Liberdade e Constrangimento SĂŁo Dois Aspectos da Mesma Necessidade
Liberdade e constrangimento sĂŁo dois aspectos da mesma necessidade, que Ă© ser aquele e nĂŁo um outro. Livre de ser aquele, nĂŁo livre de ser um outro. (…) NĂŁo hĂĄ quem o nĂŁo saiba. Os que reclamam a liberdade reclamam a moral interior, para que nem assim o homem deixe de ser governado. O gendarme – dizem eles de si para si – estĂĄ no interior. E os que solicitam a coacção afirmam-te que ela Ă© liberdade de espĂrito. Tu, na tua casa, tens a liberdade de atravessar as antecĂąmaras, de medir a passos largos as salas, uma por uma, de empurrar as portas, de subir ou descer as escadas. E a tua liberdade cresce Ă medida que aumentam as paredes e as peias e os ferrolhos. E dispĂ”es de um nĂșmero tanto maior de actos possĂveis onde escolher aquele que hĂĄs-de praticar, quantas mais obrigaçÔes te impĂŽs a duração das tuas pedras. E, na sala comum, onde assentas arraiais no meio da desordem, deixas de dispor de liberdade, passa a haver dissolução.
E, afinal de contas, todos sonham com uma e a mesma cidade. Mas um reclama para o homem, tal como ele Ă©, o direito de agir.
Textos sobre Ădolos de Antoine de Saint-ExupĂ©ry
3 resultadosNĂŁo Pode Existir Amor Sem Verdadeira Troca
NĂŁo te lembras de ter encontrado na vida aquela que se considera um Ădolo? Que havia ela de receber do amor? Tudo, atĂ© a tua alegria de a encontrares, se torna homenagem para ela. Mas, quanto mais a homenagem custa, mais vale: ela saborearia melhor o teu desespero.
Ela devora sem se alimentar. Ela apodera-se de ti para te queimar à sua honra. Ela é semelhante a um forno crematório. Ela, na sua avareza, enriquece-se de vårias capturas, julgando encontrar a alegria nessa acumulação. E não acumula mais do que cinzas. Porque o verdadeiro uso dos teus dons era caminho de um para o outro, e não captura.
Ela verĂĄ penhores nos teus dons e abster-se-ĂĄ de tos conceder em paga. Na falta de arrebatamentos que te satisfariam, a falsa reserva dela far-te-ĂĄ ver que a comunhĂŁo dispensa sinais. Ă marca da impotĂȘncia para amar, nĂŁo elevação do amor. Se o escultor despreza a argila, terĂĄ de modelar o vento. Se o teu amor despreza os sinais do amor a pretexto de atingir a essĂȘncia, o teu amor nĂŁo passa de um palavreado. NĂŁo descuides as felicitaçÔes, nem os presentes, nem os testemunhos.Serias capaz de amar a propriedade,
MiserĂĄveis Macabros
Ă que nĂŁo foram tĂŁo poucas como isso as vezes que vi a piedade enganar-se. NĂłs, que governamos os homens, aprendemos a sondar-lhes os coraçÔes, para sĂł ao objecto digno de estima dispensarmos a nossa solicitude. Mais nĂŁo faço do que negar essa piedade Ă s feridas de exibição que comovem o coração das mulheres. Assim como tambĂ©m a nego aos moribundos, e alĂ©m disso aos mortos. E sei bem porquĂȘ.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas suas Ășlceras. AtĂ© chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bĂĄlsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longĂnqua unguentos derivados do ouro, que tĂȘm a virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi assim atĂ© descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportĂĄvel fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pĂșstulas, como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de pĂșrpura. Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridĂŁo e gabavam-se das esmolas recebidas.
Aquele que mais ganhara comparava-se a si prĂłprio ao sumo sacerdote que expĂ”e o Ădolo mais prendado. Se consentiam em consultar o meu mĂ©dico, era na esperança de que o cancro deles o surpreendesse pela pestilĂȘncia e pelas proporçÔes.