira, quando não seja traição.
A Culpa é uma Doença
A culpa é uma doença que te arrasta e se alastra aos outros. De um momento para o outro, tu próprio, por habituação, culpasse por tudo e por nada, por situações em que podias ter feito melhor e por outras em que nada havia a fazer. Muitos de nós residem no condomínio da culpa. É essa a sua zona de conforto, pois foi a ela que se acostumaram e não conhecem nada para lá dos limites dessa emoção. Depois é a altura de eles ensinarem aos outros que somos todos culpados à vez, passam o testemunho do pecado aos conhecidos, familiares, amigos e filhos e, pronto, cá andamos todos num ciclo penoso de geração em geração.
Há solução? Claro! Há sempre solução para tudo.
É preponderante viver com a convicção de que apenas somos culpados de alguma coisa se agirmos com intenção de magoar, caso contrário somos apenas responsáveis. Não, não é a mesma coisa. A culpa sufoca-nos, a responsabilidade empurra-nos para a ação e promove a mudança.
De que forma, então, posso eu parar este ciclo vicioso?
– Não permitindo que te considerem culpado seja do que for e se insistirem em fazê-lo expulsa essas pessoas da tua vida.
As Bases da Sociedade
Pode dizer-se que há quatro coisas básicas e essenciais que a esmagadora maioria do povo de uma sociedade deseja: viver num ambiente seguro, conseguir trabalhar e sustentar-se, ter acesso a boa saúde pública e sólidas oportunidades educacionais para os filhos. Actualmente, enquanto sociedade, podemos estar a batalhar nestas quatro áreas, mas temos de permanecer confiantes de que, com o compromisso pessoal de cada um de nós, poderemos e iremos ultrapassar os obstáculos na via para o desenvolvimento.
A Audácia é Má no Conselho e boa na Execução
A audácia é filha da ignorância e da rudeza, e muito inferior a todos os outros dons. Ela fascina, porém, atando-lhes os pés e as mãos, aos que são débeis de entendimento e falhos de coragem que formam a maioria; e prevalece até sobre os homens sábios nas horas da fraqueza. Por isso vemos que ela fez maravilhas nos Estados populares, menos do que nos governados por Senados ou por Príncipes; e muito mais ao primeiro arranco das pessoas audaciosas, do que depois, porque a audácia é má cumpridora de promessas.
(…) Certamente aos homens de grande entendimento, os audacciosos dão um espectáculo de muito gozo; e até mesmo para o vulgo, a audácia não deixa de ser ridícula. Porque se o absurdo é o fundamento do riso não duvideis de que uma grande audácia raramente existe sem absurdo.
(…) Deve ser bem considerado que a audácia é sempre cega, para não ver os perigos e as inconveniências. Por isso ela é má no conselho e boa na execução; para bem aproveitar e utilizar as pessoas audacciosas é preciso que elas nunca estejam na chefia do comando, mas em segundo lugar, sob a direcção de outros. Porque no conselho é bom ver os perigos,
Deus Precisa de Companhia
A minha proposição inicial, que me atrevo a considerar indiscutível, é de que Deus criou o universo porque «se sentia» só. Em todo o tempo antes, isto é, desde que a eternidade começara, «tinha estado» só, mas, como não «se sentia» só, não necessitava inventar uma coisa tão complicada como é o universo. Com o que Deus não contara é que, mesmo perante o espectáculo magnífico das nebulosas e dos buracos negros, o tal sentimento de solidão persistisse em atormentá-lo. Pensou, pensou, e ao cabo de muito pensar fez a mulher, «que não era à sua imagem e semelhança». Logo, tendo-a feito, viu que era bom. Mais tarde, quando compreendeu que só se curaria definitivamente do mal de estar só deitando-se com ela, verificou que era ainda melhor. Até aqui tudo muito próprio e natural, nem era preciso ser-se Deus para chegar a esta conclusão. Passado algum tempo, e sem que seja possível saber se a previsão do acidente biológico já estava na mente divina, nasceu um menino, esse sim, «à imagem e semelhança de Deus». O menino cresceu, fez-se rapaz e homem. Ora, como a Deus não lhe passou pela cabeça a simples ideia de criar outra mulher para a dar ao jovem,
As Mulheres São Admiravelmente Complexas
Os homens inteligentes sabem que as mulheres são admiravelmente complexas, um mundo a ser explorado, um tesouro a ser descoberto. Elas são tão fascinantes que no dia em que eles acharem que conhecem uma mente feminina, deveriam saber que erraram o diagnóstico.
Os homens inteligentes têm consciência de que o mais calmo ser humano tem os seus momentos de stresse, o mais ponderado tem reações incoerentes, o mais generoso tem os seus momentos de egoísmo e, portanto, deveriam saber que quem não reconhece os seus erros nem pede desculpas, especialmente ã mulher que ama e aos seus filhos, jamais alcançará a maturidade psíquica ou construirá relações saudáveis.
Suportar a Adversidade
Das ocorrências indesejadas, falando de maneira genérica, algumas acarretam naturalmente dor e vexação, mas, na maior parte dos casos, é falsa a noção que nos habituou a nos enfadarmos com elas. Como específico contra este tipo de ocorrência, é conveniente ter à mão um dito de Menandro: «Nada te aconteceu de facto enquanto não te importares muito com o ocorrido». Isso quer dizer que não há motivo para o teu corpo e a tua alma se mostrarem afectados se, por exemplo, o teu pai é de baixa extracção, a tua mulher cometeu adultério, tu mesmo te viste privado de alguma coroa honorífica ou privilégio especial, pois nada disso te impede de prosperar de corpo ou alma.
Para a primeira categoria – doenças, privações, a morte de amigos ou filhos -, que parece acarretar naturalmente dor e vexação, esta linha de Eurípedes deve estar à mão: “Ai! por que ai? É o quinhão da mortalidade que nos coube”. Nenhum outro argumento lógico pode romper de forma tão efectiva a espiral descendente das nossas emoções, do que a reflexão de que somente através da compulsão comum da Natureza, um dos elementos da sua constituição física, é que o homem se torna vulnerável à Fortuna;
A Vida Real de um Pensamento
A vida real de um pensamento dura apenas até ele chegar ao limite das palavras: nesse ponto, ele lapidifica-se, morre, portanto, mas continua indestrutível, tal como os animais e as plantas fósseis dos tempos pré-históricos. Essa realidade momentânea da sua vida também pode ser comparada ao cristal, no instante da cristalização.
Pois, assim que o nosso pensamento encontra as palavras, ele já não é interno, nem está realmente no âmago da sua essência. Quando começa a existir para os outros, ele deixa de viver em nós, como o filho que se desliga da mãe ao iniciar a própria existência. Mas diz também o poeta:Não me confundais com contradições!
Tão logo se fala, já se começa a errar.