Textos sobre Humanos de Jean-Jacques Rousseau

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Textos de humanos de Jean-Jacques Rousseau. Leia este e outros textos de Jean-Jacques Rousseau em Poetris.

A Piedade

A piedade é um sentimento natural, que, moderando em cada indivíduo a actividade do amor de si próprio, concorre para a conservação mútua de toda a espécie. É ela que nos leva sem reflexão em socorro daqueles que vemos sofrer; é ela que, no estado de natureza, faz as vezes de lei, de costume e de virtude, com a vantagem de que ninguém é tentado a desobedecer à sua doce voz; é ela que impede todo o selvagem robusto de arrebatar a uma criança fraca ou a um velho enfermo a sua subsistência adquirida com sacrifício, se ele mesmo espera poder encontrar a sua alhures; é ela que, em vez desta máxima sublime de justiça raciocinada, faz a outrem o que queres que te façam, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem menos perfeita, porém mais útil, talvez, do que a precedente: faz o teu bem com o menor mal possível a outrem. Em uma palavra, é nesse sentimento natural, mais do que em argumentos subtis, que é preciso buscar a causa da repugnância que todo o homem experimentaria em fazer mal, mesmo independentemente das máximas da educação. Embora possa competir a Sócrates e aos espíritos da sua têmpera adquirir a virtude pela razão,

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As Infelizes Necessidades do Homem Civilizado

Um autor célebre, calculando os bens e os males da vida humana, e comparando as duas somas, achou que a última ultrapassa muito a primeira, e que tomando o conjunto, a vida era para o homem um péssimo presente. Não fiquei surpreendido com a conclusão; ele tirou todos os seus raciocínios da constituição do homem civilizado. Se subisse até ao homem natural, pode-se julgar que encontraria resultados muito diferentes; porque perceberia que o homem só tem os males que se criou para si mesmo, o que à natureza se faria justiça. Não foi fácil chegarmos a ser tão desgraçados. Quando, de um lado, consideramos o imenso trabalho dos homens, tantas ciências profundas, tantas artes inventadas, tantas forças empregadas, abismos entulhados, montanhas arrasadas, rochedos quebrados, rios tornados navegáveis, terras arroteadas, lagos cavados, pantanais dissecados, construções enormes elevadas sobre a terra, o mar coberto de navios e marinheiros, e quando, olhando do outro lado, procuramos, meditando um pouco as verdadeiras vantagens que resultaram de tudo isso para a felicidade da espécie humana, só nos podemos impressionar com a espantosa desproporção que reina entre essas coisas, e deplorar a cegueira do homem, que, para nutrir o seu orgulho louco, não sei que vã admiração de si mesmo,

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Entendimento Apaixonado

Mau grado o que dizem os moralistas, o entendimento humano deve muito às paixões, que, de comum acordo, também lhe devem muito: é pela sua actividade que a nossa razão se aperfeiçoa; só procuramos conhecer porque desejamos gozar; e não é possível conceber porque aquele que não tivesse desejos nem temores se desse ao trabalho de raciocinar. As paixões, por sua vez, originam-se a partir das nossas necessidades, e o seu progresso dos nossos conhecimentos; porque só podemos desejar ou temer coisas segundo as ideias que temos delas, ou pelo simples impulso da natureza; e o homem selvagem, privado de toda a sorte de luzes, só experimenta as paixões dessa última espécie; os únicos bens que conhece no universo são a sua nutrição, uma fêmea e o repouso; os únicos males que teme são a dor e a fome. Digo a dor, e não a morte; porque jamais o animal saberá o que é morrer; e o conhecimento da morte e dos seus terrores foi uma das primeiras aquisições que o homem fez afastando-se da condição animal.

Desigualdade Natural e Desigualdade Institucional

É fácil de ver que, entre as diferenças que distinguem os homens, muitas passam por naturais, quando são unicamente a obra do hábito e dos diversos géneros de vida adoptados pelos homens na sociedade. Assim, num temperamento robusto ou delicado, a força ou a fraqueza que disso dependem, vêm muitas vezes mais da maneira dura ou efeminada pela qual foi educado do que da constituição primitiva dos corpos. Acontece o mesmo com as forças do espírito, e a educação não só estabelece a diferença entre os espíritos cultivados e os que não o são, como aumenta a que se acha entre os primeiros à proporção da cultura; com efeito, quando um gigante e um anão marcham na mesma estrada, cada passo representa uma nova vantagem para o gigante. Ora, se se comparar a diversidade prodigiosa do estado civil com a simplicidade e a uniformidade da vida animal e selvagem, em que todos se nutrem dos mesmos alimentos, vivem da mesma maneira e fazem exactamente as mesmas coisas, compreender-se-á quanto a diferença de homem para homem deve ser menor no estado de natureza do que no de sociedade; e quanto a desigualdade natural deve aumentar na espécie humana pela desigualdade de instituição.

