O Mal das Doutrinas Religiosas
– Bem, o que até agora me pareceu mais interessante foi verificar que a grande maioria de todas essas crenças parte de um facto ou de uma personagem de relativa probabilidade histórica, mas todas evoluem rapidamente para movimentos sociais subordinados e enformados pelas circunstâncias políticas, económicas e sociais do grupo que as aceita. Ainda está acordada?
Eulalia assentiu.
– Uma boa parte da mitologia que se desenvolve à volta de cada uma destas doutrinas, desde a liturgia até às normas e tabus, provém da burocracia que é gerada à medida que evoluem e não do suposto facto sobrenatural que lhes deu origem. A maior parte das anedotas simples e bonançosas, um misto de senso comum e folclore, e toda a carga beligerante que conseguem desenvolver provém da interpretação posterior daqueles princípios, quando não tendem a desvirtuar-se, nas mãos dos seus administradores. A questão administrativa e hierárquica parece ser a chave da sua evolução. A verdade é revelada em princípio a todos os homens, mas depressa aparecem indivíduos que se atribuem o poder e o dever de interpretar, administrar e, nalguns casos, alterar essa verdade em nome do bem comum, estabelecendo para isso uma organização poderosa e potencialmente repressiva.
Textos sobre Folclore
2 resultadosA Doutrina Perfeita
Muitas vezes as pessoas dirigem-se a mim, dizendo: «você, que é independente». Não sou assim; continuamente devo ceder a pequenas fórmulas sofisticadas que corrompem, que dão um sentido inverso à nossa orientação, que fazem com que a transparência do coração se turve. Continuamente a nossa insegurança, o egoísmo, o espírito legalista, a mesquinhez, a vaidade, toda a espécie de circunstâncias que tomam o partido da vida como desfrute à sensação se sobrepõem à luz interior. Só a fé é independente. Só ela está para além do bem e do mal.
Estar para além do bem e do mal aplica-se a Cristo. «Perdoa ao teu inimigo, oferece a outra face» – disse Ele. Não é um conselho para humilhados, não é um preceito para mártires. Nisso aparece Cristo mal interpretado, a ponto de o cristianismo ter sido considerado uma religião de escravos. Mas esquecemos que Cristo, como Homem, teve a experiência-limite, uma visão do inconsciente absoluto, o que quer dizer que a sua consciência foi saturada, para além do bem e do mal. Esse homem que perdoa ao seu inimigo não o faz por contrariedade do seu instinto, por reparação dos seus pecados; mas porque não pode proceder de outra maneira.