Querer é Poder
Querer alguém, ou alguma coisa, é muito fácil. Mesmo assim, olhar e sentirmo-nos querer, sem pensar no que estamos a fazer, é uma coisa mais bonita do que se diz. Antes de vermos a pessoa, ou a coisa, não sabíamos que estávamos tão insatisfeitos. Porque não estávamos. Mas, de repente, vemo-la e assalta-nos a falta enorme que ela nos faz. Para não falar naquela que nos fez e para sempre há-de fazer. Como foi possível viver sem ela? Foi uma obscenidade. Querer é descobrir faltas secretas, ou inventá-las na magia do momento. Não há surpresa maior.
O que é bonito no querer é sentirmo-nos subitamente incompletos sem a coisa que queremos. Quanto mais bela ela nos parece, mais feios nos sentimos. Parte da força da nossa vontade vem da força com que se sente que ela nunca poderia querer-nos como nós a queremos. Querer é sempre a humilhação sublime de quem quer. Por que razão não nos sentimos inteiros quando queremos? É porque a outra pessoa, sem querer, levou a parte melhor que havia em nós, aquela que nos faz mais falta. E a parte de nós que olha por nós e que nos reconcilia connosco. Quanto mais queremos outra pessoa,
Textos sobre Frase
88 resultadosComo se Faz uma Declaração de Amor?
Mas então como se faz uma declaração de amor? Em papel selado, na presença de um advogado. Por que não? As piores declarações são as pífias e clandestinas, do género «Acho-te uma pessoa muito interessante». As melhores são aquelas que comprometem quem as faz, que se baseiam em provas capazes de serem apresentadas em tribunal, que fazem corar as testemunhas. As declarações do tipo «Experimentar-a-ver-se-dá» nunca dão. É melhor mandar imprimir 2000 folhetos e distribuí-los por avioneta à população, devidamente identificados, do que um bilhetinho anónimo de «um admirador». As declarações de amor têm de cortar a respiração de quem as recebe, têm de rebentar na cara de quem as lê. O amor e o terrorismo são questões de objectivo, e não de grau.
Como estamos todos a zero, ninguém pode dar conselhos a ninguém. Há séculos que as maiores cabeças do mundo procuram a frase perfeita de apresentação. Há as deixas rascas, do género «Deixe-me adivinhar o seu signo» ou «Não costuma cá estar às terças-feiras, pois não?». Há as deixas pirosas, do género «Importa-se que eu lhe diga que você é muito bonita?» ou «Posso só dizer-lhe uma coisa? O seu namorado tem muita sorte!». Depois,
É o Fim que Confere o Significado às Palavras
Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras.
Felicidade Eterna
Antigamente todos os contos para crianças terminavam com a mesma frase, e foram felizes para sempre, isto depois de o Príncipe casar com a Princesa e de terem muitos filhos. Na vida, é claro, nenhum enredo remata assim. As Princesas casam com os guarda-costas, casam com os trapezistas, a vida continua, e os dois são infelizes até que se separam. Anos mais tarde, como todos nós, morrem. Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre.
Faz Acontecer
Mais vale uma única ação rumo ao que desejas do que dez palavras ditas, cem frases escritas ou mil pensamentos iguais.
As coisas não acontecem pelo número de vezes que as dizes, escreves ou pensas nelas; as coisas acontecem por aquilo que tu fazes para elas acontecerem.
Nada acontece porque, e por exemplo, afirmas que amanhã é que vais começar a perder peso ou porque desabafas sistematicamente para o papel todas as tuas tristezas ou porque não paras de pensar naquilo que te faria bem. Nada. Rigorosamente nada. O que dizes é zero se não deres forma às tuas palavras. O que escreves é nulo se não existir compromisso para além das palavras. E o que pensas não vale nada se não deres vida aos pensamentos.
As palavras faladas ou escritas têm uma força poderosíssima, é indesmentível, assim como tudo aquilo que pensamos. No entanto, sem ação, sem criação em movimento, de nada valem. O sumo de todas as conversas que tens, de todos os livros que lês ou de todos os diários que escreves e todas as ideias que te pincelam a cabeça, resume-se a nada se daí não se originar mudança.
E não há mudança sem saíres do conforto.
Que Preceitos Ministrar com o Nosso Semelhante?
