Amor Desmistificado
O sentimento de um homem apaixonado produz por vezes efeitos cómicos ou trágicos, porque em ambos os casos, é dominado pelo espírito da espécie que o domina ao ponto de o arrancar a si próprio; os seus actos não correspondem à sua individualidade. Isto explica, nos níveis superiores do amor, essa natureza tão poética e sublimadora que caracteriza os seus pensamentos, essa elevação transcendente e hiperfísica, que parece fazê-lo afastar da finalidade meramente física do seu amor. É porque o impelem então o génio da espécie e os seus interesses superiores.
Recebeu a missão de iniciar uma série indefinida de gerações dotadas de determinadas características e constituídas por certos elementos que só se podem encontrar num único pai e numa única mãe; só essa união pode dar existência à geração determinada que a objectivação da vontade expressamente exige. O sentimento que o amante tem de agir em circunstâncias de semelhantes transcendência, eleva-o de tal modo sobre as coisas terrestres e mesmo acima de si próprio, e tranforma-lhe os desejos físicos numa aparência de tal modo suprasensível, que o amor é um acontecimento poético, mesmo na existência do homem mais prosaico, o que o faz cair por vezes em ridículo.
Textos sobre Física de Arthur Schopenhauer
5 resultadosA Dor e o Tédio São os Dois Maiores Inimigos da Felicidade
O panorama mais amplo mostra-nos a dor e o tédio como os dois inimigos da felicidade humana. Observe-se ainda: à medida que conseguimos afastar-nos de um, mais nos aproximamos do outro, e vice-versa; de modo que a nossa vida, na realidade, expõe uma oscilação mais forte ou mais fraca entre ambos. Isso origina-se do facto de eles se encontrarem reciprocamente num antagonismo duplo, ou seja, um antagonismo exterior ou oubjectivo, e outro interior e subjectivo. De facto, exteriormente, a necessidade e a privação geram a dor; em contrapartida, a segurança e a abundância geram o tédio. Em conformidade com isso, vemos a classe inferior do povo numa luta constante contra a necessidade, portanto contra a dor; o mundo rico e aristocrático, pelo contrário, numa luta persistente, muitas vezes realmente desesperada contra o tédio. O antagonismo interior ou subjectivo entre ambos os sofrimentos baseia-se no facto de que, em cada indivíduo, a susceptibilidade para um encontra-se em proporção inversa à susceptibilidade para o outro, já que ela é determinada pela medida das suas forças espirituais. Com efeito, a obtusidade do espírito está, em geral, associada à da sensação e à ausência da excitabilidade, qualidades que tornam o indivíduo menos susceptível às dores e aflições de qualquer tipo e intensidade.
Não há Felicidade sem Verdadeira Vida Interior
A vida intelectual ocupará, de preferência, o homem dotado de capacidades espirituais, e adquire, mediante o incremento ininterrupto da visão e do conhecimento, uma coesão, uma intensificação, uma totalidade e uma plenitude cada vez mais pronunciadas, como uma obra de arte amadurecendo aos poucos. Em contrapartida, a vida prática dos outros, orientada apenas para o bem-estar pessoal, capaz de incremento apenas em extensão, não em profundeza, contrasta em tristeza, valendo-lhes como fim em si mesmo, enquanto para o homem de capacidades espirituais é apenas um meio.
A nossa vida prática, real, quando as paixões não a movimentam, é tediosa e sem sabor; mas quando a movimentam, logo se torna dolorosa. Por isso, os únicos felizes são aqueles aos quais coube um excesso de intelecto que ultrapassa a medida exigida para o serviço da sua vontade. Pois, assim, eles ainda levam, ao lado da vida real, uma intelectual, que os ocupa e entretém ininterruptamente de maneira indolor e, no entanto, vivaz. Para tanto, o mero ócio, isto é, o intelecto não ocupado com o serviço da vontade, não é suficiente; é necessário um excedente real de força, pois apenas este capacita a uma ocupação puramente espiritual, não subordinada ao serviço da vontade.
Indulgência com os Outros
Para sobreviver por este mundo afora, é conveniente levar consigo uma grande provisão de precaução e indulgência. Pela primeira seremos protegidos de danos e perdas, pela segunda, de disputas e querelas. Quem tem de viver entre os homens não deve condenar, de maneira incondicionada, individualidade alguma, nem mesmo a pior, a mais mesquinha ou a mais ridícula, pois ela foi definitivamente estabelecida e ofertada pela natureza. Deve-se, antes, tomá-la como algo imutável que, em virtude de um princípio eterno e metafísico, tem de ser como é. Quanto aos casos mais lamentáveis, deve-se pensar: «É preciso que haja também tais tipos no mundo.» Do contrário, comete-se uma injustiça e desafia-se o outro a uma guerra de vida ou morte, já que ninguém pode mudar a sua própria individualidade, isto é, o seu carácter moral, as suas faculdades de conhecimento, o seu temperamento, a sua fisionomia, etc. Ora, se condenarmos o outro em toda a sua essência, então nada lhe restará a não ser combater em nós um inimigo mortal, pois só lhe reconhecemos o direito de existir sob a condição de tornar-se uma pessoa diferente da que invariavelmente é.
Portanto, para vivermos entre os homens, temos de deixar cada um existir como é,
Quem não Ama a Solidão, não Ama a Liberdade
Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em festanças (high life), pois, quando tentamos transformar a nossa miserável existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras recíprocas.
Assim como o nosso corpo está envolto em vestes, o nosso espírito está revestido de mentiras. Os nossos dizeres, as nossas acções, todo o nosso ser é mentiroso, e só por meio desse invólucro pode-se, por vezes, adivinhar a nossa verdadeira mentalidade, assim como pelas vestes se adivinha a figura do corpo.Antes de mais nada, toda a sociedade exige necessariamente uma acomodação mútua e uma temperatura; por conseguinte, quanto mais numerosa, tanto mais enfadonha será. Cada um só pode ser ele mesmo, inteiramente, apenas pelo tempo em que estiver sozinho. Quem, portanto, não ama a solidão, também não ama a liberdade: apenas quando se está só é que se está livre.
A coerção é a companheira inseparável de toda a sociedade, que ainda exige sacrifícios tão mais difíceis quanto mais significativa for a própria individualidade. Dessa forma, cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exacta do valor da sua personalidade.