Instantâneos Diferentes do Ser
Os seres não cessam de mudar de lugar em relação a nós. Na marcha insensível mas eterna do mundo, nós consideramo-los como imóveis num instante de visão, demasiado breve para que seja percebido o movimento que os arrasta. Mas basta escolher na nossa memória duas imagens suas, tomadas em instantes diferentes, bastante próximos no entanto para que eles não tenham mudado em si mesmo, pelo menos sensivelmente, e a diferença das duas imagens mede a deslocação que eles operavam em relação a nós.
Textos sobre Instantes de Marcel Proust
2 resultadosO Nosso Código Ético e Moral Desculpabiliza-nos Perante a Recusa de Aliviarmos o Sofrimento Alheio
Eu não desviava os olhos de minha mãe, sabia que, quando estivessem à mesa, não me seria permitido ficar até ao fim da refeição, e que, para não contrariar meu pai, a mamã não me deixaria beijá-la várias vezes diante dos outros, como se fosse no meu quarto.
(…) antes de tocarem a sineta para o jantar, meu avô teve a ferocidade inconsciente de dizer: «O pequeno parece cansado; deveria ir deitar-se. E depois, jantamos tarde hoje.» E meu pai,(…) disse: «Sim. Anda, vai deitar-te.» Eu quis beijar a mamã; nesse instante ouviu-se a sineta do jantar. «Não, não, deixa a tua mãe em paz, vocês já se despediram bastante, essas demonstrações são ridículas. Anda, sobe!» E eu tive de partir sem viático; tive de subir cada degrau «contra o coração», subindo contra o meu coração, que desejava voltar para junto de minha mãe porque ela não lhe havia dado, com um beijo, licença de me acompanhar.
(…) Já no meu quarto, tive de (…) cerrar os postigos, cavar o meu próprio túmulo enquanto virava as cobertas, vestir o sudário da minha camisa de dormir. Mas antes de sepultar-me no leito de ferro (…), veio-me um impulso de revolta e resolvi tentar um ardil de condenado.