Passemos a outra questão: o modo de tratarmos com o nosso semelhante. Como devemos agir, que preceitos ministrar? Que não derramemos sangue humano? Ao nosso semelhante devemos fazer o bem: aconselhar a não lhe fazer mal, que ridículo! Até parece que encontrar algum homem que não seja uma fera para os outros já é coisa merecedora de encómios… Vamos aconselhar a que se estenda a mão ao náufrago, se indique o caminho a quem anda perdido, se divida o pão com o esfomeado? Mas para que hei-de eu enumerar todos os actos que devemos ou não devemos praticar quando posso numa só frase resumir todos os nossos deveres para com os outros? Tudo quanto vês, este espaço em que se contém o divino e o humano, é uno, e nós não somos senão os membros de um vasto corpo. A natureza gerou-nos como uma só família, pois nos criou da mesma matéria e nos dará o mesmo destino; a natureza faz-nos sentir amor uns pelos outros, e aponta-nos a vida em sociedade. A natureza determinou tudo quanto é lícito e justo; pela própria lei da natureza, é mais terrível fazer o mal do que sofrê-lo; em obediência à natureza, as nossas mãos devem estar prontas a auxiliar quem delas necessite.
Escrever com Intuição e Instinto
Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que, agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade. Além do que leio pouco: só li muito, e li avidamente o que me caísse nas mãos, entre os treze e os quinze anos de idade. Depois passei a ler esporadicamente, sem ter a orientação de ninguém. Isto sem confessar que – dessa vez digo-o com alguma vergonha – durante anos eu só lia romance policial. Hoje em dia, apesar de ter muitas vezes preguiça de escrever, chego de vez em quando a ter mais preguiça de ler do que de escrever.
Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros uma profissão, nem uma carreira. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis.
A Leitura é a Maior das Amizades
A amizade, a amizade que diz respeito aos indivíduos, é sem dúvida uma coisa frívola, e a leitura é uma amizade. Mas pelo menos é uma amizade sincera, e o facto de ela se dirigir a um morto, a uma pessoa ausente, confere-lhe algo de desinteressado, de quase tocante. E além disso uma amizade liberta de tudo quanto constitui a fealdade dos outros. Como não passamos todos, nós os vivos, de mortos que ainda não entraram em funções, todas essas delicadezas, todos esses cumprimentos no vestíbulo a que chamamos deferência, gratidão, dedicação e a que misturamos tantas mentiras, são estéreis e cansativas. Além disso, — desde as primeiras relações de simpatia, de admiração, de reconhecimento, as primeiras palavras que escrevemos, tecem à nossa volta os primeiros fios de uma teia de hábitos, de uma verdadeira maneira de ser, da qual já não conseguimos desembaraçar-nos nas amizades seguintes; sem contar que durante esse tempo as palavras excessivas que pronunciámos ficam como letras de câmbio que temos que pagar, ou que pagaremos mais caro ainda toda a nossa vida com os remorsos de as termos deixado protestar. Na leitura, a amizade é subitamente reduzida à sua primeira pureza.
Com os livros,
O Dom da Simpatia
Ter o dom da simpatia. É das coisas que mais se invejam. Tem, como tudo, a sua técnica, mas os efeitos são sempre problemáticos. Há o sujeito amável, como o distante, o inteligente como o mediano, o modesto ou o vaidoso, o convincente como o retraído, o irónico ou o sério e assim por diante, com todas as qualidades que se quiserem e o seu contrário. Num caso e noutro pode-se ser «simpático» ou «antipático», captarmos os favores dos outros ou a sua repulsa. Não é fácil determinar o que realmente decide de uma adesão. E se fosse simplesmente o ter-se «personalidade»? O assumir-se verticalmente aquilo que se é? Isso ao menos imporia uma deferência ou «respeito». Lembra-se uma frase de um antigo tragediógrafo latino (Ácio) – que nos odeiem desde que nos temam. Não é evidentemente o caso aqui. Mas é qualquer coisa de parecido: que se seja o que se for, desde que se assuma isso em responsabilidade. O resto são apenas formas de «simpatia», ou seja, do «sentir-se com». E de todas elas, a base delas – ou seja, a admiração. Porque se não tem simpatia se não houver seja o que for de admiração: tem-se apenas tolerância ou piedade.
