O Provincianismo Português (I)
Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do “Orpheu”, disse a Mário de Sá-Carneiro: “V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris,
Textos sobre Ingleses
24 resultadosOs Elementos Fixadores da Personalidade
Os resíduos ancestrais formam a camada mais profunda e mais estável do carácter dos indivíduos e dos povos. É pelo seu “eu” ancestral que um inglês, um francês, um chinês, diferem tão profundamente.
Mas a esses remotos atavismos sobrepõem-se elementos suscitados pelo meio social (casta, classe, profissão, etc.), pela educação e ainda por muitas outras influências. Eles imprimem à nossa personalidade uma orientação assaz constante. Será o “eu”, um pouco artificial, assim formado, que exteriorizaremos cada dia.
Entre todos os elementos formadores da personalidade, o mais activo, depois da raça, é o que determina o agrupamento social ao qual pertencemos. Fundidas no mesmo molde pelas idéias, as opiniões e as condutas semelhantes que lhes são impostas, as individualidades de um grupo: militares, magistrados, padres, operários, marinheiros, etc., apresentam numerosos carácteres idênticos.
As suas opiniões e os seus juízos são, em geral, vizinhos, porquanto sendo cada grupo social muito nivelador, a originalidade não é tolerada nele. Aquele que se quer diferenciar do seu grupo tem-no inteiramente por inimigo.
Essa tirania dos grupos sociais, na qual insistiremos, não é inútil. Se os homens não tivessem por guia as opiniões e a maneira de proceder daqueles que os cercam,
A Vida é Ilegível
A vida, meu caro, é ilegível. Acontece
e desaparece. Não há inteligência
que a descodifique: vem em linguagem-nada,
surge no corpo como surge o dia, e como
se dia e vida individual fossem materiais paralelos.
A vida não surge em prosa
nem em poesia — e a existência não fala
inglês, apesar de tudo. A natureza dos acontecimentos
resiste às invasões matreiras da publicidade e
dos filmes. Já não é mau.Gonçalo M.
Uma Fraqueza de Eterna Disponibilidade
O perfil da nossa personalidade profunda, que é inconfundível, que é verdadeiro, não tem, por variadas razões, a nitidez de contornos de que se podem gabar homens doutros meridianos. Um espanhol, um francês, um alemão, um inglês, são incompreensíveis fora das suas raias. Um português, apesar das fortes raízes nacionais que o individualizam, entende-se perfeitamente longe de Portugal. Há nele uma fraqueza de eterna disponibilidade, de pronta e conciliante aceitação do que se lhe opõe, de amável adaptação ao meio hostil, que o fazem capaz em todo o mundo, mas incapaz no seu mundo. Daí não ter possivelmente grandes coisas para exprimir, a não ser o lirismo de ser assim. Infelizmente, não é por intermédio dos seus poetas líricos que um povo pode comunicar com os outros.