O Solitário
As observações e as vivências do solitário que só fala consigo próprio são simultaneamente mais indistintas e intensas do que as do homem social e os seus pensamentos são mais graves, mais fantasiosos e nunca sem uma coloração de melancolia. Imagens e impressões que outros poriam naturalmente de lado após um olhar, um sorriso, um comentário, ocupam-no mais do que é devido, tornam-se profundas no silêncio, ganham significado, transformam-se em acontecimento, aventura, emoção. A solidão cria o original, o belo ousado e estranho cria a poesia. Mas cria também o distorcido, o desproporcionado, o absurdo e o proibido.
Textos sobre Homens de Thomas Mann
5 resultadosA Vantagem dum Longo Treino
A vantagem de um longo treino e duma escrupulosa concentração no futuro: na hora das realizações estabelece-se um estado sonambĂşlico intermediário entre o fazer e o deixar fazer, entre o agir e o ser objecto de acção. Isso requer tanto menos atenção quanto Ă© certo que, a maior parte das vezes, a realidade exige de nĂłs muito menos do que imaginamos e, assim, encontramo-nos um pouco na situação do homem que, armado atĂ© aos dentes, ao travar uma luta, nĂŁo tem necessidade, para vencer, senĂŁo de manejar ligeiramente uma Ăşnica peça do seu arsenal. Com efeito, quem liga importância a si mesmo exercita-se no que Ă© mais difĂcil para se tornar cada vez mais destro no que Ă© fácil e poder ter a satisfação de triunfar, usando dos meios mais delicados e discretos. Ele repele, aliás, os expedientes grosseiros e selvagens, nĂŁo se resolvendo a usá-los senĂŁo em casos de força maior.
A Indiferença ou a Paixão pelos Outros
O que Ă© mais proveitoso — perguntava eu — representar o mundo como pequeno ou como grande? Vejamos como eu resolvia o assunto: os homens eminentes, os capitĂŁes famosos, os estadistas competentes, em suma, todos os conquistadores e todos os chefes que se elevam pela violĂŞncia acima dos outros homens, devem ser feitos de tal maneira que o Mundo lhes deve parecer como um tabuleiro de damas. Se assim nĂŁo fosse, eles nĂŁo teriam a rudeza e a impassibilidade necessárias para subordinarem audaciosamente aos seus imprevisĂveis planos a felicidade e os sofrimentos dos indivĂduos isolados, sem se importarem nada com isso. Em contrapartida, uma tĂŁo limitada concepção pode levar os homens a nĂŁo realizarem coisa alguma, porque todo aquele que considera a humanidade como uma coisa sem importância acabará por a achar insignificante e por soçobrar na indiferença e na passividade. Desdenhoso de tudo, preferirá a inĂ©rcia Ă acção sobre os espĂritos, sem contar que a sua insensibilidade, a sua ausĂŞncia de simpatia e a sua letargia chocarĂŁo toda a gente, ofendendo constantemente um mundo imbuĂdo do seu prĂłprio valor. Assim se lhe fecharĂŁo todas as vias de um sucesso imprevisto. Será mais razoável — perguntava eu, entĂŁo — ver na humanidade qualquer coisa de grande,
A Arte Ă© IndivĂduo, nĂŁo Colectividade
Arte Ă© espĂrito, e o espĂrito nĂŁo precisa, em absoluto, de se sentir obrigado a servir a sociedade, a colectividade. A meu ver, nĂŁo tem direito a fazĂŞ-lo, devido Ă sua liberdade e Ă sua nobreza. Uma arte que «se mete com o povo», fazendo suas as necessidades das massas, do zĂ©-povinho, dos ignorantões, cai na misĂ©ria. Prescrever-lhe isso como um dever, admitindo-se, talvez, por razões polĂticas, unicamente uma arte que a gentinha possa compreender, Ă© mesmo o cĂşmulo da grosseria e equivale a assassinar o espĂrito. Este – eis a minha firme convicção – pode empreender os mais audaciosos, os mais incontidos avanços, as tentativas e pesquisas menos acessĂveis Ă s multidões, e todavia ter a certeza de servir, de um modo elevado, indirectamente o homem, e Ă la longue atĂ© os homens.
A Maior Intensidade de Vida do Artista
Embora o artista em todos os perĂodos da sua vida permaneça mais prĂłximo da infância, para nĂŁo dizer mais fiel do que o homem especializado na realidade prática, muito embora se possa afirmar que ele, ao contrário deste Ăşltimo se mantĂ©m continuamente no estado sonhador e puramente humano da criança brincalhona, o caminho que transpõe a partir dos primĂłrdios intactos atĂ© Ă s fases tardias, jamais imaginadas do seu devir, Ă© infinitamente mais longo, mais aventuroso, mais emocionante para o espectador, do que o do homem burguĂŞs, para o qual a reminiscĂŞncia de tambĂ©m ter sido criança em outros tempos nunca fica tĂŁo prenhe de lágrimas.