A Nefasta Hiperdemocracia dos Nossos Tempos
NinguĂ©m, creio eu, deplorará que as pessoas gozem hoje em maior medida e nĂşmero que antes, já que tĂŞm para isso os apetites e os meios. O mal Ă© que esta decisĂŁo tomada pelas massas de assumir as actividades prĂłprias das minorias, nĂŁo se manifesta, nem pode manifestar-se, sĂł na ordem dos prazeres, mas que Ă© uma maneira geral do tempo. Assim (…) creio que as inovações polĂticas dos mais recentes anos nĂŁo significam outra coisa senĂŁo o impĂ©rio polĂtico das massas. A velha democracia vivia temperada por uma dose abundante de liberalismo e de entusiasmo pela lei. Ao servir a estes princĂpios o indivĂduo obrigava-se a sustentar em si mesmo uma disciplina difĂcil. Ao amparo do princĂpio liberal e da norma jurĂdica podiam atuar e viver as minorias. Democracia e Lei, convivĂŞncia legal, eram sinĂłnimos. Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa actua directamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos.
É falso interpretar as situações novas como se a massa se houvesse cansado da polĂtica e encarregasse a pessoas especiais o seu exercĂcio. Pelo contrário. Isso era o que antes acontecia, isso era a democracia liberal. A massa presumia que,
Textos sobre IndivĂduo de JosĂ© Ortega y Gasset
3 resultadosO Despotismo do Homem Vulgar
A histĂłria europĂ©ia parece, pela primeira vez, entregue Ă decisĂŁo do homem vulgar como tal. Ou dito em voz activa: o homem vulgar, antes dirigido, resolveu governar o mundo. Esta resolução de avançar para o primeiro plano social produziu-se nele, automaticamente, mal chegou a amadurecer o novo tipo de homem que ele representa. Se, atendendo aos defeitos da vida pĂşblica, estuda-se a estrutura psicolĂłgica deste novo tipo de homem-massa, encontra-se o seguinte: 1Âş, uma impressĂŁo nativa e radical de que a vida Ă© fácil, abastada, sem limitações trágicas; portanto, cada indivĂduo mĂ©dio encontra em si mesmo uma sensação de domĂnio e triunfo que, 2Âş, convida-o a afirmar-se a si mesmo tal qual Ă©, a considerar bom e completo o seu haver moral e intelectual. Este contentamento consigo mesmo leva-o a fechar-se em si mesmo para toda a instância exterior, a nĂŁo ouvir, a nĂŁo pĂ´r em tela de juĂzo as suas opiniões e a nĂŁo contar com os demais. A sua sensação Ăntima de domĂnio incita-o constantemente a exercer predomĂnio. Actuará, pois, como se somente ele e os seus congĂ©neres existissem no mundo; portanto, 3Âş, intervirá em tudo impondo a sua vulgar opiniĂŁo, sem considerações, contemplações, trâmites nem reservas; quer dizer,
Disponibilidade Vazia
O cigano foi-se confessar; mas o padre, precavido, começou por interrogá-lo sobre os mandamentos de Deus. Ao que o cigano respondeu: «Olhe, senhor padre, eu ia aprender isso, mas depois ouvi um zum-zum de que tinha perdido o valor». (…) Todo o mundo – nações, indivĂduos – está desmoralizado. Durante uma temporada, esta desmoralização diverte e atĂ© vagamente ilude. Os inferiores pensam que lhes tiraram um peso de cima. Os decálogos conservam do tempo em que eram inscritos sobre pedra ou bronze oseu carácter de pesadume. A etimologia de mandar significa carregar, pĂ´r em alguĂ©m algo nas mĂŁos. Quem manda Ă©, sem remissĂŁo, quem tem o encargo. Os inferiores do mundo inteiro já estĂŁo fartos de que os encarreguem e sobrecarreguem, e aproveitam com ar festivo este tempo de pesados imperativos. Mas a festa dura pouco. Sem mandamentos que nos obriguem a viver de um certo modo, fica a nossa vida em pura disponibilidade. Esta Ă© a horrĂvel situação Ăntima em que se encontram já as melhores juventudes do mundo. De puro sentir-se livres, isentas de entraves, sentem-se vazias. Uma vida em disponibilidade Ă© maior negação que a morte. Porque viver Ă© ter que fazer algo determinado – Ă© cumprir um encargo –,