Nunca Me Tinha Apaixonado Verdadeiramente
Escrevi até o princípio da manhã aparecer na janela. O sol a iluminar os olhos dos gatos espalhados na sala, sentados, deitados de olhos abertos. O sol a iluminar o sofá grande, o vermelho ruço debaixo de uma cobertura de pêlo dos gatos. O sol a chegar à escrivaninha e a ser dia nas folhas brancas. Escrevi duas páginas. Descrevi-lhe o rosto, os olhos, os lábios, a pele, os cabelos. Descrevi-lhe o corpo, os seios sob o vestido, o ventre sob o vestido, as pernas. Descrevi-lhe o silêncio. E, quando me parecia que as palavras eram poucas para tanta e tanta beleza, fechava os olhos e parava-me a olhá-la. Ao seu esplendor seguia-se a vontade de a descrever e, de cada vez que repetia este exercício, conseguia escrever duas palavras ou, no máximo, uma frase. Quando a manhã apareceu na janela, levantei-me e voltei para a cama. Adormeci a olhá-la. Adormeci com ela dentro de mim.
Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. A partir dos dezasseis anos, conheci muitas mulheres, senti algo por todas. Quando lhes lia no rosto um olhar diferente, demorado, deixava-me impressionar e, durante algumas semanas, achava que estava apaixonado e que as amava. Mas depois,
Estado Frenético de Tagarelice
Assola o país uma pulsão coloquial que põe toda a gente em estado frenético de tagarelice, numa multiplicação ansiosa de duos, trios, ensembles, coros. Desde os píncaros de Castro Laboreiro ao Ilhéu de Monchique fervem rumorejos, conversas, vozeios, brados que abafam e escamoteiam a paciência de alguns, os vagares de muitos e o bom senso de todos. O falatório é causa de inúmeros despautérios, frouxas produtividades e más-criações.
Fala-se, fala-se, fala-se, em todos os sotaques, em todos os tons e décibeis, em todos os azimutes. O país fala, fala, desunha-se a falar, e pouco do que diz tem o menor interesse. O país não tem nada a dizer, a ensinar, a comunicar. O país quer é aturdir-se. E a tagarelice é o meio de aturdimento mais à mão.
(…) Telefones móveis! Soturna apoquentação! Um país tagarela tem, de um momento para o outro, dez milhões de íncolas a querer saber onde é que os outros param, e a transmitir pensamentos à distância.
Afortunados ventos que batem todas as altitudes e pontos cardeais e levam as mais das palavras, às vezes frases inteiras, parágrafos, grosas deleas, para as afogar no mar, embeber nos lameiros de Espanha, gelar nos confins da Sibéria,
Censura e Criatividade
Dos déspotas provêm, até certo ponto, os pensadores. A palavra acorrentada é terrível. O escritor duplica e triplica o seu estilo, quando um senhor impõe silêncio ao povo. Sai desse silêncio certa plenitude misteriosa que se filtra e se condensa em bronze no pensamento. A compreensão na história produz a concisão no historiador. A solidez granítica de tal ou tal prosa célebre não é mais do que um amontoamento feito por um tirano.
A tirania constrange o escritor a circunscrições de diâmetro, que são alargamentos de força. O período ciceroniano, apenas suficiente para Verres, sobre Calígula embotar-se-ia. Quanto menor for a exuberância da frase, maior será a intensidade do golpe. Sirva de exemplo a concisão de Tácito no exprimir e a sua veemência no pensar. A honestidade de um grande coração, condensada em justiça e em verdade, fulmina.
As Pessoas Riam-se de Mim
A minha susceptibilidade a certo tipo de sustos (medo) era grande. Na rua, um homem caminhando na minha direcção, isto é, na direcção contrária, tirou da algibeira um lenço à minha frente; comecei de imediato a pensar, inconscientemente, acho, que estava a tirar uma arma ou um revólver.
A minha vista curta — nem sempre, mas excessivamente no que respeita aos traços das pessoas, aos gestos — afectava o meu cérebro desequilibrado. A minha imaginação interpretava mal o carácter dos seus olhares. Distorcia, não sabia explicar porquê, a intenção e o significado dos seus gestos. O meu próprio sentido de audição era débil; aplicava a mim próprio, retorcendo-as, as palavras que captava. Via em cada palavra um termo destinado a ofender-me, em cada frase, mal apanhada, a sombra e o vislumbre de um insulto.
As pessoas na rua riam-se: riam-se de mim. A minha vista débil não me deixava destruir esta ilusão. Não me atrevia a pôr os óculos que tinha no bolso, pois temia que as minhas desconfianças se revelassem fundadas.
