Primeiramente
Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus.
E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, a solidão aberta nos dedos como um cravo.
Meu amor, amor de uma breve madrugada de bandeiras, arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente, até que outra boca — e sempre a tua boca — comece de novo a nascer na minha boca.
Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros, encostar a face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu.
Textos sobre Gesto de Eugénio de Andrade
2 resultadosFábula
Estavam ali diante dos meus olhos: era terrĂvel e ao mesmo tempo fascinante.
Ao princĂpio pensei que ele a estava a matar, logo a seguir percebi que nĂŁo, que talvez ambos estivessem a morrer, sĂł depois qualquer apelo distante se fez carne em mim. EntĂŁo todo eu fiquei amarrado aos seus gestos, Ă quela respiração fatigada e difĂcil, Ă quele balbucio que lhes saĂa ralo da boca.
Os seio de Maria caĂam nus da blusa. Uma das mĂŁos do carpinteiro perdia-se nos seus cabelos emaranhados, a outra parecia ter-se enterrado na areia. O resto era aquele corpo todo dè homem: rĂgido e fremente, ao mesmo tempo, Ă força de concentrar todo o Ămpeto nas nádegas, arco de onde a flecha partia, para se cravar exasperada nas entranhas da rapariga. Parecia um cavalo ofegante — os olhos cerrados, o suor escorrendo da raiz dos cabelos, espa-lhando-se pelas costas, pelos flancos, pelas pernas, quase todas descobertas. Um cavalo cego mordendo o cĂ©u branco de agosto. Mas a terra chamou-o, e um relincho prolongado encheu o leito do ribeiro, morreu no alto dos amieiros. Por fim a paz desceu ao mundo.
Maria olhava o carpinteiro com olhos rasos de espanto, como quem tivesse perdido tudo naquele instante.