Felicidade Calma
Incita esse teu amigo a animosamente não ligar importância a quem o censura por se acolher à obscuridade da vida privada, por desistir das suas grandezas, por ter preferido a tranquilidade a tudo o mais, apesar de poder ainda avançar na sua carreira. Mostra a essa gente que ele trata diariamente dos próprios interesses da forma mais útil. Aqueles que pela sua posição elevada suscitam a inveja geral nunca vivem em terreno firme: uns são derrubados, outros caem por si. Esse tipo de felicidade nunca conhece a calma, antes se excita sempre a si mesma. Desperta em cada um ideias de vários tipos, move os homens cada qual em sua direcção, lança uns numa vida de excessos, outros numa vida de luxúria, a uns enche-os de orgulho, a outros de moleza, mas a todos igualmente destrói.
Dirás tu: Há, todavia, quem aguente bem uma liberdade desse gĂ©nero”. Pois há, assim como há quem aguente bem o vinho. Por isso nĂŁo existe o mĂnimo fundamento para te deixares persuadir que alguĂ©m Ă© feliz pelo facto de viver rodeado de clientes; os clientes nĂŁo buscam nele senĂŁo o mesmo que buscam num lago: beber atĂ© fartar e deixar a água suja!
Textos sobre GĂ©nero de SĂ©neca
4 resultadosA Inutilidade do Viajar
Que utilidade pode ter, para quem quer que seja, o simples facto de viajar? NĂŁo Ă© isso que modera os prazeres, que refreia os desejos, que reprime a ira, que quebra os excessos das paixões erĂłticas, que, em suma, arranca os males que povoam a alma. NĂŁo faculta o discernimento nem dissipa o erro, apenas detĂ©m a atenção momentaneamente pelo atractivo da novidade, como a uma criança que pasma perante algo que nunca viu! AlĂ©m disso, o contĂnuo movimento de um lado para o outro acentua a instabilidade (já de si considerável!) do espĂrito, tornando-o ainda mais inconstante e incapaz de se fixar. Os viajantes abandonam ainda com mais vontade os lugares que tanto desejavam visitar; atravessam-nos voando como aves, vĂŁo-se ainda mais depressa do que vieram. Viajar dá-nos a conhecer novas gentes, mostra-nos formações montanhosas desconhecidas, planĂcies habitualmente nĂŁo visitadas, ou vales irrigados por nascentes inesgotáveis; proporciona-nos a observação de algum rio de caracterĂsticas invulgares, como o Nilo extravasando com as cheias de VerĂŁo, o Tigre, que desaparece Ă nossa vista e faz debaixo de terra parte do seu curso, retomando mais longe o seu abundante caudal, ou ainda o Meandro, tema favorito das lucubrações dos poetas, contorcendo-se em incontáveis sinuosidades,
A Sabedoria na Riqueza
Haverá dĂşvidas de que um homem de sabedoria tem mais condições para desenvolver as suas qualidades no meio das riquezas do que na pobreza? Na pobreza, sĂł há um gĂ©nero de virtude: nĂŁo se curvar nem se abater; na riqueza, a temperança, a liberalidade, a frugalidade, a ordem e a magnificĂŞncia tĂŞm um campo aberto. O sábio nĂŁo se despreÂzará a si prĂłprio, mesmo que seja de baixa estatura; desejará porĂ©m ser elegante. Com um corpo frágil ou com um olho a menos, ele sentir-se-á bem, mas preferirá, contudo, que o seu corpo seja robusto, apesar de saber que, em si, há algo mais forte. Ele tolerará uma saĂşde má, procurando ter uma saĂşde boa. De facto, algumas coisas, ainda que sejam pequenas em relação ao conjunto, quando sĂŁo aproveitadas sem que se arruĂne o bem principal, contribuem para a perpĂ©tua alegria, que nasce da virtude: as riquezas causam ao sábio a mesma impressĂŁo e o mesmo gáudio que causa o vento favorável ao navegador, ou que um belo dia causa num luÂgar enregelado pelo frio do Inverno. Quem, entre os sábios (falo dos nossos, aqueles para os quais a virtude Ă© um bem) nega que mesmo estas coisas, que consideramos indiferentes,
Exercitar a Vontade Naquilo que Podemos Ter de Melhor
Ponho-me a pensar na quantidade dos que exercitam o fĂsico, e na escassez dos que ginasticam a inteligĂŞncia; na afluĂŞncia que tĂŞm os gratuitos espectáculos desportivos, e na ausĂŞncia de pĂşblico durante as manifestações culturais; enfim, na debilidade mental desses atletas de quem admiramos as espáduas musculadas. E penso sobreutdo nisto: se o corpo pode, Ă força de treino, atingir um grau de resistĂŞncia tal que permite ao atleta suportar a um tempo os murros e pontapĂ©s de vários adversários, que o torna apto a aguentar um dia inteiro sob um sol abrasador, numa arena escaldante, todo coberto de sangue – nĂŁo será mais fácil ainda dar Ă alma uma tal robustez que a torne capaz de resistir sem ceder aos golpes da fortuna, capaz de erguer-se de novo ainda que derrubada e espezinhada?! De facto, enquanto o corpo, para se tornar vigoroso, depende de muitos factores materiais, a alma encontra em si mesma tudo quanto necessita para se robustecer, alimentar, exercitar. Os atletas precisam de grande quantidade de comida e bebida, de muitos unguentos, sobretudo de um treino intensivo: tu, para atingires a virtude, nĂŁo precisarás de dispender um tostĂŁo em equipamento! Aquilo que pode fazer de ti um homem de bem existe dentro de ti.