Ansiava por ter uma grande auto-estima, para que a minha pessoa me fizesse esquecer de mim próprio. Desejava, oh, como desejava! — o impulso de me dedicar aos outros para que eles me fizessem esquecer de mim.
Nunca se Escreve para Si Mesmo
O escritor não prevê nem conjectura: projecta. Acontece por vezes que espera por si mesmo, que espera pela inspiração, como se diz. Mas não se espera por si mesmo como se espera pelos outros; se hesita, sabe que o futuro não está feito, que é ele próprio que o vai fazer, e, se não sabe ainda o que acontecerá ao herói, isto quer simplesmente dizer que não pensou nisso, que não decidiu nada; então, o futuro é uma página branca, ao passo que o futuro do leitor são as duzentas páginas sobrecarregadas de palavras que o separam do fim.
Assim, o escritor só encontra por toda a parte o seu saber, a sua vontade, os seus projectos, em resumo, ele mesmo; atinge apenas a sua própria subjectividade; o objecto que cria está fora de alcance; não o cria para ele. Se relê o que escreveu, já é demasiado tarde; a sua frase nunca será a seus olhos exactamente uma coisa. Vai até aos limites do subjectivo, mas sem o transpor; aprecia o efeito dum traço, duma máxima, dum adjectivo bem colocado; mas é o efeito que produzirão nos outros; pode avaliá-lo, mas não senti-lo.
Proust nunca descobriu a homossexualidade de Charlus,
Censura Amiga
A amizade penetra nos menores detalhes da nossa vida, o que torna frequentes as ocasiões de ofensas e melindres: o sábio deve evitá-las, destruí-las ou suportá-las quando necessário for. A única ocasião em que não devemos deixar de ofender um amigo, é quando se trata de lhe dizer a verdade e de lhe provar assim a nossa fidelidade. Porque não devemos deixar de sobreavisar os nossos amigos, ainda quando se trate de os repreender. E nós mesmos devemos levar isto em boa vontade, quando tais repreensões são ditadas pelo bem querer.
Todavia, sou forçado a confessá-lo, como disse o nosso Terêncio no seu Adriana: «A benevolência gera a amizade; a verdade, o ódio». Sem dúvida a verdade é molesta se produz o ódio, este veneno da amizade. Mas a magnanimidade é-o ainda mais, porque para a indulgência culpável, pelas faltas de um amigo, ela deixa-o precipitar-se nas suas ruínas. Mas a falta mais grave é a que despreza a verdade e se deixa conduzir ao mal pela adulação. Este ponto reclama toda a nossa vigilância e atenção. Afastemos o ácido das nossas advertências, a injúria dos nossos reproches; que a nossa complacência (sirvo-me voluntário da expressão de Terêncio) seja farta de urbanidade;
A Importância de Aprender várias Línguas
Pessoas com poucas capacidades não conseguirão realmente assimilar com facilidade uma língua estrangeira: embora aprendam as suas palavras, empregam-nas apenas no significado do equivalente aproximado da sua língua materna e continuam a manter as construções e frases próprias desta última. Com efeito, esses indivíduos não conseguem assimilar o espírito da língua estrangeira, que depende essencialmente do facto do seu pensamento não se dar por meios próprios, mas, em grande parte, de ser emprestado pela língua materna, cujas frases e locuções habituais substituem os seus próprios pensamentos. Eis, portanto, a razão de eles sempre se servirem, também na própria língua, de expressões idiomáticas desgastadas, combinando-as de modo tão inábil, que logo se percebe quão pouco se dão conta do seu significado e quão pouco todo o seu pensamento supera as palavras, de modo que tudo se reduz a um palratório de papagaios. Pela razão oposta, a originalidade das locuções e a adequação individual de cada expressão usada por alguém são o sintoma inequivocável de um espírito preponderante.
Por conseguinte, de tudo isso resultam os seguintes factores: no aprendizado de toda a língua estrangeira, são formados novos conceitos para dar significado a novos signos; certos conceitos separam-se uns dos outros, enquanto antes constituíam juntos um conceito mais amplo e,
É o Que a Gente Leva Desta Vida…
A persistência instintiva da vida através da aparência da inteligência é para mim uma das contemplações mais íntimas e mais constantes. O disfarce irreal da consciência serve somente para me destacar aquela inconsciência que não disfarça.
