A Liberdade é a Possibilidade do Isolamento
A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre.
E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do Destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti, se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
Textos sobre Glória de Fernando Pessoa
3 resultadosA Arte de Representar
A base da representação é a falsidade. A arte do ator consiste em servir-se do drama do autor para mostrar por meio dele a sua capacidade de interpretação. A peça é como uma barra onde o actor mostra as suas habilidades ginásticas. É apenas limitado pelas condições necessárias de uma barra: pode fazer com ela apenas um número limitado de coisas, mas pode fazer de mil formas individuais.
A representação, repito, tem todo o atractivo de uma falsificação. Todos adoramos um falsificador. É um sentimento muito humano e completamente instintivo. Todos adoramos a trapaça e a imitação. A representação une e intensifica, por meio do carácter material e vital das suas manifestações, todos os baixos instintos do instinto artístico — o instinto do enigma, o instinto do trapézio (…). É popular e apreciado por estas razões, ou antes, por esta razão.
A sede de glória do artista é feita carne na sede de aplauso do actor. Todo o aparecimento em público é baixo. Todas as assembleias são multidões, e se não suadas de corpo, pelo menos suadas de emoções.
Todos os espíritos grosseiros adoram falar. Ser falador é já por si vulgar. A única coisa que torna a verbosidade interessante é a profanidade e a obscenidade,
Da Duração das Obras
Algumas obras morrem porque nada valem; estas, por morrerem logo, são natimortas. Outras têm o dia breve que lhes confere a sua expressão de um estado de espírito passageiro ou de uma moda da sociedade; morrem na infância. Outras, de maior escopo, coexistem com uma época inteira do país, em cuja língua foram escritas, e, passada essa época, elas também passam; morrem na puberdade da fama e não alcançam mais do que a adolescência na vida perene da glória. Outras ainda, como exprimem coisas fundamentais da mentalidade do seu país, ou da civilização, a que ele pertence, duram tanto quanto dura aquela civilização; essas alcançam a idade adulta da glória universal. Mas outras duram além da civilização, cujos sentimentos expressam. Essas atingem aquela maturidade de vida que é tão mortal como os Deuses, que começam mas não acabam, como acontece com o Tempo; e estão sujeitas apenas ao mistério final que o Destino encobre para todo o sempre (…)