GĂ©nio, Talento e Celebridade
Pode-se supor que a presença no mesmo homem de mais de um elemento intelectual facilitaria a sua imediata celebridade. AtĂ© certo limite Ă© assim, mas o Ă© atĂ© um limite menor do que se poderia conjecturar na ociosidade da hipĂłtese. Um homem dotado ao mesmo tempo de grande gĂ©nio e de grande inteligĂȘncia (como Shakespeare), ou de grande gĂ©nio e grande talento (como Milton), nĂŁo acumula na sua Ă©poca ou na seguinte os resultados do gĂ©nio e os resultados de outra qualidade. Ă que estes diferentes elementos intelectuais estĂŁo misturados por coexistirem no homem, e derrama-se na substĂąncia da inteligĂȘncia ou do talento o sagrado veneno do gĂ©nio; a bebida Ă© amarga, embora retenha algo do seu gosto comum. Os antigos misturavam mel com vinho e achavam isso gostoso; mas o nĂ©ctar nĂŁo pode fazer qualquer vinho gostoso ao paladar da gente comum.
Um homem que pudesse ter em si prĂłprio, em certo grau, gĂ©nio, talento e inteligĂȘncia, estaria preparado para produzir impacto no seu tempo pela sua inteligĂȘncia, na sua Ă©poca pelo seu talento e na generalidade dos futuros tempos e Ă©pocas pelo seu gĂ©nio. Mas como o seu gĂ©nio afectaria o seu talento e o seu talento e o seu gĂ©nio a sua inteligĂȘncia –
Textos sobre Grupos de Fernando Pessoa
2 resultadosA Doença da Disciplina
Das feiçÔes de alma que caracterizam o povo portuguĂȘs, a mais irritante Ă©, sem dĂșvida, o seu excesso de disciplina. Somos o povo disciplinado por excelĂȘncia. Levamos a disciplina social Ă quele ponto de excesso em que cousa nenhuma, por boa que seja â e eu nĂŁo creio que a disciplina seja boa â por força que hĂĄ-de ser prejudicial.
TĂŁo regrada, regular e organizada Ă© a vida social portuguesa que mais parece que somos um exĂ©rcito de que uma nação de gente com existĂȘncias individuais. Nunca o portuguĂȘs tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. EstĂĄ sempre Ă espera dos outros para tudo. E quando, por um milagre de desnacionalização temporĂĄria, pratica a traição Ă PĂĄtria de ter um gesto, um pensamento, ou um sentimento independente, a sua audĂĄcia nunca Ă© completa, porque nĂŁo tira os olhos dos outros, nem a sua atenção da sua crĂtica.
Parecemo-nos muito com os alemĂŁes. Como eles, agimos sempre em grupo, e cada um do grupo porque os outros agem.
Por isso aqui, como na Alemanha, nunca Ă© possĂvel determinar responsabilidades; elas sĂŁo sempre da sexta pessoa num caso onde sĂł agiram cinco.