Da nascença à morte, o homem vive servo da mesma exterioridade de si mesmo que têm os animais. Toda a vida não vive, mas vegeta em maior grau e com mais complexidade. Guia-se por normas que não sabe que existem, nem que por elas se guia, e as suas ideias, os seus sentimentos, os seus actos, são todos inconscientes – não porque neles falte a consciência, mas porque neles não há duas consciências.
Vislumbres de ter a ilusão – tanto, e não mais, tem o maior dos homens.
Sigo, num pensamento de divagação, a história vulgar das vidas vulgares. Vejo como em tudo são servos do temperamento subconsciente, das circunstâncias externas alheias, dos impulsos de convívio e desconvívio que nele, por ele e com ele se chocam como pouca coisa.
Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciência falada das suas vidas. É aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»…
Perpetuar o Silêncio
Já nada há de inofensivo. As pequenas alegrias, as manifestações da vida que parecem isentas da responsabilidade do pensamento não só têm um momento de obstinada estupidez, de autocegueira insensível, mas entram também imediatamente ao serviço da sua extrema oposição.
Até a árvore que floresce mente no instante em que se percepciona o seu florescer sem a sombra do espanto; até o “como é belo!” inocente se converte em desculpa da afronta da vida, que é diferente, e já não há beleza nem consolação alguma excepto no olhar que, ao virar-se para o horror, o defronta e, na consciência não atenuada da negatividade, afirma a possibilidade do melhor. É aconselhável a desconfiança perante todo o lhano, o espontâneo, em face de todo o deixa-andar que encerre docilidade frente à prepotência do existente.
O malevolente subsentido do conforto que, outrora, se limitava ao brinde da jovialidade, já há muito adquiriu sentimentos mais amistosos. O diálogo ocasional com o homem no combóio, que, para não desembocar em disputa, consente apenas numas quantas frases a cujo respeito se sabe que não terminarão em homicídio, é já um elemento delator; nenhum pensamento é imune à sua comunicação, e basta já expressá-lo num falso lugar e num falso acordo para minar a sua verdade.
O seu Instinto Leva-o mais Longe que o seu Intelecto
«Homem, conhece-te a ti mesmo» – toda a sabedoria se encontra concentrada nesta frase. Auto-análise, depois acção – a escola da sabedoria. Quanto mais cedo descobrir os factos acerca da sua pessoa mais fácil será a jornada da vida. Para tirar o máximo de nós, temos de conhecer os recursos que possuímos e depois aperfeiçoá-los e utilizá-los. Pelo controlo das emoções uma pessoa consegue superar quase todas as dificuldades que habitualmente estragam a vida.
(…) Sem olhar à profundidade dos seus sentimentos, à vastidão dos seus conheciemntos, o homem aparentemente completo não o é sem que tenha aperfeiçoado as suas tendências. Quem quiser melhorar os condicionalismos externos tem de começar por melhorar os internos. Quando as coisas não estão a correr bem há qualquer coisa em mim a dizer-mo. Às vezes tenho de pensar muito para descobrir o erro e como corrigi-lo. Depois de resolver o problema sinto-me novamente bem. Isto prova que «O seu instinto leva-o mais longe que o seu intelecto».
A Necessidade de Conversar
Nos jornais, em conversas, no escritório, a impetuosidade da linguagem leva por vezes uma pessoa a perder-se, daí a esperança, que salta da fraqueza temporária, de uma repentina e mais forte iluminação mesmo no momento seguinte, ou de uma forte confiança em si próprio, ou mero desleixo, ou uma impressão forte e actual de que uma pessoa quer a todo o custo descarregar no futuro, portanto a opinião de que o verdadeiro entusiasmo no presente justifica toda e qualquer confusão futura, ou o deleite nas frases que se elevam no meio com um ou dois empurrões e que a pouco e pouco abrem completamente a boca mesmo que depois a deixem fechar com demasiada rapidez e tortuosidade, ou a leve possibilidade de um juízo claro e decisivo, ou o esforço para dar mais fluência ao discurso que realmente já acabou, ou o desejo de abandonar à pressa o tema se assim tiver de ser, de rastos, ou o desespero que tenta encontrar uma saída para a sua pesada respiração, ou o anseio por uma luz sem sombra — tudo isto pode levar uma pessoa a perder-se em frases como: «O livro que acabei agora mesmo é o mais belo que jamais li» ou «é tão belo,