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São as Nossas Paixões que nos Irritam Contra as dos Outros

São as nossas paixões que nos irritam contra as dos outros; é o nosso próprio interesse que nos leva a odiar os maus; se estes não nos fizessem nenhum mal, sentiríamos por eles mais piedade que ódio. O mal que os maus nos fazem leva-nos a esquecer o mal que se fazem a si mesmos. Perdoar-Ihes-íamos com mais facilidade os seus vícios se pudéssemos saber quanto os seus próprios corações os castigam. Sentimos a ofensa e não vemos o castigo; as vantagens são aparentes, o sofrimento é interior. Aquele que crê gozar do fru­to dos seus vícios não se sente menos atormentado do que se o não tivesse conseguido; o objecto muda mas a inquietação é a mesma; por mais que evidenciem a sua fortuna e escondam o seu coração, o seu comportamento demostra-o, mesmo sem que o queiram: mas, para nos apercebermos disso, é preciso que não tenhamos um coração semelhante.
As paixões que nos dividem seduzem-nos; as que chocam os nossos interesses revoltam-nos, e, por uma inconsequência que nos vem delas, criticamos nos outros o que desejaríamos imitar. A aversão e a ilusão são inevitáveis, quando somos obrigados a su­portar, por parte de outrém, o mal que faríamos se estivéssemos no lugar dessa pessoa.

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O Limite Saudável do Amor por Nós Próprios

O amor por nós mesmos, que só a nós diz respeito, sente-se satis­feito quando as nossas verdadeiras necessidades ficam satisfeitas; mas o amor-próprio – que se pretende comparar com ele – nun­ca se sente satisfeito nem o poderia estar, porque esse sentimen­to, que nos leva a preferirmo-nos aos outros, também exige que os outros nos prefiram a eles próprios; ora isso é impossível. Eis co­mo as paixões suaves e afectuosas têm origem no amor por si pró­prio, e como as paixões de ódio e de ira provêm do amor-próprio. Assim, o que torna o homem essencialmente bom é o facto de ter poucas necessidades e de pouco se comparar com os outros; o que o torna essencialmente mau é ter muitas necessidades e preo­cupar-se muito com a opinião. Sobre este princípio, é fácil ver co­mo se podem dirigir – para o bem ou para o mal – todas as pai­xões das crianças e dos homens. É verdade que, como não podem viver sempre sós, dificilmente poderão viver sempre bons: e esta dificuldade aumentará, necessariamente, com o alargamento das suas relações; e é nisso, sobretudo, que os perigos da sociedade nos tornam a arte e os cuidados mais indispensáveis para prevenir­ –

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As Artes e as Ciências Nasceram dos Vícios

A astronomia nasceu da superstição; a retórica, da ambição, do ódio, da adulação, da mentira; a geometria, da ganância; a física, da curiosidade vã; e todas elas, mesmo a ética, do orgulho humano. As artes e as ciências devem portanto o seu nascimento aos nossos vícios, e nós deveríamos duvidar menos das suas vantagens se elas tivessem tido origem nas nossas virtudes. (…) Quantos perigos! Quantos caminhos equivocados na investigação das ciências? Por meio de quantos erros, milhares de vezes mais perigosos do que a verdade é útil, não é preciso abrir caminho a fim de alcançá-la? O problema é patente; pois a falsidade admite um número infinito de combinações; mas a verdade possui apenas um modo de ser.

A Verdade Universal Não Existe

Consultei os filósofos, folheei os seus livros, examinei as suas diversas opiniões; achei-os todos orgulhosos, afirmativos, dog­máticos – mesmo no seu pretenso cepticismo -, não ignorando nada, não demonstrando nada, troçando uns dos outros; e esse ponto, que é comum a todos eles, pareceu-me ser o único em que todos concordavam. Triunfantes quando atacam, não têm vigor quando se defendem. Se examinais as suas razões, só as têm pa­ra destruir; se contais os seus caminhos, cada um está limitado ao seu; só se põem de acordo para discutir; prestar-lhes ouvidos não era o meio de me livrar da minha incerteza. Compreendi que a insuficiência do espírito humano é a pri­meira causa dessa prodigiosa diversidade de sentimentos, e que o orgulho é a segunda.
Nós não temos a medida dessa imensa máqui­na, não podemos calcular as suas proporções; não lhe conhecemos nem as primeiras leis nem a causa final; ignoramo-nos a nós mes­mos; não conhecemos nem a nossa natureza nem o nosso princípio activo; mal sabemos se o homem é um ser simples ou composto: mistérios impenetráveis rodeiam-nos por todos os lados; pairam por cima da região sensível; para os compreendermos, supomos ter inteligência, e apenas temos imaginação. Cada um de nós abre­ através desse mundo imaginário –

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